Mais mazelas do Judiciário brasileiro. Trazidas não por uma de suas milhares e anônimas vítimas. Mas por quem conhece de perto suas entranhas apodrecidas. E no entanto cultiva pensamento crítico e independência, sem acumpliciar-se ou intimidar-se diante da violência institucionalizada.
A judicialização do Estado Brasileiro é um caminho antidemocrático
André Luís Alves de Melo*
Hoje vivemos um fenômeno em nosso país que remonta aos tempos da aristocracia monárquica, mas atualmente discutimos o papel do aspecto jurídico e seu impacto na sociedade. A evolução jurídica representará o mesmo avanço que promoveu o fim da escravidão e da monarquia em nossa pátria. Não podemos esquecer que muitos nobres “causídicos” defendiam a monarquia e a escravidão com vários argumentos, inclusive constitucionais.
Afinal, interpretar a Constituição apenas com elementos jurídicos, sem adentrar nos aspectos sociais e políticos, é quase um crime contra a sociedade, por isto o sistema ideal de interpretação da Constituição é o alemão, onde um Conselho com mandato de doze anos e sem vinculação a nenhum dos poderes estatais ou sociais decide o que é constitucional e o que é inconstitucional, trazendo a pacificação social e a mudança de pensamento, pois não permanecem até se aposentarem como é no Brasil. Com uma Constituição extensa e com termos subjetivos é humanamente impossível obter-se um consenso, principalmente quando se trata de assuntos de interesse do Judiciário.
Como pode o Judiciário ser menos parcial ao decidir acerca de um artigo constitucional de seu interesse institucional? Particularmente, acreditamos que juiz imparcial é um mero dogma, principalmente nos julgamentos individuais, mas certamente ao julgar poderá ser mais ou menos parcial. Também não há como definir categoricamente e com critérios meramente jurídicos o que é intimidade, independência, autonomia e outros termos constitucionais.
A judicialização do país traz um enorme prejuízo à sociedade e enriquecimento da classe jurídica em face de conflitos infindáveis que poderiam ser resolvidos de outra forma, mas o monopólio do mercado de trabalho de juristas incorre no empobrecimento da sociedade. Fórum não produz riqueza; indústria e empregos, sim. Um país não pode passar mais tempo gerindo conflitos do que produzindo trabalho rentável. É óbvio que há o aspecto cultural, onde se confunde Judiciário com Justiça, mas esta não pode ser monopólio de um grupo, todos podem fazer justiça, principalmente a conciliatória.
O Executivo faz justiça quando emprega bem as verbas, o Legislativo faz justiça quando faz boas leis, o Ministério Público também faz justiça quando fiscaliza e não é omisso, a igreja faz justiça, a escola faz justiça. E o Judiciário faz injustiça também, quando realiza concursos sem critérios de correção publicamente definidos, quando promove os que agradam a cúpula, quando não participa da vida social dos pobres, quando impede a fiscalização da sociedade e quando usa questões processuais para não decidir o mérito, apesar de o único motivo de sua existência seja para decidir o mérito, pois inclusive as teses jurídicas já constam das petições iniciais, contestações, manifestações ministeriais (formulações para consolidação dos direitos), onde a função da sentença seria dar eficácia executiva à tese que for acolhida na sentença.
Porém, para efetivar este monopólio induzem a sociedade a crer que acesso à Justiça é apenas acesso ao Judiciário e até criam complicações processuais para dificultar o acesso, apesar de externarem um discurso de acesso. Mas acesso à justiça não é apenas “entrar”, é também “sair” com a solução definitiva. O que se veda ao cidadão é o exercício violento do seu direito, mas mesmo assim há exceções, como na legítima defesa.
O sistema jurídico é caro, improdutivo, apesar de ter número de juízes e promotores suficientes, pois quando usa um dado de que em alguns países existe um juiz para três mil habitantes, omite que lá entram no cômputo os juízes arbitrais, os juízes leigos, os juízes de paz, os juízes municipais, os juízes administrativos e os juízes de instrução (que seriam os promotores no Brasil), mas desejam manter um monopólio judicial, pois em geral no campo judicial é necessário contratar um advogado para defender os seus direitos com base em um suposto princípio de cidadania, mas que tem um fundo de reserva de mercado de trabalho. Afinal, se o direito, em geral, é disponível, por que não posso dispor do mesmo em juízo?
E por que um bacharel em Direito precisa contratar um advogado ? O correto é o direito do cidadão de contratar um advogado e não ser obrigado a contratar um advogado. Em face desta reserva de mercado todas as tentativas de buscar alternativas extrajudiciais de solução de conflitos são sutilmente boicotadas. Mas jurídico não é apenas o judicial, este pode ter aspectos jurídicos e também meramente administrativos. Por exemplo, uma execução de direito sem embargos não é um ato jurídico, e sim administrativo, afinal jurídico é dizer o direito e em uma execução o próprio nome diz: simplesmente executa. Mas até hoje ainda consideramos o ato de execução, salvo algumas exceções legais, como ato jurídico, o que implica a necessidade de contratar um advogado e iniciar um novo processo judicial.
Outro aspecto desta judicialização é que através das ações do Ministério Público a classe jurídica passa a administrar o país juntamente com o Judiciário. Aparentemente há aspectos positivos, mas o problema é que são duas instituições autocráticas e sem respaldo popular, e quando falamos em participação popular não estamos nos referindo apenas a eleições, pois hoje já conhecemos outros mecanismos como o referendum. E por qual motivo não consultam a população sobre o trabalho individual dos promotores e juízes? Por qual motivo não publicam na Internet a produtividade de cada membro para sabermos quem está trabalhando ? Por qual razão não publicam o resultado das punições anuais aplicadas, ainda que se oculte o nome do profissional? Em geral decidem individualmente de acordo com interesses pessoais e dizem estar fazendo justiça social. A melhor justiça social é a preventiva e feita com a participação do povo. A maioria dos “juristas” não sabe como obter um auxílio reclusão ou pensão por morte ou uma assistência social junto ao INSS, pois somente conhecem o processo judicial.
Por falta de implantar o gerenciamento nas atividades os processos acumulam e depois [os juízes] pousam como vítimas dizendo que há milhares de processos. Mas não mostram a distribuição mensal, não fazem atividades jurídico-sociais e nem dividem em processos complexos e simples. Ações da área da família deveriam passar por assistentes sociais e psicólogos e não por advogados, juízes e promotores. Até hoje ainda se idolatram as audiências de reconciliação judicial como se o juiz ou o promotor fossem dotados de poder divino ou técnico para resolver estas questões.
O motivo pelo qual não delegam o trabalho é a vaidade pessoal. Um fator agravante é que para exercer os altos postos da área jurídica não se exige conhecimentos de administração pública e ciência política. E são estes profissionais que definem a estrutura da lei orgânica do Ministério Público e da Magistratura. Se tivessem interesse bastaria fazer uma lei orgânica moderna que o Legislativo aprovaria, mas apenas fazem projetos de leis orgânicas que em geral criam cargos e benefícios salariais para juízes e promotores. Um trabalho importante do Ministério Público, mas que é legado a segundo plano, são as recomendações ministeriais e atuação junto ao Legislativo e Executivo. Muitos membros ministeriais ainda sofrem da síndrome do judicialismo.
Isto tem causado sérios problemas à nação, tanto econômicos como políticos, pois o desequilíbrio entres os poderes é uma ameaça à soberania. Recentemente, observamos um presidente da alta corte judiciária dizer que não cumpriria a Lei de Responsabilidade Fiscal porque é um Poder e não precisa obedecer a lei do Legislativo. Ora, com este mesmo raciocínio o Executivo poderia dizer que é um Poder e não cumpre mais as decisões judiciais.
