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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O megashow da blogueira popstar no Brasil


YOANI SÁNCHEZ NO BRASIL



                                                                                                         Facebook/Yoani


"E, como toda atitude imbecil tem seu efeito bumerangue, a visita de Yoani Sánchez, que deveria mobilizar pouca gente, apenas os muito interessados em conhecer detalhes do cotidiano cubano, acabou se tornando um grande evento, um evento-espetáculo. Quem não sabia quem era a moça agora sabe; e sabe mais ainda, de que são capazes seus adversários quando se sentem contrariados."


O som, a fúria e o nada

Carlos Brickmann

Há certas coisas difíceis de entender.


Um jornalista (que trabalha numa grande empresa, das mais atacadas pelos fanáticos que se consideram de esquerda) proclama seu orgulho de ser intolerante e fundamentalista. Outro jornalista diz que, como petista, considera o senador Eduardo Suplicy, fundador do PT, “meio tucano”. Outro jornalista sugere que se vá a uma comunidade pobre e se verifique o que é que seus moradores preferem: saúde, alimentação ou liberdade de expressão. E conclui que ninguém ali estaria tão preocupado assim com a liberdade de expressão. Portanto, Cuba é ótima.

Houve época em que multidões de italianos aceitaram a ditadura fascista porque o ditador Benito Mussolini fez os trens andarem no horário. Mas não era contra esse tipo de pensamento que a esquerda se colocava?

Toda essa exacerbação ocorreu há poucos dias, com a visita da blogueira cubana Yoani Sánchez ao Brasil. Houve, entre as cenas horrorosas de tentativa de intimidação da blogueira, de promoção de tumultos e gritarias para impedi-la de falar, algumas coisas até engraçadas. Por exemplo, um senhor de meia idade, com quarenta e muitos ou cinquenta e poucos, que se jogasse futebol estaria entre os masters, vestindo a camiseta da UJS – União da Juventude Socialista.

Qual a essência do problema? Yoani faz restrições ao regime cubano; e os que tentaram impedi-la de falar não podem aceitar que alguém critique um regime tão maravilhosamente perfeito nem seus líderes geniais. Surgiram então as acusações (as de costume: “agente da CIA”, “enviada do imperialismo ianque”), as perguntas (“quem é que paga a viagem?”, “que é que ela acha da base de Guantánamo?”), os comentários sexistas (“esta mulher é o cão chupando manga”, “não existe cabeleireiro em Cuba?”, “em Cuba não há comida, nem liberdade, nem tesoura”). E daí? Imaginemos que Yoani seja simultaneamente agente da CIA, da Stasi, da KGB e do SNI. Em que é que isso tira a possibilidade de seus adversários de desmontar sua argumentação, com argumentos racionais, educadamente? Imaginemos que sua viagem seja paga pela Associação Internacional dos Pedófilos Anônimos. Em que é que isso modifica suas críticas, em que é que isso prejudica a possibilidade de contestá-la?

Nos tempos em que havia esquerda, formada por pessoas que estudavam em vez de gritar slogans, Rosa Luxemburgo, a grande revolucionária alemã, dizia que liberdade é quase sempre a liberdade de quem pensa diferente de nós. E o fato real é que tentaram impedir que Yoani tivesse a liberdade de dizer o que pensa. Acusá-la de ser agente de quem quer que seja, de receber passagens de grupos organizados, de receber recursos não-contabilizados, perfeito; desde que isso seja feito civilizadamente, sem tentar impedi-la de falar.

E, como toda atitude imbecil tem seu efeito bumerangue, a visita de Yoani Sánchez, que deveria mobilizar pouca gente, apenas os muito interessados em conhecer detalhes do cotidiano cubano, acabou se tornando um grande evento, um evento-espetáculo. Quem não sabia quem era a moça agora sabe; e sabe mais ainda, de que são capazes seus adversários quando se sentem contrariados.


Questão de sexo

Alguns cavalheiros polêmicos visitaram o Brasil ultimamente, como o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o italiano Césare Battisti (que ficou), o pessoal da FIFA. Ninguém criticou o corte de seus cabelos, nem suas roupas, nem seu sex-appeal. Mas, quando se trata de mulher, como no caso de Yoani, os atributos físicos e de moda entram imediatamente em debate. É feia, é reta, tinha de cortar o cabelo, tratar dos dentes, usar roupas diferentes – e isso num país onde existe (acreditem!, é verdade!) uma secretaria de Políticas para as Mulheres, com status de Ministério, comandada pela ministra Eleonora Menicucci. Que, aliás, mantém-se silenciosa sobre as agressões que uma mulher sofre quando tenta expor suas ideias.

Haverá alguém aqui adepto do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi? Ele deve ter queixas de vários dirigentes homens de outros países, mas só se soltou ao falar de uma mulher, a primeira-ministra da Alemanha Ocidental, Angela Merkel: “Uma bunduda incomível”. O curioso é que quem critica os atributos físicos das mulheres nem sempre resistiria a uma análise feminina. Ou alguém acredita que as festas de Berlusconi sejam animadas por meninas fascinadas pela beleza física, vitalidade e glamour de Sua Excelência? E de graça?



Observatório da Imprensa

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Yoani Sánchez: "Dinheiro não é tabu"


LIBERDADE DE EXPRESSÃO



"Yoani diz querer usar o dinheiro dos prêmios para fundar um jornal independente.

' (...) para mim, o dinheiro não é tabu. É uma possibilidade de realizar os sonhos. Estou muito orgulhosa de todos os prêmios que ganhei.

Um dos objetivos da minha viagem é poder recuperar parte dos meus prêmios (em dinheiro ou não) com a intenção de levá-los a Cuba. Seria o capital inicial do jornal. Tenho recebido muito pouco, às vezes vem um amigo e traz uma parte. Também invisto na minha vida pessoal. Não promulgo um ascetismo como uma forma de vida. Não vou me sentir culpada por uma autonomia limpa.

