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sábado, 7 de julho de 2012

A caçada das hienas



A farra é geral, nos mostra o acesso aberto às folhas de pagamento nos três poderes da República, graças à Lei da Informação que entrou em vigor. O descalabro é total. 


A caçada das hienas - o ataque aos cofres públicos - provoca asco. Umas, atabalhoadas e atrevidas, outras mais discretas e sutis, não importa. O desastre é o mesmo. Predadores em bando que destroçam sua presa: a sociedade, o povo brasileiro.



As hienas e o assalto ao povo



Estes dias brasileiros nos remetem a alguns inquietantes documentários de televisão sobre a vida selvagem. Neles, quase que com traços de sadismo, os cinegrafistas nos mostram cenas de ágeis predadores espreitando, aguardando o instante preciso, para saltar sobre a presa frágil, dilacerá-la, ainda com vida, e fartar-se até os ossos. Quando se trata de um duelo, entre o felino e o alce, a cena, ainda que bárbara, tem um toque de arte: a paciência do predador, procurando, na inocência da presa, o instante do descuido maior, para agir exatamente naquele segundo. E a única reação possível da provável vítima: a fuga desesperada, com a esperança, quase sempre frustrada, de que o caçador se canse ou vislumbre, nas margens da trilha, caça maior e mais atraente.

Se pudéssemos entrar na alma dos animais (e os animais têm alma, ainda que isso contrarie as presunções humanas) encontraríamos na atitude do predador e na fuga da presa, uma mesma volúpia, a volúpia da luta pela vida. Mas há uma caçada que enoja, que repulsa os nossos sentimentos estéticos e, mais ainda, os sentimentos éticos, mesmo que os etólogos possam explicá-la como sendo natural, com os argumentos isentos da ciência: é a caçada das hienas.

Dois ou três predadores espreitam a vítima ou as vítimas e, imediatamente, avisam o bando, que pode chegar a quarenta animais. Há hienas maiores – pesando 80 quilos – e menores, a metade disso. Elas atacam em ondas, até derrubar animais totalmente indefesos, como as gazelas, os alces e as zebras, e as destroem em poucos minutos. As gazelas e os alces são atacados quando se encontram em grupos.

O ataque ao erário público - ou seja, à maioria do povo brasileiro, que, sem os recursos públicos, não consegue dispor de educação, de saúde, de segurança e, sobretudo, do direito de ser feliz – se assemelha à predação das hienas e dos chacais. Formam-se os bandos, escolhem-se os olheiros, que identificam o ponto mais débil da presa, e se passa ao ataque. A diferença é de que se trata de uma presa única e inerme, ainda que coletiva: a sociedade nacional. As revelações das sucessivas operações combinadas do Ministério Público e da Polícia Federal são tão nauseantes quanto as cenas de uma zebra sendo devorada pelo bando de hienas. A cada dia, a cada hora, novas informações trazem o pavor dos homens de bem, que são a quase totalidade da sociedade brasileira. Ainda ontem foi preso José Francisco das Neves, ex-presidente da empresa estatal encarregada da construção da Ferrovia Norte-Sul. Em sua gestão, a construção foi lenta, mas rápido o seu enriquecimento, segundo as denúncias. Um detalhe: a Construtora Delta era uma das grandes empreiteiras do empreendimento.

É difícil que se levantem diques contra o maremoto. A decisão unânime da Comissão de Constituição e Justiça de mandar Demóstenes à guilhotina moral a ser levantada no plenário, daqui a seis dias, e a convocação, ao mesmo tempo, de Pagot, Fernando Cavendish e do prefeito de Palmas, Raul Filho, para depor – são notícias alvissareiras para os cidadãos de hoje e para seus filhos e netos.

Há outra espécie de hienas, mais sutis, que são as da aristocracia sem méritos de um grupo de servidores públicos, que chegam a ganhar centenas de milhares de reais por mês, conforme se revela pelo acesso público às folhas de pagamento dos três poderes da República. A falta de vigilância dos que deveriam zelar pelo bem público, e a cumplicidade de certos membros do poder judiciário, levaram a esse descalabro, no qual servidores do Executivo, do Legislativo e do Poder Judiciário ganham duas, três vezes mais do que os subsídios líquidos dos parlamentares, e dos proventos dos juízes do STF. Segundo se informa, apenas no mais alto tribunal do país, o Supremo, o teto da remuneração, arbitrado pelo poder executivo, está sendo respeitado. E coube a uma ministra do STF, Carmen Lúcia, tomar a iniciativa de divulgar o fac-símile de seu contracheque, dando o exemplo a ser seguido.