Quanto aos concursos jurídicos, não preenchem as vagas em razão da escolha dos examinadores, muitos sem cursos de pós-graduação e com uma cultura jurídica inaceitável pelos mais jovens, mas por pressão dos donos e professores de cursinho que de forma inadmissível também pertencem à magistratura e ao Ministério Público, continuam priorizando provas teóricas desconexas com a realidade, onde os cursinhos enriquecem seus proprietários ensinando os futuros “juízes e promotores” a decorarem respostas. Além do aspecto ético pelo fato de na mesma instituição existir examinadores e professores de cursinho, existe a questão de que se o serviço não está em dia, como é que os seus membros podem ter outro emprego?
O grande problema jurídico brasileiro são os comportamentos jurídicos não definidos, mas existentes, como os promotores engavetadores, que deixam tudo parado, e diferem dos arquivadores, pois estes pelo menos decidem pelo arquivamento, ou seja, resolvem a situação. Também há os promotores bumerangues: vivem pedindo diligências e o processo vai e volta, só faltam pedir para provar documentalmente a existência de Deus. Mas estes profissionais ministeriais não estão sós. Existem os juízes “emprateleiradores”, deixam tudo na prateleira, assim impressionam os que a visualizam, mas como não decide, o volume aumenta diariamente. Há também juiz esportista, que joga pingue-pongue processual, fazendo o chamado ao, ao, ao... ao autor, ao réu, ao promotor.
Recapitulando alguns conceitos básicos, a função do Judiciário não é administrar o país e sim resolver conflitos de forma definitiva, e deve ser considerada a última opção a ser adotada para a solução dos conflitos. Democraticamente a sentença deveria ser a conclusão das teses e fatos apresentados nas formulações iniciais, pois senão o Judiciário estaria sendo parte direta também.
Afinal as formulações iniciais (petição e contestação) não encaminham apenas o problema ao juízo, mas apresentam a solução, que é o pedido estrito. No Brasil, em razão do monopólio, passou a ser a primeira opção e em breve estará sendo necessário solicitar autorização judicial para nascer. Afinal, por qual motivo para fazer um divórcio consensual, um inventário consensual, precisa-se ir ao juiz judicial? Por que não implantaram os juízes de paz, e nem remuneram os juízes leigos, que devem ter no mínimo cinco anos de experiência, mas contratam juízes judiciais que têm um custo muito maior e em alguns estados nem se exige experiência?
E a função do Ministério Público é fiscalizar os serviços prestados pelos poderes estatais, mas alguns colegas insistem em se comportarem como assessores do Judiciário. Por qual motivo mantém-se a paridade numérica de juízes e promotores? Isto não tem nenhum sentido técnico, a não ser que alguns promotores trabalham demais e outros de menos. Alguns promotores fiscalizam sozinhos cinco prefeitos e mais de setenta vereadores, enquanto dez promotores fiscalizam um único prefeito e alguns vereadores. Alguns ajuízam ações civis públicas altamente complexas, enquanto alguns dão “pareceres” em ações de divórcio consensual e usucapião.
Aos que dizem que uma administração jurídica do Estado é eficaz, tenho minhas dúvidas. Afinal a classe jurídica é historicamente lenta em seus pensamentos e decisões. E ainda culpa o Legislativo, mas este sempre que vai fazer uma lei sobre questões nitidamente jurídicas consulta a velha guarda dos juristas que raramente apresentam alguma solução e quando muito apontam problemas, pois a evolução hoje é muito rápida e é preciso ver o futuro, não basta uma experiência do passado. Mas a solução todo mundo sabe que é democratizar tanto o Ministério Público e o Judiciário. O problema não é processual e sim institucional.
Enquanto existirem os “Coroneis” e “reis” da “Justiça”, estes não permitirão mudanças pois não admitem ceder poder, e nem aparecerá a corrupção, afinal a cúpula escolhe quem os sucederá através de promoções (sem fundamentação escrita) e concursos (por que não filmam as provas orais e disponibilizam para o povo, inclusive as escritas após a correção?) Assim, dificilmente o baixo clero do sistema jurídico tem acesso ao conteúdo das decisões e quando detecta algum problema tem que denunciar à Corregedoria, pois se expor a instituição ao público passa a ser perseguido e torna-se o denunciado. Por isto o controle externo é natural em qualquer instituição democrática, e será apenas administrativo, sem os aspectos de interpretação da aplicação da lei. Quem não presta contas ao povo é ditador, independente do nome que use.
O desrespeito é tão grande que inventam até concursos de peças processuais dentro de processos, ou seja, o cidadão ansioso para o deslinde de seu problema e os juristas escrevendo bonito para o concurso. Uma coisa é o mero discurso retórico, escrito ou falado, outra são as ações efetivas. Uma coisa é dizer que quer combater o crime, outra é trabalhar em conjunto com o Legislativo para aprovar medidas que permitam defender a sociedade. Uma coisa é dizer que quer aumentar o acesso à justiça, outra coisa é fazer medidas efetivas para este acesso amplo e não monopolista.
Por fim, justiça não pode ser monopólio dos juristas, principalmente dos “práticos judicialistas”. Justiça é democracia, e onde houver democracia haverá justiça, mas esta não é romântica, pois democracia é confronto. Romântico é a monarquia, a ditadura, onde poucos mandam e muitos obedecem. Resta saber qual tipo de regime queremos. Confesso que vislumbro pouquíssimos elementos democráticos no Ministério Público brasileiro, e nenhum no Judiciário brasileiro. Posso estar enganado, mas também não podemos confundir democracia com aristocracia.
Na verdade a reforma jurídica será feita por bem ou por mal. É melhor que seja por bem e que a classe jurídica participe deste momento, deixando o comportamento de apenas interpretar as leis e passar a influenciar o Legislativo para fazer boas leis. A função do jurista é muito mais nobre, não é mero despachante judicial como as faculdades têm ensinado, afinal hoje nem se formam mais em Direito. Não raramente adquire-se o diploma em prestações mensais, afinal o índice de reprovação nas faculdades de Direito é muito baixo.
Por isto defendemos a criação dos cursos sequenciais em Direito com duração menor para exercer funções jurídicas menos complexas. Precisamos rever até a questão de que apenas bachareis em Direito podem fazer provas para a OAB, para a magistratura e para o Ministério Público. Afinal, se são apenas provas teóricas que medem o conhecimento jurídico e que quase todos os aprovados têm que se submeter a fazer cursinhos e decorar apostilas, talvez outras carreiras também devam ter o direito de fazer as provas.
Principalmente no caso do Brasil, onde na verdade não há uma petição inicial, mas sim uma formulação inicial para consolidação do direito, pois em um país positivista raramente é possível criar algum direito a não ser através de lei. Em geral apenas consolida-se no caso concreto a norma geral. Poderíamos discutir após constatar que em vários países, como na antiga Rússia, não se exige conhecimento jurídico acadêmico formal para a magistratura judiciante, ou como na França, onde o que predominam são os julgamentos coletivos e na “justiça administrativa” há uma composição eclética entre juristas e administradores públicos.
A judicialização do Estado brasileiro é um fenômeno que diante do contexto mundial atual é inconcebível, pois fórum não produz riqueza. Uma nação não pode consumir-se em litígios, e a agilização do sistema jurídico ocorreria naturalmente com a criação de períodos fixos para permanência nos cargos de cúpula, assim como já é até nas forças armadas para os generais. O mesmo sistema seria adotado para desembargadores e procuradores de justiça, que seria a aposentadoria compulsória após um período de oito anos no cargo ou retornaria para o cargo de origem, pois em uma democracia não há superioridade definitiva entre membros de uma instituição.