Eu poderia me perguntar onde está a fortuna pessoal dos filhos de Raúl Castro, onde estão essas contas? Todos têm contas no exterior. Quando há um indivíduo autônomo, essa discussão se converte em problema. No mais, adoraria publicar gratuitamente no Granma (jornal oficial do governo). Me dá uma coluna no Granma, não me paga um centavo e eu seria a pessoa mais feliz do mundo.' "



“Para mim, o dinheiro não é tabu”

Flávio Tabak* 

Além de incontáveis palestras e debates, a blogueira cubana Yoani Sánchez terá uma tarefa bem prática durante os 80 dias da viagem iniciada pelo Brasil e que incluirá pelo menos outros 12 países: cuidar do próprio bolso. Alvo de críticas de opositores, que a acusam de ser financiada pelos Estados Unidos e por entidades contrárias ao regime dos irmãos Castro em Cuba, Yoani afirma não tratar dinheiro como “tabu”. Ela saiu do país com o equivalente a US$ 200 (divididos entre dólares e euros) e pretende engordar sua renda com os prêmios que ganhou nos últimos anos. O problema é fazer com que os recursos cheguem a Cuba sem que sejam confiscados no aeroporto de Havana.

Yoani diz querer usar o dinheiro dos prêmios para fundar um jornal independente. Uma outra parte seria reservada para fins pessoais. “Todo esse tema é porque o dinheiro em Cuba se transformou num tabu. Durante muitos anos, o dinheiro não funcionou como moeda de troca: o importante eram os méritos, a influência, os cargos políticos, a linhagem sanguínea. Mas, para mim, o dinheiro não é tabu. É uma possibilidade de realizar os sonhos. Estou muito orgulhosa de todos os prêmios que ganhei”, argumentou a blogueira, antes de partir para Brasília.

A blogueira é colaboradora do jornal espanhol El País e relata ter dificuldade para receber o pagamento pelos artigos que escreve. Ela tem uma conta bancária na Suíça, da época em viveu dois anos lá (de 2002 a 2004), mas afirma não usá-la. E reclama da acusação de mercenária, feita por manifestantes em Feira de Santana. “Um dos objetivos da minha viagem é poder recuperar parte dos meus prêmios (em dinheiro ou não) com a intenção de levá-los a Cuba. Seria o capital inicial do jornal. Tenho recebido muito pouco, às vezes vem um amigo e traz uma parte. Também invisto na minha vida pessoal. Não promulgo um ascetismo como uma forma de vida. Não vou me sentir culpada por uma autonomia limpa.”


“Adoraria publicar gratuitamente no Granma

A cubana nega que receba salário da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e diz ter uma carta da direção da entidade, explicando que “isso é totalmente falso, uma grande mentira”.

Yoani ainda não sabe quanto dinheiro precisará para fundar seu sonhado jornal, mas acredita que não necessitará “uma fortuna”. Em tom irônico, diz que não precisaria de um meio independente se pudesse contribuir para a imprensa de Cuba. “Eu poderia me perguntar onde está a fortuna pessoal dos filhos de Raúl Castro, onde estão essas contas? Todos têm contas no exterior. Quando há um indivíduo autônomo, essa discussão se converte em problema. No mais, adoraria publicar gratuitamente no Granma (jornal oficial do governo). Me dá uma coluna no Granma, não me paga um centavo e eu seria a pessoa mais feliz do mundo.”

* Flávio Tabak, de O Globo


Observatório da Imprensa

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Fidel: "Esse modelo não serve mais nem para nós"


YOANI SÁNCHEZ NO BRASIL


Para a esquerda burra, tosca e obsoleta. E mal-educada.

"A grosseria, a incivilidade e a estupidez são algumas das características mais desagradáveis do ser humano e foram usadas em larga escala não só na Bahia, mas também no plenário da Câmara Federal por algumas pessoas que ainda vegetam no estado primário do processo civilizatório."

"Ninguém é obrigado a gostar de Yoani Sánchez como ninguém pode ser proibido de admirar e cultuar ditaduras." 

"O fascínio pela servidão voluntária é uma das características mais degradantes do ser humano."




Democracia, agite antes de usar

Sandro Vaia 

Alguma outra vez neste país a democracia foi usada para defender uma ditadura?

Não me lembro. Mas foi exatamente o que aconteceu com a manifestação contra Yoani Sánchez, a blogueira cubana que se opõe à ditadura de seu país, que a impediu de falar e inviabilizou a exibição do documentário Conexão Cuba-Honduras, de Dado Galvão, em Feira de Santana, no interior da Bahia.

A grosseria, a incivilidade e a estupidez são algumas das características mais desagradáveis do ser humano e foram usadas em larga escala não só na Bahia, mas também no plenário da Câmara Federal por algumas pessoas que ainda vegetam no estado primário do processo civilizatório.

Até aí, nada a fazer. Não podemos exigir uma nação de fidalgos nem exigir algum tipo de racionalidade de quem confunde a militância política com a barbárie.

Ninguém é obrigado a gostar de Yoani Sánchez como ninguém pode ser proibido de admirar e cultuar ditaduras. Infelizmente, a história da humanidade é recheada de massas ululantes que seguem ditadores e homens providenciais de camisas verdes, negras, pardas, boinas vermelhas ou uniformes verde-oliva.


Debate saudável


O fascínio pela servidão voluntária é uma das características mais degradantes do ser humano. O fato de que isso, ao longo da História, tenha produzido pilhas e pilhas de cadáveres pelo mundo todo não inibe a prática da falta de fé democrática.

Ditadores pendurados de cabeça para baixo nas vigas de um posto de gasolina e outros miseravelmente fuzilados ao lado da mulher depois de tentar fugir das massas que os idolatravam até algumas horas atrás, não ensinam lição alguma a quem está disposto e decidido a não aprender.

A presença de Yoani Sánchez no Brasil poderia ter sido aproveitada para estimular um debate sobre os caminhos que Cuba pode seguir num eventual processo de transição para a democracia.

É evidente que o regime está desgastado, caquético e moribundo, e aí não vai nenhuma figura de linguagem com relação a quem o dirige. Foi Fidel Castro e não qualquer gusano contrarrevolucionário de Miami que disse, com todas as letras, que “esse modelo não serve mais nem para nós”.

O que será de Cuba? Uma nova China? Mas quem seria o Deng Xiaoping cubano que teria coragem de ir à Plaza de la Revolución para dizer que “enriquecer é glorioso”? O que será feito dos 500 mil servidores públicos que perderão seus empregos?

Um debate interessante para quem está interessado em democracia e em evolução de modelos políticos. Um debate chato e desnecessário para quem prefere substituir o uso da inteligência pelo escorrer da baba elástica e bovina.

Sandro Vaia é jornalista

Observatório da Imprensa

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Em Praga, com Yoani Sánchez


Caminhando pelas ruas de Praga, vêm à mente da escritora-ativista imagens da Primavera de 68 e lembranças dos romances de Milan Kundera...