Nos tribunais inferiores, a farra é quase geral. Os juízes que vendem sentenças, segundo um membro da magistratura, deveriam ser enforcados em praça pública. Talvez não mereçam tanto os juízes que se atribuem, sob vagas rubricas contábeis, remunerações milionárias, mas seria bom que os julgadores soubessem julgar-se, antes de julgar os demais cidadãos.

O Estado - que, segundo Hegel, deveria ser a sociedade organizada – está sendo assaltado pelos predadores. Mas, sob a pressão dos cidadãos, começa a reagir. Felizmente, as divergências entre os parlamentares da CPMI nos prometem uma devassa mais ampla, para apurar a Conexão Goiana, e a pressão popular poderá escoimar a folha de pagamentos do Estado desse absurdo das remunerações excepcionais.


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E a Festa continua em Paraty...

ooooooooooo


E a Blogueira Cidadã, Mulher das Letras, continua acompanhando hoje e amanhã os bate-papos de escritores e scholars na 10a. Festa Literária Internacional de Paraty, se valendo da magia da web para também flanar virtualmente pelas ruas graciosas da bela cidade, pequena joia incrustada entre as verdes águas do Atlântico e as altivas montanhas da Serra do Mar fluminense.



Ontem duas mesas estupendas, sobre Drummond e Shakespeare. Aos que perderam, aconselho que tentem ler mais na internet e ver os vídeos. Antonio Secchin e meu grande e querido professor na USP Alcides Villaça deram um verdadeiro show, com direito a muitos "óóóhhs" da plateia extasiada, nas saborosas e nada acadêmicas conferências sobre Drummond. Um imenso presente para todos nós que amamos as letras e o Poeta Maior. Na mesa seguinte, dois especialistas em Shakespeare completaram a manhã memorável.


À tarde os bate-papos deixaram um pouco a desejar, muitas vezes por deficiências dos mediadores. E a noite foi encerrada com a frustração de assistir um Jonathan Franzen desinteressado, dispersivo e sem graça.


Mas hoje, sábado, o dia promete. Aos apaixonados por letras e livros, seis mesas oferecem um cardápio farto e delicioso de iguarias literárias.


A transmissão do evento, inclusive com tradução simultânea, vem sendo feita pelo G1 e pelo site oficial da Festa: www.flip.org.br


Reitero o convite: acompanhem o festivo burburinho literário e conheçam, claro, Paraty...

Programação da Tenda dos Autores

SÁBADO

10h
Mesa 10     Cidade e Democracia


Suketu Mehta
Roberto DaMatta
Mediação Guilherme Wisnik

Ao mesmo tempo que mostram o potencial de mobilização dos meios digitais, protestos recentes no mundo árabe e nos países europeus reafirmam a força da rua (e da praça) como palco de manifestação da vontade popular. O espaço urbano pode ser um local de encontro e convivência das diferenças, mas também a expressão mais visível da desigualdade social. A partir dessa contradição, o indiano, radicado nos Estados Unidos, Suketu Mehta, e o brasileiro Roberto DaMatta discutem o papel das cidades na vida democrática contemporânea.


12h
Mesa 11     Pelos Olhos do Outro


Ian McEwan
Jennifer Egan
Mediação Arthur Dapieve

Contra a ideia da imaginação como escapismo, é possível considerá-la uma faculdade que nos permite avaliar e compreender o mundo. Ao explorarem diferentes maneiras de apreender a realidade, por meio do mergulho na consciência de seus personagens, os livros de Ian McEwan e Jennifer Egan revelam que imaginar pode ser um ato de humanização. Ver pelos olhos do outro implica um duplo movimento, de distanciamento da perspectiva individual e tentativa de aproximação do alheio. Mas, em vez de um solo comum, esse esforço pode expor também diferenças inconciliáveis.


15h
Mesa 12     Em Família


Zuenir Ventura
Dulce Maria Cardoso
João Anzanello Carrascoza
Mediação João Cezar de Castro Rocha

Das tragédias gregas aos romances de Tolstói e Thomas Mann, é longa a tradição literária do tema em torno do qual se reúnem a portuguesa Dulce Maria Cardoso e os brasileiros João Anzanello Carrascoza e Zuenir Ventura. Fechada sobre si mesma, ou permeada pelas tensões que moldam a realidade para além da porta de casa, a vida em família mobiliza afetos dos mais intensos. Mais do que a mera coincidência temática, os três autores reunidos aqui compartilham a sensibilidade para esse espectro de sentimentos elevados ao grau mais alto.


17h15
Mesa 13     O Avesso da Pátria


Zoé Valdés
Dany Laferrière
Mediação Alexandra Lucas Coelho

A formação de literaturas nacionais foi parte decisiva da constituição cultural dos países da América Latina, numa aproximação entre a escrita e a pátria que tem seu ápice no século XIX e se desdobra nos diferentes movimentos literários do continente ao longo do século XX. A cubana Zoé Valdés e o haitiano Dany Laferrière mostram que essa relação não perdeu sua atualidade, mas assume hoje novos sentidos. Em vez de participação no processo coletivo de construção nacional, a escrita se torna reação à violência e ao exílio, esforço individual de recuperação de um território perdido.