Por fim, precisamos encontrar soluções e não apenas identificar problemas, sendo que a questão não é apenas jurídica, mas também política e social, e no contexto não há espaço para corporativismos, sob pena de transformarmos os cidadãos brasileiros em servos de uma cultura jurídica atrasada, ressaltando que alguns já confundem cidadãos com consumidores. Também é preciso formar opiniões públicas da necessidade de represália social e moral e não apenas jurídica, pois cassa-se um político, mas em seguida ele se elege novamente. É preciso democratizar os concursos jurídicos, os controles dos gastos, bem como ouvir a população e permitir a sua participação nas decisões administrativas do Judiciário e do Ministério Público, e no momento de vitaliciamento de juízes e promotores, além de reduzir os custos e exigir o aperfeiçoamento permanente dos profissionais, como gerenciamento do trabalho, pois senão não estaremos defendendo a sociedade, mas os nossos interesses pessoais e institucionais. E se não conseguimos administrar nem as nossas próprias instituições, não é crível imaginar que seja justo administrar indiretamente o país. Caso contrário, saímos da ditadura da farda e entramos na ditadura da toga.
* Promotor de Justiça em Minas Gerais. Especialista em Processo pela UFU e Mestrando em Direito pela UniFran-SP.
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Cidadania, Comunicação e Direitos Humanos * Judiciário e Justiça * Liberdade de Expressão * Mídia Digital Editoria/Sônia Amorim: ativista, blogueira, escritora, professora universitária, palestrante e "canalhóloga" Desafinando o Coro dos Contentes...
Tradutor
sábado, 30 de abril de 2011
quinta-feira, 28 de abril de 2011
O ativista Saramago
Independente de efemérides, em alguns momentos considero alentador, reconfortante, lembrar de pessoas que se distinguiram em seu trabalho e ao mesmo tempo atuaram de forma inequívoca em prol dos direitos humanos.
É o caso do escritor José Saramago, cujas atitudes são rememoradas no artigo de Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, que reproduzo abaixo.
Imaginação e Direitos Humanos. Uma Breve Lembrança de José Saramago
Carlos Alberto Lungarzo*
Junho, 2010
Sexta-feira, 18 de junho de 2010, a cultura universal e o humanismo tiveram seu dia mais aziago desde 15 de abril de 1980, quando faleceu Jean-Paul Sartre, um dos intelectuais mais completos do século e um dos maiores ativistas da história. Foi anunciada a morte de José de Sousa Saramago, o mais celebrado escritor da língua portuguesa, pensador finíssimo e criativo, narrador original e intenso, a figura que fez a delícia de várias gerações de mentes sensíveis e progressistas.
Mas não tenho cacife nem faz parte de minha missão me referir ao grande mestre em sua qualidade de literato, filósofo e artista. Quero que esta nota (que deve ser breve, pela urgência de torná-la pública) se refira a seu aspecto mais importante: os direitos humanos. Digo isto porque, junto ou acima de sua lendária celebridade como escritor no mundo todo, nada foi mais importante que sua defesa da condição humana. Saramago não foi apenas um literato que expressou, através de sua arte, uma visão humanista e progressista do mundo. Foi um homem comprometido, um observador e um ator consciente e corajoso, um batalhador que assumiu riscos radicais, desde que emergiu, em sua juventude, de uma região do mundo dominada pelo fascismo e o obscurantismo, até anos recentes.
Diferente das outras duas figuras históricas com as quais possui grande afinidade, Sartre e Bertrand Russell (1872-1970), Saramago nasceu numa família que não provinha da burguesia intelectual francesa, nem, menos ainda, da nobreza britânica, mas de uma família de trabalhadores pobres que lutava contra a devastadora miséria das vielas da Freguesia de Azinhaga, e que se deslocou a Lisboa logo que fora possível.
Se Portugal foi um estado fascista até o começo da década de 70, podemos imaginar como se vivia naquele sofrido extremo da Europa quando Saramago se aproximava dos 15 anos, com a sangrenta imagem do falangismo espanhol batendo nas fronteiras de Portugal, e as atrocidades do Salazarismo em sua própria terra.
A vida de Saramago é pública e bem conhecida. Quero falar um pouco de minhas vivências sobre o grande escritor, a partir de minha condição de ativista dos Direitos Humanos.
No ano de 1989, quando um grupo de garotos e meninas inexperientes tentou evitar uma quarta tentativa de golpe militar na Argentina, num esforço generoso de defender a democracia, os ativistas foram alvo de uma tocaia tendida pelo exército, onde muitos deles foram metralhados, queimados com bombas de napalm, e alvejados por bazucas. Mais de 40 foram capturados e submetidos a bárbaras torturas. A democracia não estava grata a seus defensores. Pelo contrário, aqueles infames e covardes politiqueiros odiavam esses jovens ingênuos que tinham estorvado o objetivo das máfias políticas argentinas: reconciliar-se com os militares para continuar a repressão pela via “legal”.
Este caso, chamado La Tablada, pelo nome da cidade onde foi tendida a cilada, é muito longo e complexo. Suas sequelas duraram até o ano 2000. Onze anos após o massacre, as vítimas, que foram capturadas vivas e torturadas, estavam cumprindo, com sentença sem julgamento, penas que iam de 20 anos a prisão perpétua. Os corruptos juízes tinham entregado os documentos ao procurador militar, para que ele decidisse, mantendo longe os advogados da defesa, e proibindo a possibilidade de recurso. Durante o governo mafioso e neofascista de Menem (1990-1999), a Argentina desobedeceu as exigências da CIDH da OEA (chefiada na época pelo grande mestre dos DH na América do Sul, Hélio Bicudo) de submeter a julgamento aquelas vítimas.
Em 2000, quando assumiu De La Rua, um bacharel ardiloso, as vítimas pensaram que teriam uma esperança. O novo presidente não era um terrorista de estado, como Menem, nem estava implicado em crimes contra a Humanidade como aquele; era apenas um moderado colaborador da direita que podia ser pressionado. A única alternativa dos jovens era morrer dignamente, e começaram uma greve de fome que, em total, durou quase três meses.
Foi então que soube da generosidade de Saramago. Não foi o único prêmio Nobel. Também, Rigoberta Manchu, Pérez Esquivel e outros colaboraram conosco. No entanto, o mais comovente foi sua humildade e objetividade. Ele escreveu uma carta ao Presidente De La Rua, que deve ter tomado conhecimento do escritor pela primeira vez na vida. Não lembro literalmente de todo o conteúdo, e não quero distorcê-lo, mas lembro seu espírito e as primeiras linhas.
Ele dizia que um prêmio Nobel não tem nada de especial, mas, às vezes a sociedade distingue algumas pessoas, e isso torna a voz delas pessoas mais escutada que a de outras. Não era só modéstia. Era o sentimento profundo do valor relativo das premiações, que tanto deslumbram os buscadores de prestígio e os temperamentos preconceituosos.
Saramago lutou por essa e por muitas outras causas até o final, e é muito difícil avaliar numa rápida olhada quanto lhe devem as causas nobres, progressistas e humanitárias ao longo de uma vida, primeiro, assombrada pelo fascismo tradicional, depois, pelo fascismo de mercado, e atualmente pelo vandálico neoliberalismo.
E foram essas forças trevosas as maiores inimigas do afável e simples Seu José. Saramago foi tortuosamente acusado de antisemita, por ter expressado, com uma isenção e serenidade alheia a quase todo o resto da esquerda (que generaliza o terrorismo de estado israelense a toda a ideologia sionista), um fato singelo e objetivo: não pode usar-se o pretexto de ter sofrido, para provocar o sofrimento dos outros.