Una ciudad muy hermosa.

Viva a Liberdade !!!


Praga, la bella

































Em visita a agência de notícias










                                          Na televisão tcheca




Na Rádio Praga


Imagens: Twitter  

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Eliana Calmon quer Judiciário aberto à imprensa, Twitter, Facebook...


JUDICIÁRIO CIDADÃO


Tinha que ser ela.

A combativa, destemida, ousada e midiática ministra Eliana Calmon, ex-Corregedora Nacional de Justiça e "Terror dos Bandidos de Toga", agora dirigindo a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, e Vice-Presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça, defendeu ontem a abertura do Poder Judiciário à imprensa de massa, inclusive Twitter e Facebook.

Claro. Vivemos na sociedade midiática, digital, global. Não há mais como esconder, ocultar nada. De uma forma ou de outra, estamos todos no ciberespaço. 

Sociedade da informação.

Cidadania planetária.

Na nossa opinião, o Judiciário deve ser "escancarado" à sociedade, aos cidadãos, como acontece com o Legislativo e o Executivo.

Transparência.

"Nada se deve esconder, e quem vai divulgar não só as boas coisas que fazemos, mas também as mazelas, são os veículos de massa". 

"O juiz não é notícia, mas os fatos trabalhados pelo juiz", declarou a eminente jurista.



Eliana Calmon defende abertura ainda maior do Judiciário à imprensa

Luiz Orlando Carneiro

A ministra Eliana Calmon, vice-presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça, defendeu, nesta terça-feira (26), a ampliação dos mecanismos de transparência no Poder Judiciário e a construção de uma relação ainda mais "aberta e madura" entre a magistratura e a imprensa. A ex-corregedora nacional de Justiça tratou do assunto em palestra proferida no Encontro Nacional de Comunicação do Poder Judiciário, que se realiza em Brasília. [terminou ontem]

Segundo a ministra – que também é diretora-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) – ainda há dificuldade no relacionamento entre a mídia e a Justiça, por que "o Poder Judiciário foi o último a se abrir para a modernidade, para a era digital, em que prevalecem os meios de comunicação”.



Para Eliana Calmon, "o juiz não é notícia", mas sim "os fatos trabalhados pelo juiz


Intramuros

Eliana Calmon disse que, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a magistratura era mais reservada, "até porque a Justiça ainda não tinha o papel de fiscalizadora das políticas públicas do país, de garantidora dos direitos humanos e de protetora do cidadão frente aos poderes econômico e político".

Ela acrescentou que "prevalecia a ideia de que os assuntos do Judiciário deveriam ficar intramuros para preservar a imagem, a unidade e a respeitabilidade da magistratura, postura que passou a ser incompatível com as prerrogativas de agente político adquiridas pelo Judiciário com a Constituição de 1988, e aprofundadas com a Emenda Constitucional 45, de 2004".

Ainda segundo a ministra, "essa cultura hermética não resiste à necessidade de transparência que nos é imposta pela sociedade atual, por essa vida veloz que é fruto da atuação dos meios de comunicação”.

"A transparência é a palavra de ordem do século XXI. A privacidade, que foi a tônica até o século passado, agora pode até atrapalhar. Nada se deve esconder, e quem vai divulgar não só as boas coisas que fazemos, mas também as mazelas, são os veículos de massa", disse mais a ministra Eliana Calmon, para quem "o juiz não é notícia", mas sim "os fatos trabalhados pelo juiz.”


Jornal do Brasil

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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Yoani Sánchez ajuda a desmascarar a "burritzia" brasileira


OPINIÃO


Dá para acreditar que os "patetas fantasiados de Che Guevara" leem? E, se alguma vez o fizeram, se deram ao trabalho de ler o blog da blogueira cubana?

E os representantes da blogosfera suja, fomentando o ódio à blogueira? Alguns têm um texto sofrível. Outros acham que ser prolixo e enfadonho é escrever bem. E há os que nem escrevem. "Terceirizam", copiam e colam e por aí vai... Se apropriam de trabalho alheio, muitas vezes nem dando devidamente o crédito.

E essa gente, desculpem a má palavra, se acha no direito de "cagar" regras, promover "inquérito policialesco", condenar sumariamente, amordaçar uma cidadã cuja única arma são as palavras...

Botem um deles para falar, dar entrevistas, responder perguntas incômodas de improviso... e vocês verão a nulidade escancarada.


Twitter de Yoani    @yoanisanchez


YOANI SÁNCHEZ NO BRASIL
Uma voz crítica – e construtiva

Mauro Malin 

Um segmento minúsculo da burritzia brasileira, turbinado pela Embaixada de Cuba em Brasília, deu à Veja (datada de 27/2) material de primeira para editorializar (“Veja editorializar”: passe o pleonasmo) uma defesa de Yoani Sánchez. Foi parar na capa: “A blogueira que assusta a tirania. Por que a ditadura cubana e seus seguidores no Brasil têm tanto pavor de Yoani Sánchez, a ponto de tentar calar sua voz à força”.

É um segmento desorientado, e parece ter deixado a revista igualmente perdida no tiroteio. A ditadura cubana não tem pavor de Yoani, uma ativista individual, que não pertence a nenhum dos movimentos surgidos em Miami e no país após a revolução. Movimentos que recrudesceram no contexto do “período especial”, quando o país comeu menos do que o pão que o diabo amassou.

Yoani é a primeira a dizer que quem mais promoveu sua imagem em Cuba foi Fidel Castro, ao fazê-la alvo de diatribes. Sua programada viagem ao Brasil não era segredo para ninguém, muito menos para o serviço secreto cubano. Se ela fosse a inimiga do regime que alguns imaginam, estaria presa, ou, simplesmente, ter-lhe-iam negado o passaporte.

Mais sugestivo do que imaginar Raúl Castro mandando infernizar as aparições públicas de Yoani é pensar na luta interna no governo cubano. Toda vez que tem mudança à vista, a burocracia, travestida ou não de pureza ideológica, faz o que pode para tirar o processo dos trilhos. Ou, no mínimo, para garantir espaço no período vindouro.

A proposta de Yoani é conciliação, diálogo, entendimento. Sempre foi. Antes de aproveitar uma mudança tecnológica que a repressão cubana não entendia direito – e possivelmente não entende até hoje –, fundou uma revista chamada Consenso.


