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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Judiciário midiático: por que não?



A propósito do "momento mágico" que o Brasil vive, com o escancaramento das mazelas judiciárias nos jornais e internet e tendo muitos "bandidos de toga" publicamente desmascarados, reproduzo mais um artigo sobre este tema fervilhante.

Judiciário em ebulição


Gaudêncio Torquato*

Ao lembrar aos juízes que o trono de Salomão era suportado por dois leões, um de cada lado, Francis Bacon dava-lhes este conselho: sejam também leões, mas leões debaixo do trono; e procurem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos e jamais façam oposição aos pontos da soberania.

A recomendação do filósofo inglês, resistindo à névoa de quatro séculos, continua a ser a viga que sustenta o pedestal da plêiade a quem cabe o jus dicere, o ofício de interpretar leis. O pensamento vem à tona no momento em que a cúpula do Judiciário tenta contornar a polêmica que corrói suas entranhas, acirrada pela expressão da corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, de que "bandidos de toga" proliferam no País. Na esteira da querela sobre a atuação do CNJ, que culminou com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter seu poder de abrir processos contra juízes, choveram denúncias de desmandos, "vantagens eventuais", dentre as quais pagamentos milionários a alguns de seus quadros. O fato é que o altar da Justiça, tão admirado no passado, vem sendo abalado por sismos. Sob o exercício pleno de nossa democracia.

O desgaste do Judiciário - o ministro Cezar Peluso repele o termo crise para definir a situação - vem-se desenvolvendo na esteira do processo de institucionalização do País. A Constituição de 1988, com a pletora de direitos que abriga, oxigenou os pulmões sociais, estabeleceu polos de poder, propiciou novos ordenamentos, convergindo tais conquistas para a abertura da locução nacional. Sob o império das liberdades, o discurso ganhou densidade. Magistrados, conhecidos pela atitude de consciencioso recolhimento, entraram no ritmo da dinâmica social. A obscuridade dos anos de chumbo deu lugar à claridade. Juízes antigos, atrelados ao ditado "é difícil ensinar cavalo velho a marchar", passaram ao convívio de colegas mais jovens, de visões abertas e dispostos a mudar o lema que adornava seu pedestal: "Juiz só fala nos autos". Nas novas fronteiras, o entendimento passou a ser o de que o juiz tem de prestar contas à sociedade.

Sua visão deve permanecer vedada sobre matérias ainda em julgamento, como preceitua a Lei Orgânica da Magistratura. Mas o juiz pode discorrer sobre questões decididas, já expressas nos autos ou citadas em público. Em seu amparo invoca o artigo 5.º, IV e IX, da Carta Magna, que tratam da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual. Portanto, sob o estatuto da transparência e do direito do cidadão de saber o que se passa na administração da Justiça, os magistrados ganharam ampla visibilidade na mídia.

Na Suprema Corte a locução escancarou-se pela cobertura da TV Justiça, que transmite ao vivo as sessões. A publicidade, convenhamos, acende os ânimos. Veiculado maciçamente e compartilhado com a sociedade, o pensamento dos ministros recebe palmas e críticas. Os contrários, eixo da democracia, se manifestam. E assim o halo brilhante que conferia aos magistrados a imagem de entes sagrados esmaeceu e passaram a ser vistos como pessoas comuns, passíveis de errar, e a receber um carimbo de grupos de opinião e operadores do Direito: este é intelectual; esse, culto e ilustrado; aquele, menos experiente, mas preparado; outro, muito técnico ou mais reservado, etc. A massa conflituosa ganha intensidade com a crítica sobre a "politização da Justiça". Buracos abertos por inúmeros dispositivos da Constituição tiveram de ser tapados pela Alta Corte. Acionada, viu-se compelida a produzir intensa interpretação da Lei Maior, ganhando, em consequência, a pecha de interferir na esfera política. Insinuação, claro, originada em fontes congressuais.