19h30
Mesa 14     Música para Malogrados: Conferência de Enrique Vila-Matas


O momento em que a literatura se reduz a um produto de mercado é também o momento de sua irrevogável extinção. Este, afirma Enrique Vila-Matas, é o momento que vivemos hoje. A partir de uma personalíssima reflexão sobre autores como Samuel Beckett, Thomas Bernhard e Roberto Bolaño, o escritor catalão defende nesta conferência o fracasso como uma forma possível de reação à trivialização da criação literária. Em seguida, leva a discussão para uma leitura da própria obra, comentando em detalhe as relações entre seus livros Ar de Dylan e História abreviada da literatura portátil.


21h30
Mesa Los Amigos     Quadrinhos para Maiores

Angeli
Laerte Coutinho
Mediação Claudiney Ferreira

Nesse encontro entre dois artistas que mudaram de maneira definitiva a cara dos quadrinhos brasileiros, Laerte e Angeli sobem ao palco da Tenda dos Autores acompanhados por históricos decididamente nada respeitáveis de personagens inesquecíveis, como Rê Bordosa e os Piratas do Tietê. Os dois falam sobre os pontos em comum de suas trajetórias e discutem os principais elementos do caldo de referências culturais e políticas presentes em seus trabalhos, nos quais a crítica de costumes assume um viés anárquico e satírico às vezes próximo do surreal.


DOMINGO

10h
Mesa 15     Vidas em Verso


Jackie Kay
Fabrício Carpinejar
Mediação João Paulo Cuenca

Nenhuma obra literária pode ser reduzida à biografia de seu autor, mas a criação se faz sempre a partir de um conjunto de leituras, observações e experiências que é inevitavelmente pessoal. Em poemas ou textos em prosa, a escocesa Jackie Kay e o brasileiro Fabrício Carpinejar exploram as ressonâncias entre vida e obra numa via de mão dupla. Ao mesmo tempo que evoca o vivido, o escrito se torna espaço de interrogação e invenção da própria persona do autor. Em vez de espelho da vida, o livro se torna assim mais um espaço no qual ela se cria.


11h45
Mesa 16     A Imaginação Engajada


Rubens Figueiredo
Francisco Dantas
Mediação João Cezar de Castro Rocha

Os livros de Francisco Dantas e Rubens Figueiredo, dois dos principais escritores brasileiros, mostram que a força crítica da literatura não depende da contenção do estilo nem da imaginação. É por meio da potência do texto, e não de uma adesão mimética ao real, que a obra de ambos estabelece sua relação com o mundo. Dos grandes centros urbanos ao interior rural, Figueiredo e Dantas se apropriam dos cenários habituais do imaginário nacional para desmanchar sua feição familiar, contrapondo aos generalismos do senso comum a concretude singular de suas histórias.


14h30
Mesa 17     Drummond – o Poeta Presente


Armando Freitas Filho (em vídeo)
Eucanaã Ferraz
Carlito Azevedo
Mediação Flávio Moura

Poucos autores parecem tão importantes para pensar o que se escreve hoje na poesia brasileira quanto Carlos Drummond de Andrade. Não é fácil, no entanto, precisar exatamente em que consiste essa importância e de que maneira ela se manifesta. Três poetas brasileiros exploram diferentes possibilidades de resposta a essa questão. Num depoimento em vídeo gravado por Walter Carvalho, Armando Freitas Filho fala de sua relação com Drummond, partindo de uma definição inesperada do poeta mineiro como um autor do Lado B. A mesa segue com uma discussão entre Eucanaã Ferraz e Carlito Azevedo.


16h30
Mesa 18     Entre Fronteiras


Gary Shteyngart
Hanif Kureishi
Mediação Ángel Gurría-Quintana

Deslizando habilmente entre os pontos de vista do nativo e do estrangeiro, o norte-americano (nascido na Rússia) Gary Shteyngart e o inglês (filho de pai paquistanês) Hanif Kureishi criaram algumas das mais brilhantes sátiras da ficção contemporânea. Na obra desses dois premiados escritores, a perspectiva de viés, que mesmo ao tomar parte dos acontecimentos é capaz de considerá-los de um ponto de vista ironicamente distanciado, torna-se uma forma de expor ao mesmo tempo as tensões do mundo atual e a histeria vazia dos discursos que habitualmente pretendem descrevê-las.


18h15
Mesa 19     Livro de Cabeceira


Autores convidados da Flip 2012 leem e comentam trechos de seus livros prediletos.




Programação adaptada do G1.

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