Sem guerra civil

O jornalista e historiador Richard Gott termina seu livro Cuba, uma nova história (2006) com a hipótese de que Fidel, depois de ter desistido do socialismo, começou a olhar para um futuro sem ditadura, uma possibilidade alimentada pelo fato de que a revolução não descambou em lutas fratricidas.

Durante o regime castrista, Cuba foi poupada da violência aberta em casa. Exportou soldados, revolucionários, instrutores, armas, para dezenas de lugares na América Latina e na África, mas em seu solo, por um período inigualado em sua história, não houve conflito armado, embora tenha havido muita repressão, espionagem, medo, terror. Mas a guerra civil é pior do que tudo isso. O epílogo do livro de Gott ficou datado: os “jovens” mencionados como possíveis substitutos dos irmãos Castro no poder foram todos varridos, quiçá por inconfiáveis. Mas a tese faz sentido. Há um novo “jovem” designado.

O traço marcante de Cuba é ter se livrado, no espaço de 100 anos, de três potências colonizadoras: Espanha, Estados Unidos e União Soviética. Existe um orgulho nacional. É uma das bases de sustentação do regime, ao lado de subsídios à população para sobreviver. Foi a retirada dos subsídios que moveu jovens egípcios a desafiar a ditadura de Mubarak. Os irmãos Castro sabem que em seu país não é preciso forçar muito a barra para a tampa da panela saltar longe.


Suplicy brilhou intensamente

No material da Veja, eriçado de adjetivos e advérbios, a “turba ignara” está adequadamente caracterizada como “patetas fantasiados de Che Guevara”. Nesse plano de baixarias retóricas, os antagonistas, Veja e manifestantes anti-Yoani, se entendem. Seria o que Proust chamou “consanguinidade de espíritos”, mais forte do que a “comunidade de opiniões”.

A reportagem faz uma correta homenagem à participação do senador Eduardo Suplicy no episódio da visita de Yoani ao Brasil. Nenhum gesto político e humano foi mais grandioso neste verão brasileiro.

A visita teria sido apenas uma sucessão preocupante de atos de força contra a palavra caso a mídia jornalística não tivesse dado à ativista a possibilidade de se expressar – mesmo em contexto algo hostil, como no Roda Vida da TV Cultura (25/2), onde alguns (algumas) jornalistas procuraram explorar mais seus (deles/delas) instintos de detetives de araque do que o potencial cultural, político, literário e comunicativo da entrevistada.


Fala como escreve

Quem tiver prestado atenção à maneira como Yoani fala entenderá uma das razões de sua proeminência. Fala como quem lê um texto, fala como escreve (infelizmente, muita gente escreve como fala). E é capaz de escrever com simplicidade, organização conceitual e riqueza de vocabulário. É uma leitora. Como dizia o velho cartaz da editora Civilização Brasileira na Rua Sete de Setembro: “Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê.” Yoani lê o tempo todo.

No Brasil, pouca gente consegue falar assim, sem falsas vírgulas, sem cacos para atravessar a hesitação do pensamento. Antônio Carlos Villaça (1928-2005) foi uma dessas pessoas. Leonel Brizola (1922-2004), grande comunicador na televisão, usava “não é verdade?” o tempo todo para pontuar suas frases. Quem tiver curiosidade pode checar a oratória de Yoani assistindo a uma entrevista dela a Demétrio Magnoli na Globo News e comparando a fluidez dos discursos dos interlocutores.

A Época (25/2) fez algo melhor do que a Veja: deu a palavra a Yoani numa entrevista, mas as perguntas incluíram barretadas inquisitoriais aos donos de Cuba.

Yoani é boa frasista. Na TV Cultura disse preferir que suas palavras sejam manipuladas se a alternativa for o silêncio. Que não é suficientemente cínica para entrar na política convencional.


Filha do castrismo

Entre as explicações para o fenômeno Yoani é preciso apontar que ela é uma filha da Revolução (Reforma?) Cubana, no que ela teve de melhor (e de mais frustrante): a importância dada à educação, como a própria jornalista destacou no Roda Viva.

Não é mascarada. Apresenta-se de cara lavada, cabelos fora da moda, roupa singela. Fascinada pela informática, montou com peças disparatadas compradas no onipresente mercado negro seu primeiro computador. Estava pronta para a chegada das redes sociais.

Mais importante, talvez, do que tudo isso: Yoani não tem como perder tempo navegando na internet: em Cuba, para os comuns dos mortais, isso é muito caro. Então, circula pela cidade, ouve muito, pensa muito, escreve o necessário, usa uma hora de conexão por semana para programar vários tópicos sucessivos de seu blogue.

A observadora crítica, como muita gente em Cuba, tem vasto repertório e aprendeu a se virar. Chamá-la de agente da CIA é uma homenagem imerecida à agência americana, atribuindo-lhe um grau de sofisticação – e de inteligência – que ela jamais sonhou ter.

Yoani quer fazer política com P maiúsculo por meio de um jornal sério, capaz de botar o dedo nas feridas do cotidiano da Ilha, portador de alentada seção cultural, o que faria jus às melhores tradições do país. Nem sabe direito como isso será possível. Mas é otimista.


Destaques do ABC!

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"Yoani Sánchez é jornalista", diz Alberto Dines


Para os linchadores, difamadores, inquisidores e assassinos de caráter e reputação, que se uniram em bando para destruir a cidadã cubana Yoani Sánchez, reproduzo artigo do grande Alberto Dines.


                                                                  Yoani Sánchez/Facebook


Yoani Sánchez, a jornalista

Alberto Dines

Yoani não é blogueira. Blog não é ofício, nem status profissional, é formato de veículo. Ninguém diz “fulano é revisteiro”, diz “fulano é jornalista” porque hoje pode estar num semanário e, amanhã, à frente de um vistoso blog.

A visitante cubana é correspondente de El País em Havana e colunista do Estado de S. Paulo. O diário espanhol segue desde a sua fundação em 1976 a linha socialdemocrata, o jornalão brasileiro é conservador. Prova de que o seu profissionalismo é bem avaliado.

O erro de qualificação parece insignificante, mas não é – desvenda os preconceitos e as discriminações que campeiam numa sociedade infantilizada politicamente como a nossa. A constatação vale tanto para os detratores como para seus admiradores. Ela está sendo usada como pretexto para um confronto arcaico, jurássico, que já deveria estar desativado.