Mas esta posição de crítica objetiva ao terrorismo israelense, o diferenciando do sionismo em geral, também compartilhada por Noam Chomsky e dúzias de intelectuais judeus e não judeus, não é seu principal gesto em defesa dos valores humanos.
Saramago desafiou forças muito mais intensas, ancoradas na península Luso-Ibérica desde os tempos dos reis visigodos, como a superstição e o nacionalismo. Neste último sentido, o escritor se definiu em favor de uma federação Espanha-Portugal, ressaltando a importância da fraternidade das nações e desprezando a ideia fetichista de que a pátria pode ter sentido independente dos habitantes. Ele voltava, assim, às fontes mais puras do comunismo clássico, antes do chamado “nacionalismo de esquerda”.
Como Giordano Bruno, Galileu, Miguel Servet, Goya, e outras celebridades capitais na história do pensamento e da ação, Saramago foi alvo do ódio da Igreja Católica. Ao longo da vida cultural do Ocidente, foram poucos os pensadores que ousaram dizer, singelamente, que não existia nenhuma prova da existência de Deus, e que as pessoas acreditavam por diversas razões (entre elas, o temor).
Com efeito, até as mentes consideradas lúcidas esmolavam moderação da crueldade doentia do Santo Ofício. A colocação de uma filosofia realmente humanista (que teve alguns traços nos hedonistas e céticos gregos) só conseguiu consistência com os mecanicistas franceses, e especialmente com as correntes que surgem do marxismo e do anarquismo.
Saramago se insere nesse grupo de vozes esclarecidas, modestamente seguras, sem empáfia nem alarde. Teve a seu favor o fato de ter vivido numa época em que as fogueiras da Inquisição parecem apagadas… ou amortecidas. Sua defesa do humanismo, seu espírito de tolerância e seu reconhecimento da beleza de alguns textos teológicos (a despeito de seu vácuo conceitual) são únicos em nossa época. Compartilha com Sartre, Russell e Camus a desmistificação da sacralidade. Mas, Sartre expressa suas ideias não com o senso comum, mas com uma filosofia de compreensão árdua; Russell, como quase todo cientista, não atingiu a popularidade que consegue um artista ou um literato; e Camus, apesar de seu agnosticismo e humanismo, defende uma solução egoísta e individual, porque o homem que ele liberta encarna a luta pessoal e não a solidariedade.
Creio que Saramago está ainda em vantagem com Noam Chomsky, pois sua humildade e objetividade o conduzem a uma visão equilibrada do universo. Ele disse que a Bíblia é um “manual de maus costumes, [...] um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”, mas nada há nisto que não possa ser demonstrado. Não é o produto de nenhuma parcialidade, mas do amor e preocupação por uma humanidade sadicamente ferida pelas trevas espalhadas pelas teocracias.
José Saramago nunca diminuiu seus esforços pela Humanidade, e os manteve ativos enquanto sua saúde física permitiu. Ninguém pode contra uma doença terminal, porque justamente essa fragilidade faz parte de nossa natureza biológica. No ano passado tentei me comunicar com ele para adicionar seu nome à lista de prêmios Nobel e outras celebridades que pediram a libertação de Cesare Battisti. Não tenho dúvida de que ele teria aderido com entusiasmo. Mas, sem que eu soubesse, ele estava sofrendo os estragos finais da leucemia e meu e-mail não chegou ao destino.
Ao transformar-se de novo a brilhante mente e a fina sensibilidade de José Samarago num conjunto de células sem vida, as perdemos de maneira definitiva. Sabemos que nem um átomo de seu eu sobreviverá em lugar algum. Mas fica sua obra e sua lembrança para iluminar a noite do mundo supersticioso, racista e sanguinário que ainda vivemos.
* Professor titular na Unicamp, atualmente aposentado, membro da Anistia Internacional.
*
É o caso do escritor José Saramago, cujas atitudes são rememoradas no artigo de Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, que reproduzo abaixo.
Imaginação e Direitos Humanos. Uma Breve Lembrança de José Saramago
Carlos Alberto Lungarzo*
Junho, 2010
Sexta-feira, 18 de junho de 2010, a cultura universal e o humanismo tiveram seu dia mais aziago desde 15 de abril de 1980, quando faleceu Jean-Paul Sartre, um dos intelectuais mais completos do século e um dos maiores ativistas da história. Foi anunciada a morte de José de Sousa Saramago, o mais celebrado escritor da língua portuguesa, pensador finíssimo e criativo, narrador original e intenso, a figura que fez a delícia de várias gerações de mentes sensíveis e progressistas.
Mas não tenho cacife nem faz parte de minha missão me referir ao grande mestre em sua qualidade de literato, filósofo e artista. Quero que esta nota (que deve ser breve, pela urgência de torná-la pública) se refira a seu aspecto mais importante: os direitos humanos. Digo isto porque, junto ou acima de sua lendária celebridade como escritor no mundo todo, nada foi mais importante que sua defesa da condição humana. Saramago não foi apenas um literato que expressou, através de sua arte, uma visão humanista e progressista do mundo. Foi um homem comprometido, um observador e um ator consciente e corajoso, um batalhador que assumiu riscos radicais, desde que emergiu, em sua juventude, de uma região do mundo dominada pelo fascismo e o obscurantismo, até anos recentes.
Diferente das outras duas figuras históricas com as quais possui grande afinidade, Sartre e Bertrand Russell (1872-1970), Saramago nasceu numa família que não provinha da burguesia intelectual francesa, nem, menos ainda, da nobreza britânica, mas de uma família de trabalhadores pobres que lutava contra a devastadora miséria das vielas da Freguesia de Azinhaga, e que se deslocou a Lisboa logo que fora possível.
Se Portugal foi um estado fascista até o começo da década de 70, podemos imaginar como se vivia naquele sofrido extremo da Europa quando Saramago se aproximava dos 15 anos, com a sangrenta imagem do falangismo espanhol batendo nas fronteiras de Portugal, e as atrocidades do Salazarismo em sua própria terra.
A vida de Saramago é pública e bem conhecida. Quero falar um pouco de minhas vivências sobre o grande escritor, a partir de minha condição de ativista dos Direitos Humanos.
No ano de 1989, quando um grupo de garotos e meninas inexperientes tentou evitar uma quarta tentativa de golpe militar na Argentina, num esforço generoso de defender a democracia, os ativistas foram alvo de uma tocaia tendida pelo exército, onde muitos deles foram metralhados, queimados com bombas de napalm, e alvejados por bazucas. Mais de 40 foram capturados e submetidos a bárbaras torturas. A democracia não estava grata a seus defensores. Pelo contrário, aqueles infames e covardes politiqueiros odiavam esses jovens ingênuos que tinham estorvado o objetivo das máfias políticas argentinas: reconciliar-se com os militares para continuar a repressão pela via “legal”.
Este caso, chamado La Tablada, pelo nome da cidade onde foi tendida a cilada, é muito longo e complexo. Suas sequelas duraram até o ano 2000. Onze anos após o massacre, as vítimas, que foram capturadas vivas e torturadas, estavam cumprindo, com sentença sem julgamento, penas que iam de 20 anos a prisão perpétua. Os corruptos juízes tinham entregado os documentos ao procurador militar, para que ele decidisse, mantendo longe os advogados da defesa, e proibindo a possibilidade de recurso. Durante o governo mafioso e neofascista de Menem (1990-1999), a Argentina desobedeceu as exigências da CIDH da OEA (chefiada na época pelo grande mestre dos DH na América do Sul, Hélio Bicudo) de submeter a julgamento aquelas vítimas.