Por último, a corrosão da imagem do Judiciário leva em conta sua complexa modelagem. Dispomos de cinco tipos de Justiça, duas comuns (estadual e federal) e três especiais (trabalhista, militar e eleitoral); e de quatro instâncias (juiz local-tribunal local, Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça e STF); ao lado de estruturas como Ministério Público, Defensorias Públicas, Procuradorias, Polícias Civil e Militar (estaduais e federal) e Guardas Municipais. Nossa condição é sui generis no mundo, garante o desembargador José Renato Nalini, corregedor-geral do TJSP, que calcula haver mais de 50 oportunidades para se reapreciar a mesma questão. Os milhões de processos que desembocam nos quase cem tribunais e nas cinco Justiças incorporam, na visão de Nalini, um peculiar demandismo, responsável pelo alargamento de nossa litigância. Só em São Paulo entraram, em 2010, 521.534 processos, que se juntaram aos 714 mil pendentes, gerando uma taxa de congestionamento de 63,2% - relação entre o estoque de ações e o volume de casos resolvidos. Não por acaso, continua a se propagar o discurso da insegurança jurídica (entrave a investimentos), sob os passos de tartaruga de nossa Justiça. Nesse ponto se cruzam os tiros sobre o Judiciário, provenientes da vanguarda política, de retaguardas corporativas do próprio sistema - como se viu na pendenga sobre as fronteiras de atuação do CNJ -, de sistemas produtivos e de núcleos de operadores do Direito, como a Ordem dos Advogados do Brasil, além de entidades sociais.

Sair incólume desse tiroteio é coisa para filme de ficção. Ainda mais quando o ator parece cultivar o gosto de ser alvo permanente. Donde se pinça a tese de que o corpo judiciário deve tomar os remédios para sanar as feridas que o consomem. Urge resgatar a força moral que encarna (como se viu na votação do STF sobre as funções do CNJ). Exercício que implica ainda apaziguamento de ânimos e cultivo de valores que abrilhantam o perfil do juiz: amor à verdade, circunspecção, zelo, sapiência e, sobretudo, isenção para julgar.

Bacon volta à ordem do dia.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 05/02/2012.



Mazelas do Judiciário

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CNJ no STF: a Ditadura do Judiciário caindo...



Depois da vitória apertada, sofrida, da última quinta-feira, que comemoramos com entusiasmo aqui no Abra a Boca, Cidadão!, esta semana tem mais. O Supremo Tribunal Federal ainda deve se pronunciar sobre alguns pontos a propósito do Conselho Nacional de Justiça, e o fará na quarta-feira, 8.


Em vários posts vimos fazendo referência aqui a uma Primavera Judiciária que o Brasil vive. Tem gente que não acredita, outros fazem pouco das palavras da cidadã-blogueira. Paciência. Continuamos no mesmo passo: caminho sem volta.


A declaração explosiva e intempestiva da ousada e midiática ministra-corregedora Eliana Calmon, em setembro último, anunciando e denunciando ao País a infiltração de "Bandidos de Toga" no Judiciário, foi o estopim de uma Revolução no Mais Vetusto dos Poderes da República.


Agora, ou abre ou abre. Não há outra alternativa. 


Bandidos e Bandidas de Toga: tremei! A intrépida Eliana Calmon trouxe também ao Povo Brasileiro, além de informações sobre as entranhas putrefatas do Judiciário, coragem e auto-estima. Os que insistirem em suas práticas corruptas e criminosas podem se arrepender amargamente.


Começou a cair a Ditadura do Judiciário. E o melhor de tudo: sem precisar de um tiro, de um cadáver sequer... Apenas da altivez e bravura de uma mulher, mais uma, revolucionária.



O STF sobre o CNJ: a discreta revolução


A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial.

Mauro Santayana*

Embora tenha sido apertada, a decisão de ontem [quinta, 2] do Supremo Tribunal Federal, confirmando a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça, de atuar ex-officio, como claramente lembrou o ministro Joaquim Barbosa, inicia uma discreta, mas profunda, revolução no sistema judiciário brasileiro.