Paixões confundidas

Yoani é uma ativista política, o governo cubano a reconhece como tal, por isso deixou de criar-lhe embaraços, permitiu a sua saída e – esperamos – o retorno. As recentes mudanças em Cuba chanceladas na presença dos irmãos Castro indicam que a democratização cubana precisará de gente como ela.

É uma idealista, os cubanos são idealistas, esta é uma das heranças benditas deixadas pelo regime de Fidel Castro. Na ilha ou aqui, os cubanos transmitem aos interlocutores uma sensação de consistência, dedicação, convicção. Yoani não destoa. Por isso ficou no país em que nasceu e não foi para Miami “fazer América”.

Pretende arrecadar o dinheiro dos prêmios de jornalismo que ganhou no exterior nos últimos anos e com ele fazer um pequeno jornal. Não vai montar um “paladar” (nome tirado de uma novela brasileira que designa um bistrô legal montado em casa, numa varanda ou quintal). Ela sabe que não vai ganhar dinheiro, provavelmente perderá tudo, mas está criando a matriz de uma imprensa independente. Em Cuba, não no exílio.

Podem chamá-la de empreendedora, inovadora – este observador insiste em classificá-la como idealista. Tal como o senador petista Eduardo Suplicy, uma das figuras mais decentes da nossa cena parlamentar.

Yoani incomoda os truculentos e irrita os incendiários. Tranquila e atenta trouxe para as nossas militantes um modelito de despojamento e perseverança que valeria a pena imitar.


Observatório da Imprensa

Destaques do ABC!


Yoani já está em Praga e falou ontem ao Roda Viva


ENTREVISTA


Com uma juventude reduzida e apática e um acesso restrito, lento e de alto custo à internet, não se pode esperar uma "Primavera Cubana" na ilha comandada pelos irmãos Castro. As mudanças que se pretendem deverão ser implementadas por outras vias.

Sobre estas dificuldades e os malabarismos que faz para manter seu blog - Generación Y - devido ao precário acesso à internet em Cuba, a suposta condição de "agente da CIA" e a tumultuada viagem ao Brasil, onde foi perseguida pelo que há de mais tosco e virulento na esquerda, a ativista e blogueira Yoani Sánchez falou ontem ao Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, em entrevista gravada dias antes.

A entrevista mostrou, de novo, uma mulher madura, objetiva, de mente clara, inteligentíssima, articulada, espirituosa, talentosa. Só não vê quem não quer...

Yoani já está em Praga e acabou de postar uma foto de sua chegada em seu Twitter.


                                                                      Twitter  @yoanisanchez


Roda Viva


mmm

Justiça é uma coisa e Judiciário é outra


JUDICIÁRIO CIDADÃO


"(...) a causa da minha desesperança não é o Direito, propriamente, mas um tipo de organização de sociedade que privilegia a riqueza, com descomunal desigualdade social e concentração de renda, gerando uma horda de famintos, pobres, miseráveis e excluídos.

(...) é nossa tarefa, dos críticos e inconformados, estudar, pensar e teorizar como o Direito pode interferir para interromper este processo de geração de pobres, miseráveis e excluídos. Porém, se isto não é possível, se o Direito não faz revoluções, pelo menos não vamos impedir que a história tenha seu curso e que as revoluções aconteçam."

O juiz-cidadão-blogueiro. Charge de Carlos Latuff.


Se o Direito não faz revoluções, pelo menos que não impeça o curso da história


A liberdade guiando o povo - Eugène Delacroix


Gerivaldo Neiva*

A cada ano aumenta em mim um pouco mais a descrença no atual modelo de Poder Judiciário. O que não significa dizer, evidentemente, descrença ou desesperança na Justiça. Que fique claro, portanto, que Judiciário e Justiça são dois entes bem distintos e não necessariamente andam juntos. Da mesma forma, aumenta em mim a cada ano a descrença na Lei como solução para os problemas da humanidade. O que não significa dizer, evidentemente, descrença ou desesperança no Direito. Que fique claro, portanto, que Lei e Direito são dois entes bem distintos e não necessariamente andam juntos.

Sei também, visto que não sou pessoa especial, que este sentimento é compartilhado por muitos e sei que são muitas as tentativas de teorizar e pensar alternativas ao modelo atual de Judiciário e ao conceito de Direito que nos legou a modernidade, ou seja, o Direito como norma. Da mesma forma, sei que esta angústia não é um privilégio dessa geração da qual fazemos parte. Na história, muitos já se rebelaram e até morreram em busca de alternativas para a humanidade. Logo, não há nada de novo em ser crítico e inconformado com o que está posto. 


Outro dia, por exemplo, a capa de uma revista[1] me chamou a atenção: “A Justiça no banco dos réus”. No subtítulo: “Da antiguidade aos dias de hoje, os julgamentos polêmicos que escandalizaram sociedades e ainda provocam debates sobre as decisões do poder judiciário”. Em resumo, eis os casos:

I – Antiguidade: Jesus Cristo e Sócrates

II – Idade Média: Joana d’Arc, Templários e Jacques Coeur

III – Idade Moderna: Galileu, Nicolas Fouquet, Jean Calas, Luiz XVI e Duque de Enghien

IV – Idade Contemporânea: o caso Dreyfus, Nelson Mandela, índio Galdino, Julian Assange e as integrantes do grupo russo Pussy Riot
Sei que cada um dos leitores tem algum outro caso em mente e a lista não teria fim: Felipe dos Santos, Tiradentes, Prestes, Mensalão etc.

Bom, relatar casos é fácil. O mais difícil é entender as razões de cada julgamento. Para tanto, creio ser imprescindível entender cada período e sua conjuntura política, econômica, social e religiosa em busca de luz para entender esses julgamentos. Mas, sendo assim, esses julgamentos estariam relacionados ao “judiciário” e leis de cada época ou à conjuntura de cada época? Então, complicando mais ainda, haveria um Direito que dava suporte teórico a esses julgamentos ou o Direito também estaria relacionado à conjuntura de cada época?

Metaforicamente, voltaríamos ao velho enigma: quem nasceu primeiro: o ovo (a lei e o direito) ou a galinha (a história e suas contradições)? Como ainda hoje fazem as crianças, poderíamos divagar em várias hipóteses sobre a ordem dos nascimentos e nunca se chegar a uma conclusão. A ciência, no entanto, defende a teoria de que a galinha nasceu primeiro, mas ainda não podemos dormir direito com a infinita incerteza de como teria nascido a primeira galinha.