Em 2000, quando assumiu De La Rua, um bacharel ardiloso, as vítimas pensaram que teriam uma esperança. O novo presidente não era um terrorista de estado, como Menem, nem estava implicado em crimes contra a Humanidade como aquele; era apenas um moderado colaborador da direita que podia ser pressionado. A única alternativa dos jovens era morrer dignamente, e começaram uma greve de fome que, em total, durou quase três meses.
Foi então que soube da generosidade de Saramago. Não foi o único prêmio Nobel. Também, Rigoberta Manchu, Pérez Esquivel e outros colaboraram conosco. No entanto, o mais comovente foi sua humildade e objetividade. Ele escreveu uma carta ao Presidente De La Rua, que deve ter tomado conhecimento do escritor pela primeira vez na vida. Não lembro literalmente de todo o conteúdo, e não quero distorcê-lo, mas lembro seu espírito e as primeiras linhas.
Ele dizia que um prêmio Nobel não tem nada de especial, mas, às vezes a sociedade distingue algumas pessoas, e isso torna a voz delas pessoas mais escutada que a de outras. Não era só modéstia. Era o sentimento profundo do valor relativo das premiações, que tanto deslumbram os buscadores de prestígio e os temperamentos preconceituosos.
Saramago lutou por essa e por muitas outras causas até o final, e é muito difícil avaliar numa rápida olhada quanto lhe devem as causas nobres, progressistas e humanitárias ao longo de uma vida, primeiro, assombrada pelo fascismo tradicional, depois, pelo fascismo de mercado, e atualmente pelo vandálico neoliberalismo.
E foram essas forças trevosas as maiores inimigas do afável e simples Seu José. Saramago foi tortuosamente acusado de antisemita, por ter expressado, com uma isenção e serenidade alheia a quase todo o resto da esquerda (que generaliza o terrorismo de estado israelense a toda a ideologia sionista), um fato singelo e objetivo: não pode usar-se o pretexto de ter sofrido, para provocar o sofrimento dos outros.
Mas esta posição de crítica objetiva ao terrorismo israelense, o diferenciando do sionismo em geral, também compartilhada por Noam Chomsky e dúzias de intelectuais judeus e não judeus, não é seu principal gesto em defesa dos valores humanos.
Saramago desafiou forças muito mais intensas, ancoradas na península Luso-Ibérica desde os tempos dos reis visigodos, como a superstição e o nacionalismo. Neste último sentido, o escritor se definiu em favor de uma federação Espanha-Portugal, ressaltando a importância da fraternidade das nações e desprezando a ideia fetichista de que a pátria pode ter sentido independente dos habitantes. Ele voltava, assim, às fontes mais puras do comunismo clássico, antes do chamado “nacionalismo de esquerda”.
Como Giordano Bruno, Galileu, Miguel Servet, Goya, e outras celebridades capitais na história do pensamento e da ação, Saramago foi alvo do ódio da Igreja Católica. Ao longo da vida cultural do Ocidente, foram poucos os pensadores que ousaram dizer, singelamente, que não existia nenhuma prova da existência de Deus, e que as pessoas acreditavam por diversas razões (entre elas, o temor).
Com efeito, até as mentes consideradas lúcidas esmolavam moderação da crueldade doentia do Santo Ofício. A colocação de uma filosofia realmente humanista (que teve alguns traços nos hedonistas e céticos gregos) só conseguiu consistência com os mecanicistas franceses, e especialmente com as correntes que surgem do marxismo e do anarquismo.
Saramago se insere nesse grupo de vozes esclarecidas, modestamente seguras, sem empáfia nem alarde. Teve a seu favor o fato de ter vivido numa época em que as fogueiras da Inquisição parecem apagadas… ou amortecidas. Sua defesa do humanismo, seu espírito de tolerância e seu reconhecimento da beleza de alguns textos teológicos (a despeito de seu vácuo conceitual) são únicos em nossa época. Compartilha com Sartre, Russell e Camus a desmistificação da sacralidade. Mas, Sartre expressa suas ideias não com o senso comum, mas com uma filosofia de compreensão árdua; Russell, como quase todo cientista, não atingiu a popularidade que consegue um artista ou um literato; e Camus, apesar de seu agnosticismo e humanismo, defende uma solução egoísta e individual, porque o homem que ele liberta encarna a luta pessoal e não a solidariedade.
Creio que Saramago está ainda em vantagem com Noam Chomsky, pois sua humildade e objetividade o conduzem a uma visão equilibrada do universo. Ele disse que a Bíblia é um “manual de maus costumes, [...] um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”, mas nada há nisto que não possa ser demonstrado. Não é o produto de nenhuma parcialidade, mas do amor e preocupação por uma humanidade sadicamente ferida pelas trevas espalhadas pelas teocracias.
José Saramago nunca diminuiu seus esforços pela Humanidade, e os manteve ativos enquanto sua saúde física permitiu. Ninguém pode contra uma doença terminal, porque justamente essa fragilidade faz parte de nossa natureza biológica. No ano passado tentei me comunicar com ele para adicionar seu nome à lista de prêmios Nobel e outras celebridades que pediram a libertação de Cesare Battisti. Não tenho dúvida de que ele teria aderido com entusiasmo. Mas, sem que eu soubesse, ele estava sofrendo os estragos finais da leucemia e meu e-mail não chegou ao destino.
Ao transformar-se de novo a brilhante mente e a fina sensibilidade de José Samarago num conjunto de células sem vida, as perdemos de maneira definitiva. Sabemos que nem um átomo de seu eu sobreviverá em lugar algum. Mas fica sua obra e sua lembrança para iluminar a noite do mundo supersticioso, racista e sanguinário que ainda vivemos.
* Professor titular na Unicamp, atualmente aposentado, membro da Anistia Internacional.
*
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Satiagraha, sim! Corrupção, não!
O Abra a Boca, Cidadão! não aceita a anulação do processo criminal contra o banqueiro Daniel Dantas e apoia o abaixo assinado promovido pelo deputado federal Protógenes Queiroz. Leia mais abaixo.
Participe! Diga sim à Operação Satiagraha e não à corrupção
O ministro temporário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Adilson Vieira Macabu, está prestes a enterrar a operação que desvendou um dos maiores esquemas de desvios de verbas públicas e crimes financeiros do país. O Ministro e relator do processo no STJ aceitou o pedido de Habeas Corpus do acusado de corrupção e preso pela Polícia Federal, o banqueiro Daniel Dantas, e votou pela anulação de todo o processo penal contra o banqueiro.
O esquema foi denunciado pelo deputado federal Delegado Protógenes (PCdoB-SP) no Plenário da Câmara dos Deputados, que mostrou documentos que provam ser o filho de ministro temporário do STJ, Adilson Macabu Filho, empregado do advogado Sérgio Bermudes, patrocinador das causas de Daniel Dantas.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho acompanhou integralmente o voto de Macabu, o que estabeleceu o placar em dois a zero para a tese da anulação. O ministro Gilson Dipp pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. A previsão é que a análise do processo seja retomada no mês de maio. Além de Gilson Dipp, faltam votar mais dois ministros da 5ª turma do STJ: Jorge Mussi e Laurita Vaz.
Para impedir que o trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal e de todos os brasileiros seja sepultado, o deputado Delegado Protógenes está organizando uma campanha de apoio à Satiagraha e contra a corrupção. Os ministros não podem aceitar que um banqueiro preso e acusado por desvio de dinheiro público seja inocentado.
DIGA SIM À SATIAGRAHA E NÃO À CORRUPÇÃO
Assine o nosso abaixo assinado (http://www.abaixoassinado.org) e mande um email para os ministros Gilson Dipp, Jorge Mussi, Laurita Vaz e para o presidente do STJ, Ari Pargendler, e diga que o povo não aceita o fim da Satiagraha.