Todos os poderes do Estado devem estar submetidos ao rigor da ética, mas a ausência dessa atitude no poder judiciário é mais danosa. As sociedades se submetem à Justiça. A ela cabe dizer o que é certo e o que é errado, embora não se encontre ungida pelo mandato do Absoluto. A justiça se exerce, como se exercem todas as atividades humanas, na busca de uma verdade provável entre as dúvidas.

Mas o fundamento da justiça, para lembrar a definição admirável de Cícero, é a boa fé nos contratos. Em todos os contratos, e mais ainda no pacto entre o magistrado e as sociedades nacionais a que serve. Esse compromisso dos juízes lhes exige ter as mãos e as mentes sempre limpas, e servir com absoluta independência e lisura, conforme o seu saber e a sua consciência. Tal contrato com a sociedade não lhes é imposto, porque a magistratura não se forma de maneira compulsória, mas assumida voluntariamente por todos aqueles que decidem ingressar nos corpos judiciais.

Os juízes podem errar, e erram frequentemente, mas não podem faltar à boa fé em suas decisões. De certa forma, todos nós somos juízes, e atuamos em nossas relações sociais examinando o comportamento de nossos eventuais parceiros nos negócios, na ação política, na amizade e no amor. Toda escolha, até mesmo dos sapatos a cada manhã, é um ato de juízo - e não é por acaso que a expressão juízo signifique uma escolha reta. O sistema judiciário, criado e mantido pelos estados nacionais, é a suprema expressão dessa faculdade humana. Os juízes, valha o truísmo, devem orientar-se também pelas leis da lógica, e estabelecer suas sentenças de forma a que possam ser cumpridas – e, assim, impedir einer Grossen Konfusion, a que fez referência, bem humorada – o que nele é raro – o Ministro Gilmar Mendes.

A nossa justiça, de modo geral, tem sido uma justiça de classe. Desde suas origens medievais, em nossa formação ibérica, foi uma justiça de senhores contra os servos, dos santos contra os pecadores, dos reis contra os vassalos e, nos tempos modernos, dos patrões contra os empregados, dos ricos contra os pobres. Os juízes dependiam, e ainda dependem, de um juízo além de si mesmos, o dos grupos que formam e comandam os Estados - e legislam.

O Zeitgeist é também uma construção do poder. A decisão de ontem [quinta] se conforma ao novo desenho do poder nacional. Aceitem os excelsos pensadores acadêmicos, que refletem o interesse das elites oligárquicas, a verdade de que, mal ou bem, com as infecções morais aqui e ali, o povo brasileiro está construindo nova sociedade nacional. A partir da Revolução de 30, com avanços e retrocessos, a mobilidade social tem sido impetuosa em nosso país. Os ricos, que sempre dispuseram de tudo, a partir do fácil acesso ao ensino, não podem saber o que sentimos, os que viemos do chão do povo, ao ver uma ex-favelada, Graça Foster, assumir o comando da mais importante empresa nacional. É como se, de repente, nos devolvessem tudo o que nos negaram, da bicicleta de criança a um emprego decente – sempre reservados aos outros, quase que por direito divino.

A eleição do retirante Lula, a decisão nacional de eleger Dilma, uma mulher que se rebelou, na juventude, contra a injustiça social, e a ascensão das mulheres a todos os poderes republicanos, ao quebrar os velhos paradigmas, abriram esse caminho, que não podemos mais abandonar, e isso exige estrita vigilância no comportamento do governo. É oportuno, dentro desse raciocínio, registrar a concisão e a força dos votos das ministras Carmem Lúcia e Rosa Weber na decisão do STF, ontem [quinta]. Se associarmos a democratização do poder à moralização rigorosa da ação administrativa, a conquista será irreversível.

A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial. Os juízes venais e corruptos sabem que estão sujeitos, de agora em diante, ao poder do CNJ. E, o mais importante: esse poder poderá ser provocado pela simples representação de qualquer cidadão brasileiro, que assim se identificar junto ao Conselho.


* Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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