Ora, a seguir os passos da ciência, ainda metaforicamente, poderíamos dizer que a história e suas contradições (a galinha) nasceram primeiro do que a Lei e o Direito (o ovo), mas ainda assim continuaríamos discutindo como a história teve início e como os homens resolveram viver em comunidade. Neste caso, teríamos que nos socorrer de dois barbudos famosos: Freud e Marx.

Deixando de lado este singelo enigma e voltando ao começo, às vezes penso que minha descrença não é com o Direito, mas exatamente com o tempo que produz isto que hoje chamamos de Direito. Assim, a causa da minha desesperança não é o Direito, propriamente, mas um tipo de organização de sociedade que privilegia a riqueza, com descomunal desigualdade social e concentração de renda, gerando uma horda de famintos, pobres, miseráveis e excluídos.

Por fim, mesmo sabendo que o Direito e a Lei são filhos da história, penso que é nossa tarefa, dos críticos e inconformados, estudar, pensar e teorizar como o Direito pode interferir para interromper este processo de geração de pobres, miseráveis e excluídos. Porém, se isto não é possível, se o Direito não faz revoluções, pelo menos não vamos impedir que a história tenha seu curso e que as revoluções aconteçam.

* Juiz de Direito (BA), membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Law Enforcement Against Prohibition (Leap-Brasil).

[1] História Viva. Edição Especial. Grandes Temas. Nº 40. São Paulo: Duetto Editorial, 2013.


Blog Gerivaldo Neiva, Juiz de Direito

Destaques do ABC!

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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Blogueira cubana Yoani Sánchez deixa o Brasil


LIBERDADE DE EXPRESSÃO


A polêmica blogueira e ativista cubana Yoani Sánchez deixa o Brasil agora à noite, embarcando para Paris e em seguida para a República Tcheca.

Foi muito importante esta tumultuada semana em que a escritora cubana esteve entre nós. Ela nos mostrou uma "Cuba real", relatada por quem nasceu e vive lá há 37 anos. E sua estada aqui também serviu para nos alertar sobre os métodos de expressão da esquerda burra, totalitária, antidemocrata e tosca, que tenta a qualquer custo assassinar o caráter e a reputação da cidadã cubana.

Até "Tribunal da Inquisição" um grupelho da blogosfera suja tentou armar com "inquérito policialesco" contra Yoani, que declarou em alto e bom som logo que chegou:

"Sou uma alma livre!"

"Não me assustam os repressores!"



                                                                                   TV Cultura/Divulgação


O Twitter de Yoani agora à noite: agradecimentos e referências aos difamadores




ENTREVISTA

Cynara Menezes

Visita ao Brasil

“Não creio que em Cuba haja socialismo”, diz Yoani Sánchez


CartaCapital Você é de esquerda ou de direita?


Yoani Sánchez – Me considero uma pessoa pós-moderna, ou seja, considero que os limites e as fronteiras entre os fenômenos que vivemos não estejam tão claros. Quando alguém me pergunta se sou jornalista, digo que estou no meio do caminho entre o jornalismo, a literatura, o ativismo cívico, talvez algo de informática. Isso faz com que o produto final do meu trabalho seja um híbrido. O mesmo ocorre a respeito de temas que definem as posições ideológicas. Por exemplo: sou uma defensora da liberdade de expressão, sobretudo da liberdade de imprensa. Para muitas pessoas isso me colocaria ao lado dos liberais, do liberalismo. No entanto, também sou uma grande defensora desse setor que há em toda sociedade, mais desfavorecido. Nasci num solar de Havana, uma casa coletiva. Um solar é uma casa que foi linda, mas que com os anos foi dividida e vivem muitas famílias, com banheiros coletivos e cozinha coletiva.

CC – Aqui dizemos cortiço.

YS – Ainda hoje digo a meu marido: "Posso ir ao banheiro?" E ele responde: "Mas claro, vai. Precisa pedir?". Porque quando eu era pequena tinha que perguntar se podia ir e sempre estava ocupado… Minha família é de ferroviários, por isso me preocupo muito com as pessoas pobres. Me preocupa a situação que vivem agora os mais desfavorecidos do meu país com todas estas reformas de corte neoliberal que Raúl Castro está fazendo. Por um lado estão abrindo espaços, estão criando oportunidades para o setor privado – em Cuba se diz "setor por conta própria", mas é o setor privado. Por outro, estão criando grandes diferenças sociais, muita gente está ficando desprotegida materialmente, gente que está perdendo seus trabalhos, que não tem acesso à moeda conversível. Vou contar uma pequena história: em Cuba, temos muitos problemas com o tema da qualidade da educação, porque os salários dos professores são muito baixos e pouca gente quer ser professor. Então está acontecendo um fenômeno, as famílias estão pagando "repassadores", professores extras nas horas que os estudantes não estão na escola. E já começa a se notar, do ponto de vista acadêmico, a diferença entre os estudantes cuja família tem dinheiro para pagar um professor adicional e a família que não tem. A compra e venda de casas, uma medida largamente desejada, no entanto está provocando a redistribuição classista dos bairros. Gente que tem mais dinheiro vai para os melhores bairros e os que tem menos, para a periferia, aos piores edifícios. Isso está se fazendo sem levar em conta uma política de transparência e sem uma política de proteção a essas pessoas. Se continuar assim, teremos uma Cuba tão neoliberal quanto qualquer outro país, com as grandes diferenças e os grandes abismos. Nesse ponto, eu poderia ser tachada de esquerda. Creio que o Estado tem a obrigação de proteger as pessoas mais desfavorecidas materialmente, para que não entrem na competição da vida com desvantagens. O Estado tem a obrigação de garantir um ensino público de qualidade pelo menos até determinado nível escolar. Tem também o dever de garantir uma ajuda aos familiares. Agora, eu não creio que em Cuba haja um socialismo. Quando era pequena, tive que estudar muito as teorias marxistas, leninistas, a economia socialista, manuais que eram muito abundantes até alguns anos – agora diminuiu. E recordo que praticamente a primeira página desses manuais dizia que uma sociedade socialista ou comunista era onde os meios de produção estavam nas mãos do proletariado. Era como uma fórmula. O que acontece em Cuba? Temos um só patrão que se chama Estado ou governo ou Partido Comunista ou como você queira chamá-lo. Esse patrão tem os meios de produção em suas mãos, contrata os operários e lhes toma uma enorme mais-valia: entre o valor da produção e o salário que recebe o operário há um abismo. Imagine que em Cuba existem pessoas que trabalham confeccionando charutos e cada charuto pode custar depois, no mercado, um mínimo de 30 pesos conversíveis, mas essa pessoa recebe por mês um salário abaixo disso. Ou seja, a mais-valia é total, com o agravante de que você não pode protestar. Nós temos um patrão capitalista, a diferença é que nosso patrão é uma família, um grupo de militares que tem um discurso aparentemente de esquerda. Mas quando você observa bem, há muito de capitalismo selvagem e inclusive de feudalismo medieval.