Presidente do STJ Ari Pargendler
presidencia@stj.jus.br
Ministro Gilson Dipp
stj.gmgd@stj.jus.br
Ministra Laurita Vaz
gabinete.laurita.vaz@stj.jus.br
Ministro Jorge Mussi
gmjm@stj.jus.br
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
gab.napoleaomaia@stj.jus.br
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Participe! Diga sim à Operação Satiagraha e não à corrupção
O ministro temporário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Adilson Vieira Macabu, está prestes a enterrar a operação que desvendou um dos maiores esquemas de desvios de verbas públicas e crimes financeiros do país. O Ministro e relator do processo no STJ aceitou o pedido de Habeas Corpus do acusado de corrupção e preso pela Polícia Federal, o banqueiro Daniel Dantas, e votou pela anulação de todo o processo penal contra o banqueiro.
O esquema foi denunciado pelo deputado federal Delegado Protógenes (PCdoB-SP) no Plenário da Câmara dos Deputados, que mostrou documentos que provam ser o filho de ministro temporário do STJ, Adilson Macabu Filho, empregado do advogado Sérgio Bermudes, patrocinador das causas de Daniel Dantas.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho acompanhou integralmente o voto de Macabu, o que estabeleceu o placar em dois a zero para a tese da anulação. O ministro Gilson Dipp pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. A previsão é que a análise do processo seja retomada no mês de maio. Além de Gilson Dipp, faltam votar mais dois ministros da 5ª turma do STJ: Jorge Mussi e Laurita Vaz.
Para impedir que o trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal e de todos os brasileiros seja sepultado, o deputado Delegado Protógenes está organizando uma campanha de apoio à Satiagraha e contra a corrupção. Os ministros não podem aceitar que um banqueiro preso e acusado por desvio de dinheiro público seja inocentado.
DIGA SIM À SATIAGRAHA E NÃO À CORRUPÇÃO
Assine o nosso abaixo assinado (http://www.abaixoassinado.org) e mande um email para os ministros Gilson Dipp, Jorge Mussi, Laurita Vaz e para o presidente do STJ, Ari Pargendler, e diga que o povo não aceita o fim da Satiagraha.
Presidente do STJ Ari Pargendler
presidencia@stj.jus.br
Ministro Gilson Dipp
stj.gmgd@stj.jus.br
Ministra Laurita Vaz
gabinete.laurita.vaz@stj.jus.br
Ministro Jorge Mussi
gmjm@stj.jus.br
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
gab.napoleaomaia@stj.jus.br
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E as mazelas do Judiciário?
Já falamos muito aqui no Abra a Boca, Cidadão! da mazela midiática, sobretudo na última campanha eleitoral presidencial, quando foi escancarado para todos nós o caráter elitista, oligárquico, retrógrado, antidemocrático da velha mídia brasileira.
Felizmente para a cidadania, as novas tecnologias da informação, as redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter e outras) e sobretudo a blogosfera independente oferecem espaços para um contraponto às muitas vezes deturpadas e manipuladas informações veiculadas pela mídia apodrecida.
A tradicional ditadura midiática, o monopólio da informação, o jornalismo de esgoto estão sendo aos poucos derrubados, implodidos, desmascarados pelo jornalismo cidadão na internet.
E a mazela judiciária?
Por que os membros do Judiciário se comportam como deuses e semideuses, acima do Bem e do Mal, uma casta superior e intocável? Por que o Judiciário brasileiro não pune os endinheirados? Até quando vamos conviver com esta violência institucionalizada?
Como a cidadania pode atuar sobre este esgoto?
São questões urgentes que vimos levantando aqui e queremos ver discutidas pela sociedade.
Felizmente para a cidadania, as novas tecnologias da informação, as redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter e outras) e sobretudo a blogosfera independente oferecem espaços para um contraponto às muitas vezes deturpadas e manipuladas informações veiculadas pela mídia apodrecida.
A tradicional ditadura midiática, o monopólio da informação, o jornalismo de esgoto estão sendo aos poucos derrubados, implodidos, desmascarados pelo jornalismo cidadão na internet.
E a mazela judiciária?
Por que os membros do Judiciário se comportam como deuses e semideuses, acima do Bem e do Mal, uma casta superior e intocável? Por que o Judiciário brasileiro não pune os endinheirados? Até quando vamos conviver com esta violência institucionalizada?
Como a cidadania pode atuar sobre este esgoto?
São questões urgentes que vimos levantando aqui e queremos ver discutidas pela sociedade.
Uma reflexão sobre a ditadura do Poder Judiciário Brasileiro
Joseval M. Santana* - 13/09/2010
A célebre doutrina da “separação dos poderes” de Montesquieu, baseada na constituição “mista” discutida por Platão, Aristóteles e Políbio, visou moderar o poder do Estado mediante a divisão de competências entre os órgãos: executivo, legislativo e judiciário. A vigilância da harmonia destes três poderes no Brasil, começou a surgir no período republicano e se consolidou na carta magna de 1988 com a ampliação do papel do Ministério Público. Neste contexto, convém salientar a importância das entidades organizadas a exemplo da imprensa, da Ordem dos Advogados do Brasil, dos partidos políticos, das comissões dos direitos humanos entre outras. É essa harmonia e os seus mecanismos de vigilância o sustentáculo da república e a manutenção da democracia.
A violação do princípio da harmonia entre os poderes faz resvalecer o manto da democracia e suscita o manto vil do poder – a ditadura. Neste regime, a singularidade do mal, a exemplo dos regimes provenientes do nazismo e do fascismo, não se difere em essência da pluralidade maléfica dos regimes militares que encabeçaram os longos anos da ditadura na América Latina e, em particular, no Brasil no século XX.
Se levarmos em conta somente este início de século, não há quem possa discordar que todos nós já presenciamos, pelos meios de comunicações, inúmeros escândalos provenientes das esferas dos três poderes. Indignados, por vezes indagamos - será que tais escândalos é o preço da pré-maturidade da nossa democracia? Certamente se este for o caso, há de se questionar se os escândalos decairão drasticamente na medida em que a nossa democracia avança para a maturidade, ou se os mesmos já estão decaindo quando comparados aos do regime militar. Seja qual for a resposta à essas indagações, podemos crer ser impossível que os aludidos escândalos abalem de fato os alicerces da nossa democracia?
Não podemos negar que os escândalos que emanam dos três poderes, constituem-se de forças negativas que, quase sempre, tendem a opor-se aos princípios democráticos. Se essas forças negativas forem tão poderosas a ponto de violar o princípio da harmonia entre os poderes poderão fazer com que um poder venha a sobrepujar os demais, (res) surgindo assim à ditadura do poder sobrepujador.
Ao observamos os escândalos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, percebemos que as forças negativas dos dois primeiros poderes não foram suficientemente fortes para quebrar a harmonia entre os poderes, uma vez que não houve nenhuma evidência que um desses poderes tenha sobrepujado os demais. Quais seriam as causas que estão assegurando a harmonia proveniente desses poderes? Certamente que os princípios democráticos a que eles estão submetidos geraram forças positivas em intensidade suficientemente maior que as das forças negativas. Há de salientar que talvez a maior intensidade dessas forças positivas venha de um direito comum para os dois poderes - o sufrágio universal.
É pelo voto direto e secreto que o povo (re)elege os membros dos poderes legislativo e executivo. Dessa forma, o cidadão e a cidadã, em última instância, podem punir os membros desses poderes não os reelegendo, seja por terem ficados impunes, diante dos escândalos comprovados, ou por maus desempenhos políticos durante os seus mandatos.