Foto: Ariel Arias/Latin Content/Getty Images

CC – Você preferia que a revolução cubana não tivesse acontecido?

YS – Não, não. Penso que a revolução foi um bom detonante para a energia. O problema foi quando a revolução se devorou a si mesma e deixou de ser uma revolução.

CC – Quando isso ocorreu?

YS – Essa é uma grande discussão. Por exemplo: meu marido, que é jornalista e é mais velho do que eu, diz que a revolução terminou em 1968, porque neste ano Fidel Castro aplaudiu a entrada dos tanques soviéticos em Praga. E isso foi determinante: como uma revolução rebelde permite que um império – ainda que seja comunista é um império – termine com um processo nacional de rebeldia, de transformação? Outras pessoas dizem que a data foi 1980, com o êxodo de Mariel, quando mais de 120 mil cubanos disseram ao regime: "Não gostamos deste sistema". Essa foi uma maneira de votar. Minha mãe diz que para ela a revolução terminou em 1989, o ano em que fuzilaram o general Arnaldo Ochoa, que estava vinculado ao narcotráfico, mas também foi um julgamento político. Um julgamento a um setor que poderia, dentro dos próprios militares, provocar uma mudança. Ou seja, as datas são muitas. Eu não conheci a revolução. Nasci em 1975, sob muito estatismo, sovietização, rigidez. Aqueles rebeldes descidos da Serra Maestra, que pareciam tão jovens, com seus escapulários, tão reformistas, tão sonhadores, no momento em que nasci já eram uns burocratas de abdômen avantajado e muito cuidadosos cada vez que davam um passo para que nada lhes fugisse do controle. A revolução, sim, a revolução foi uma necessidade de muitas pessoas. E muita gente acreditou na revolução e muita gente se sentiu traída com a derrota final da revolução.

CC – Mas e se não tivesse ocorrido o embargo norte-americano? Poderia ser diferente, não?

YS – O embargo, sem dúvida, fez com que a revolução se radicalizasse e deu ao governo um argumento para explicar tudo. Mas eu não creio que realmente o tema das liberdades fosse diferente sem o embargo. Simplesmente vivemos sob um sistema pensado para que o indivíduo não possa ser livre, porque se é livre, começa a perguntar, a questionar, a se associar, a buscar informação e o sistema não funciona, porque é um sistema que está baseado em que o mundo é um inferno e Cuba é um paraíso. "Você tem que se conformar com o zoológico porque lá fora é a selva": essa é a dicotomia que explora o governo cubano. Quando a pessoa abre os olhos, lê outra literatura, contacta com outras pessoas, essa dicotomia começa a ruir, já não funciona.

CC – Para nós, o que parece injusto é que um país gigante tente esmagar durante anos uma ilha pequena só porque decidiu fazer diferente e ser comunista.

YS – Esse é o símbolo de Davi contra Golias. Mas o Davi que eu conheço se chama povo cubano. E o Golias que faz a minha vida difícil é o governo de Cuba.

CC – Você não teme que acabe o regime dos Castro e Cuba caia em mãos dos cubanos de Miami, que são políticos da pior direita inclusive para os Estados Unidos? Ou seja, pular da frigideira direto para o fogo?

YS – A Cuba do futuro tem muitos riscos, mas não é por isso que vamos nos conformar com o presente. Não é uma atitude de esquerda se paralisar por temor ao futuro. A atitude de esquerda é: vamos à mudança! E depois encontraremos soluções para os problemas que irão surgindo. Não tenho esse temor, mesmo porque o exílio de Miami também é um estereótipo. Agora mesmo é um exílio muito plural. Passaram-se 54 anos desde que começou o exílio, os que se foram em 1959 ou nos anos 1960 já são octogenários. Ao exílio ou à emigração, como chamam agora, chegou uma nova geração com outra mentalidade. Inclusive, nas últimas votações para presidente, um amplo setor da Flórida votou em Barack Obama. No último ano, 400 mil cubanos viajaram à ilha, vindos principalmente dos EUA. É um sinal que lhes importa mais agora os vínculos familiares do que o tema político ou econômico. Não tenho esse temor realmente de que ocorra a miamização de Cuba, primeiro porque não creio que o dilema nacional seja os Castro hoje ou Miami amanhã. Em meu país há gente talentosa, com muito critério e muito patriotismo. O patriotismo não tem nada a ver com o governo atual ou o sistema comunista. Amar Cuba é outra coisa, não é amar uma ideologia, é amar os coqueiros, José Martí, a música, viver ali. É preciso diferenciar isso. E penso que o desafio do futuro será aproveitar esse conhecimento, esse capital que tem os mais de 2 milhões de emigrados cubanos que hoje não têm nem mesmo o direito ao voto em seu país natal, conseguir que esse exílio se integre à vida nacional, mas sem que esmaguem a nós, os cidadãos que vivemos ali. Um dos grandes temas da Justiça do futuro será o tema das devoluções de propriedades. Outro será como estruturar o tema empresarial para que os emigrados não tenham vantagens sobre os nacionais que não temos capitais. Mas de verdade não temo isso. Tem muita gente que diz: "Você não teme que chegue o McDonald’s em Cuba?" Não, não temo, chegará. O que me preocupa muito agora é que o operário cubano, para comer um hambúrguer, precise trabalhar dois dias completos. Não me importa que se chame McDonald’s ou McCastro, mas que as pessoas tenham a oportunidade de ter um salário digno que lhes permita escolher entre comer vegetais ou um hambúrguer.

CC – Você fala muito de direitos humanos. O que acha dos presos norte-americanos em Guantánamo?

YS – É um horror dos EUA, uma ilegalidade. Infelizmente não posso fazer nada quanto a isso.

CC – O que é o melhor que pode acontecer em Cuba? Haver eleições?

YS – Acho que sim. Mas é importante que a pressão venha da cidadania, que as próprias estruturas que estão nascendo, os grupos – todos pacíficos – da oposição, da sociedade civil, o jornalismo independente, consigam pressionar o governo. Isso seria o ideal. Pressionar para que comecem logo uma série de reformas não só no plano econômico como político. Creio que o principal é despenalizar a divergência. Me dizem: "Bom, isso não é uma lei". Mas é importante. Em Cuba tem muita gente talentosa que tem iniciativas e programas de mudança pensados na nação, mas que agora tem medo de divulgá-los. Conheço economistas que tem programas para sanear a economia, como eliminar a dualidade monetária, mas dizem: "Eu não posso mostrar isso porque vão me acusar de ser da CIA, do império". Muita gente tem medo de dizer suas propostas. Quando o governo cubano, Raúl Castro, tome o microfone e diga "neste país nunca mais ninguém vai ser nem encarcerado, nem golpeado, nem estigmatizado por pensar diferente do governo, por ter outra tendência política ou outra opinião sobre a economia ou as finanças", nesse dia tudo começa a mudar porque as pessoas vão começar a se atrever a dizer o que pensam.

CC – Se Cuba vai tão mal, por que as pessoas não se revoltam?

YS – As pessoas em Cuba se rebelam emigrando. A revolta cubana não está na praça Tahrir, está do lado de fora dos consulados. É muito diferente. No Egito e na América do Norte se acumulou uma massa de jovens inconformados com o sistema, com essas ditaduras de muitos anos. Em Cuba temos um grande déficit de jovens, de natalidade. Cuba tem a natalidade de um país de primeiro mundo e a emigração de um país de terceiro. Ou seja, a população está entre duas tendências. Uma, parece, muito positiva, e outra, muito negativa. Não há essa população jovem tão grande. Por outro lado, a tecnologia está num estado muito rudimentar. Para a Primavera Árabe foram determinantes as redes sociais, os telefones celulares, blackberries.

CC – Isso, sim, tem a ver com o embargo… A tecnologia não chega a Cuba.

YS – Mais ou menos. Por um lado, sim, pela possibilidade de comprar a tecnologia. Mas a tecnologia é vendida na China, no Japão, no Panamá. Há um monte de telefones chineses. O problema tem a ver com os custos da telefonia celular em Cuba. O telefone celular se paga com pesos conversíveis, não se paga com moeda nacional. Um SMS que se envia a um celular estrangeiro custa um peso conversível em Cuba, enquanto o salário médio mensal são 20 pesos conversíveis. É uma limitação econômica. Há cerca de 1,8 milhões de celulares para uma população de 8 milhões. Essa infra-estrutura de convocatória online, que funcionou muito na Primavera Árabe, está em estado muito primitivo em Cuba. Outra limitação é que as pessoas não têm consciência cívica. Durante anos o Estado se ocupou tanto de tudo que muitas pessoas, contemporâneas minhas, sentem que o país não lhes pertence. O país é do governo, é do partido, de Fidel. Estão apáticas. Quando têm um pouco de rebeldia, não a usam para enfrentar um repressor na rua, mas para enfrentar um tubarão no estreito da Flórida. Creio que nós, cubanos, votamos com os pés. Não protestamos, mas votamos indo-nos do país.

CC – Você crê que agora que mudaram as leis migratórias pode haver um êxodo?

YS – Há muita gente planejando ir embora. Inclusive nos dias em que estive organizando os vistos, vi muita gente jovem do lado de fora dos consulados. É difícil, porque há muitos requisitos para conseguir um visto, mas os cubanos são engenhosos. Então o que estão fazendo? Vendem suas propriedades, a casa, o automóvel, e com esse dinheiro compram uma passagem para um país que não pede visto. Um dos primeiros sinais é que na Aeroflot, que voa de Cuba a Moscou, se esgotaram todos os bilhetes na primeira semana. Por que? Porque a Rússia não pede visto para os cubanos. Então vão para aí e usam este país como trampolim para ir a outra parte. Sim, vai haver uma saída em massa.

CC – Além da liberdade de expressão, o que mais você inveja no capitalismo?

YS – Eu vivo sob um capitalismo de Estado. Vivi também em outras sociedades, passei dois anos na Suíça, e lembro que me impactava muito o acesso à informação, poder escolher um jornal ou outro. E também o estímulo que o cidadão tem para prosperar. Em meu país, as pessoas sabem que trabalhar mais não vai lhes dar uma vida melhor. Então há muita apatia para trabalhar. Um pouco de competição não é ruim, faz a pessoa tentar se superar, melhorar, subir. Em Cuba vivemos todo o contrário. Tem gente que pensa: "Para que trabalhar, se de todas as maneiras com o subsídio alimentar posso viver, muito mal, mas posso?" Foi desestimulada a criação de riqueza nacional e pessoal, e isso me parece que tem que ser estimulado. Com a empresa privada, a pequena e média empresa, o cooperativismo, que será muito importante para a transição em Cuba. A criação de cooperativas de trabalhadores, agrícolas e industriais.

CC – Escutei você falar relativamente bem de Mariela Castro. Poderia ser uma saída ao regime que se tornasse presidenta, sucedendo seu pai?

YS – Eu não acredito que ela queira. Me parece que está mais focada na sexualidade e em seu trabalho no centro de educação sexual. Sim, poderia ser uma maneira de moderar o regime. Mas creio que criaria muito inconformismo nas pessoas, seria uma evidência de nepotismo muito clara: do irmão mais velho ao caçula e à filha deste. Nos deixaria um sabor tão amargo na boca que, por melhor que fosse sua presidência, sempre nos ficaria a impressão de que somos um reino que se herda consanguineamente.

CC – E se fossem convocadas eleições e ela se candidatasse?

YS – Eu não votaria nela. Ainda que faça um trabalho muito bom do ponto de vista da sexualidade e do respeito às diferenças, me parece uma pessoa com sérias dificuldades para dialogar. Todas as vezes que tentei um debate de ideias, recebi respostas muito agressivas. Quando um político age assim, tem muitas possibilidades de se converter em um ditador.

CC – Você falou que em Cuba a imprensa é monopólio estatal, já que só há um jornal, o Granma. Você sabe que no Brasil seis famílias detêm 70% da imprensa? Também é monopólio, não?

YS – Me parece uma boa razão para que os brasileiros lutem para mudar essa situação. Eu estou lutando no meu país para mudar a minha.