E quanto aos escândalos do poder judiciário? Infelizmente, estes mostram algo mais sombrio. As indignações quanto à ineficiência do judiciário, extravio de processos, venda de sentenças, abuso de poder e a impunibilidade de inescrupulosos juízes geraram forças negativas em intensidades suficientes para desequilibrar a harmonia entre os três poderes, haja vista, a constante interferência deste nos demais poderes. Parecem não haver dúvidas que estamos entrando em uma nova forma de ditadura – a ditadura do judiciário.
Diferentemente dos outros dois poderes, no poder judiciário inexistem as forças positivas oriundas do sufrágio universal. Este direito cedeu a princípios, também constitucionais, de entendimento que o poder judiciário para o exercício dos seus papéis necessita de garantias para que a magistratura possa desempenhar as suas funções com isenção.
O exercício do humus da magistratura é sempre de responsabilidade social. Não se admite, portanto, que as garantias que asseguram ao juiz a independência sirvam para torná-lo imune aos seus atos que contrariem as leis e, sobretudo, ao espírito moral e ético delas. Entretanto, os escândalos têm evidenciado que alguns inescrupulosos juízes utilizam-se do “livre convencimento” para elastecer o entendimento das leis subjugando, disfarçadamente, o espírito ético e moral das mesmas. São eles os ditadores do judiciário. Estes se utilizam das garantias constitucionais para servirem de escudo de proteção para os seus atos ilícitos e o abuso de poder, em detrimento de todos e tudo, inclusive dos demais poderes.
Corroborando com parte desse entendimento Moreira (2009), doutor em direito, salienta que: ”Estamos para viver uma ditadura do judiciário. Será que agora o juiz é o novo Deus?"
A ditadura do judiciário é uma ditadura sem armas, bem diferentes das ditaduras de outrora, mas nem por isso menos cruel, pois pode cercear o bem maior do cidadão e cidadã – a sua liberdade. Astuto, o ditador camufla-se como um lobo, só que ao invés da pele de cordeiro, utiliza-se da toga, não mais como um símbolo da magistratura e sim como uma armadura para ostentar o poder e ser temido pelos meros mortais. O som característico do malhete, que na mão de um verdadeiro juiz significa “a justiça foi feita”, agora reverbera vibrações desarmônicas de um rosnar que se traduz pela expressão (des) humana - “a minha vontade foi feita”.
Cabe ressaltar, e assim espera-se, que os ditadores do judiciário sejam em número menor do que os dos verdadeiros juízes. Mesmo assim, essa aparente vantagem numérica tem mostrado, até o presente momento, ser insuficiente para debelar esses ditadores. Por essa razão, tudo nos leva a crer que a ditadura do judiciário somente sucumbirá se houver um esforço comum, por parte do poder judiciário (mediante os verdadeiros juízes e um Conselho Nacional de Justiça mais atuante), do poder executivo, das entidades organizadas, especialmente a Ordem dos Advogados do Brasil, e da sociedade para juntos com o poder legislativo promoverem mecanismos constitucionais que possam por fim a atual ditadura e assegurar o seu não ressurgimento. Este será um grande passo para a maturidade da nossa democracia e quando chegarmos lá, teremos elevado a nossa carta magna cidadã ao status de carta magna da cidadania ética.
* Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano e professor da Universidade Federal de Sergipe/UFS.
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Joseval M. Santana* - 13/09/2010
A célebre doutrina da “separação dos poderes” de Montesquieu, baseada na constituição “mista” discutida por Platão, Aristóteles e Políbio, visou moderar o poder do Estado mediante a divisão de competências entre os órgãos: executivo, legislativo e judiciário. A vigilância da harmonia destes três poderes no Brasil, começou a surgir no período republicano e se consolidou na carta magna de 1988 com a ampliação do papel do Ministério Público. Neste contexto, convém salientar a importância das entidades organizadas a exemplo da imprensa, da Ordem dos Advogados do Brasil, dos partidos políticos, das comissões dos direitos humanos entre outras. É essa harmonia e os seus mecanismos de vigilância o sustentáculo da república e a manutenção da democracia.
A violação do princípio da harmonia entre os poderes faz resvalecer o manto da democracia e suscita o manto vil do poder – a ditadura. Neste regime, a singularidade do mal, a exemplo dos regimes provenientes do nazismo e do fascismo, não se difere em essência da pluralidade maléfica dos regimes militares que encabeçaram os longos anos da ditadura na América Latina e, em particular, no Brasil no século XX.
Se levarmos em conta somente este início de século, não há quem possa discordar que todos nós já presenciamos, pelos meios de comunicações, inúmeros escândalos provenientes das esferas dos três poderes. Indignados, por vezes indagamos - será que tais escândalos é o preço da pré-maturidade da nossa democracia? Certamente se este for o caso, há de se questionar se os escândalos decairão drasticamente na medida em que a nossa democracia avança para a maturidade, ou se os mesmos já estão decaindo quando comparados aos do regime militar. Seja qual for a resposta à essas indagações, podemos crer ser impossível que os aludidos escândalos abalem de fato os alicerces da nossa democracia?
Não podemos negar que os escândalos que emanam dos três poderes, constituem-se de forças negativas que, quase sempre, tendem a opor-se aos princípios democráticos. Se essas forças negativas forem tão poderosas a ponto de violar o princípio da harmonia entre os poderes poderão fazer com que um poder venha a sobrepujar os demais, (res) surgindo assim à ditadura do poder sobrepujador.
Ao observamos os escândalos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, percebemos que as forças negativas dos dois primeiros poderes não foram suficientemente fortes para quebrar a harmonia entre os poderes, uma vez que não houve nenhuma evidência que um desses poderes tenha sobrepujado os demais. Quais seriam as causas que estão assegurando a harmonia proveniente desses poderes? Certamente que os princípios democráticos a que eles estão submetidos geraram forças positivas em intensidade suficientemente maior que as das forças negativas. Há de salientar que talvez a maior intensidade dessas forças positivas venha de um direito comum para os dois poderes - o sufrágio universal.
É pelo voto direto e secreto que o povo (re)elege os membros dos poderes legislativo e executivo. Dessa forma, o cidadão e a cidadã, em última instância, podem punir os membros desses poderes não os reelegendo, seja por terem ficados impunes, diante dos escândalos comprovados, ou por maus desempenhos políticos durante os seus mandatos.
E quanto aos escândalos do poder judiciário? Infelizmente, estes mostram algo mais sombrio. As indignações quanto à ineficiência do judiciário, extravio de processos, venda de sentenças, abuso de poder e a impunibilidade de inescrupulosos juízes geraram forças negativas em intensidades suficientes para desequilibrar a harmonia entre os três poderes, haja vista, a constante interferência deste nos demais poderes. Parecem não haver dúvidas que estamos entrando em uma nova forma de ditadura – a ditadura do judiciário.
Diferentemente dos outros dois poderes, no poder judiciário inexistem as forças positivas oriundas do sufrágio universal. Este direito cedeu a princípios, também constitucionais, de entendimento que o poder judiciário para o exercício dos seus papéis necessita de garantias para que a magistratura possa desempenhar as suas funções com isenção.
O exercício do humus da magistratura é sempre de responsabilidade social. Não se admite, portanto, que as garantias que asseguram ao juiz a independência sirvam para torná-lo imune aos seus atos que contrariem as leis e, sobretudo, ao espírito moral e ético delas. Entretanto, os escândalos têm evidenciado que alguns inescrupulosos juízes utilizam-se do “livre convencimento” para elastecer o entendimento das leis subjugando, disfarçadamente, o espírito ético e moral das mesmas. São eles os ditadores do judiciário. Estes se utilizam das garantias constitucionais para servirem de escudo de proteção para os seus atos ilícitos e o abuso de poder, em detrimento de todos e tudo, inclusive dos demais poderes.
Corroborando com parte desse entendimento Moreira (2009), doutor em direito, salienta que: ”Estamos para viver uma ditadura do judiciário. Será que agora o juiz é o novo Deus?"
A ditadura do judiciário é uma ditadura sem armas, bem diferentes das ditaduras de outrora, mas nem por isso menos cruel, pois pode cercear o bem maior do cidadão e cidadã – a sua liberdade. Astuto, o ditador camufla-se como um lobo, só que ao invés da pele de cordeiro, utiliza-se da toga, não mais como um símbolo da magistratura e sim como uma armadura para ostentar o poder e ser temido pelos meros mortais. O som característico do malhete, que na mão de um verdadeiro juiz significa “a justiça foi feita”, agora reverbera vibrações desarmônicas de um rosnar que se traduz pela expressão (des) humana - “a minha vontade foi feita”.
Cabe ressaltar, e assim espera-se, que os ditadores do judiciário sejam em número menor do que os dos verdadeiros juízes. Mesmo assim, essa aparente vantagem numérica tem mostrado, até o presente momento, ser insuficiente para debelar esses ditadores. Por essa razão, tudo nos leva a crer que a ditadura do judiciário somente sucumbirá se houver um esforço comum, por parte do poder judiciário (mediante os verdadeiros juízes e um Conselho Nacional de Justiça mais atuante), do poder executivo, das entidades organizadas, especialmente a Ordem dos Advogados do Brasil, e da sociedade para juntos com o poder legislativo promoverem mecanismos constitucionais que possam por fim a atual ditadura e assegurar o seu não ressurgimento. Este será um grande passo para a maturidade da nossa democracia e quando chegarmos lá, teremos elevado a nossa carta magna cidadã ao status de carta magna da cidadania ética.
* Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano e professor da Universidade Federal de Sergipe/UFS.
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terça-feira, 26 de abril de 2011
Contra os Donos do Mundo e o Deus Dinheiro
A resistência, a Desobediência Civil, a mudança do sistema de valores do indivíduo e da sociedade.
É o que propõe o escritor e jornalista americano Chris Hedges*, em protesto na Union Square em Nova York na sexta-feira 15 de abril, num discurso diante de uma agência do Bank of America.
Fora, vendilhões de Wall Street !
Aqui estamos hoje, ante os portões de um dos nossos templos das finanças. É templo no qual se cultuam o lucro e a ganância, onde o valor de cada um se determina pela habilidade para acumular dinheiro e poder à custa dos outros, onde se reescrevem, manipulam e desrespeitam-se as leis, onde o progresso humano é definido como um moinho de consumo sem fim, onde o crime e a fraude são ferramentas usuais dos negócios.
As duas forças mais destrutivas que há na natureza humana – a ganância e a cobiça – movem os financistas, os banqueiros, os mandarins corporativos e os líderes dos dois principais partidos políticos dos EUA, os quais, ambos, se beneficiam dos lucros que obtêm desse mesmo sistema. Os dois partidos se autocolocam no centro da criação. Os dois partidos desdenham o clamor que sobe dos que estão abaixo, humilhados e calados. Nos roubaram nossos direitos e esterilizaram nossa capacidade de resistir. Querem nos converter em prisioneiros em nossa própria terra. Vêem os seres humanos e o mundo natural como commodities, como bens a serem explorados até a exaustão ou o colapso. O sofrimento humano, as guerras, a mudança no clima, a miséria, tudo isso é o preço que estamos pagando para preservar os lucros das finanças planetárias. Nada é sagrado. O Deus do Lucro é o Deus da Morte.
Os fariseus da alta finança, que nos vêem aqui, espiando de seus cubículos e cantos de corredores, fingem virtude. O único sentido da vida, para eles, é o benefício próprio. O sofrimento dos pobres não os preocupa. As seis milhões de famílias norte-americanas lançadas ao relento, arrancadas de casa, não os preocupa. As dezenas de milhões de aposentados cujas economias para a velhice foram varridas do mundo por causa da fraude e da desonestidade em Wall Street não os preocupa. O fracasso da contenção das emissões de carbono não os preocupa. Nenhuma justiça lhes tira o sono. A verdade não os preocupa. Crianças com fome não os preocupam.
Raskolnikov, personagem de Dostoiévski em Crime e Castigo, entendia que o mal radical que vive nos anseios humanos não seria vulgar, mas superior, extraordinário, a ambição que arrasta homens e mulheres a servir a sistemas de autoglorificação e à mais nua ganância. Raskolnikov no romance acredita – como os que vivem nesse templo das finanças – que a humanidade dividir-se-ia em dois grupos. No primeiro, gente comum. E gente comum seria submissa e covarde. Pouco faria, a gente comum, além de reproduzir-se e gerar mais gente comum, condenada a trabalhar, envelhecer e morrer. E Raskolnikov despreza essa gente, que vê como formas inferiores da humanidade.
No segundo grupo, para Raskolnikov, estariam os seres extraordinários. Para ele, seriam os Napoleões do mundo, os que rompem leis e costumes, os que rasgam as convenções e as tradições e fazem avançar o mundo, o qual, depois deles, seria melhor, mais glorioso. Raskolnikov diz que, embora vivamos nesse mundo, podemos nos libertar das consequências de viver entre gente vulgar, consequências que nem sempre nos favorecerão. Os Raskolnikovs do mundo investem a mais absoluta, total, absoluta fé no intelecto. Vêem com o mais absoluto desdém os atributos da compaixão, da empatia, da justiça, do amor à verdade. E essa visão ensandecida do que sejam os homens e as mulheres leva Raskolnikov a matar uma velha usurária e roubar-lhe seu dinheiro.
Os sacerdotes desses templos corporativos, em nome do lucro, matam com crueldade muito maior que Raskolnikov. As corporações mataram 50 mil pessoas, ano passado, porque não podiam pagar para ter assistência médica adequada.
Mataram centenas de milhares de iraquianos, afegãos, palestinos e paquistaneses, e viram, entusiasmados, multiplicar-se por quatro o valor das ações de empresas que fabricam e vendem armas.
Fizeram do câncer epidemia, nos campos de carvão de West Virginia, onde as famílias respiram ar poluído, bebem água envenenada e assistem à destruição dos Montes Apalaches, convertidos em deserto pelas empresas de exploração de carvão, que ganham bilhões.
E depois de saquearem o Tesouro dos EUA, as mesmas corporações exigem, em nome da contenção de gastos, que o país destrua os programas de comida para crianças, de calefação e assistência médica para os idosos e doentes, e que se ponha fim à educação pública nos EUA, ainda excelente. Exigem que toleremos que convertam os EUA em nação de desnutridos, que deixemos milhões sem emprego, que condenemos dezenas de milhões de norte-americanos à miséria e abandonemos nossos doentes mentais ao sofrimento, à degradação e à morte. Todos esses, nos EUA, gente comum, foram condenados pelos sacerdotes do lucro e da ganância, como se fossem refugo. Assim exige o Deus Mercado.
Quando Dante entra na “cidade dos danados”, último degrau antes de entrar no Inferno, ouve os gemidos e gritos dos que “viveram sem jamais ter merecido nem louvor, nem censura infamadora”[1], os rejeitados pelo Paraíso e pelo Inferno, que dedicaram a vida exclusivamente a si mesmos, a procurar a felicidade só para eles mesmos. São os “normais”, talvez “boas pessoas”, os que jamais fizeram outra coisa além de procurar o prazer e a própria segurança, muitas vezes sem perturbar os demais, mas orientados só para eles mesmos. Gente que jamais defendeu causa alguma, que jamais arriscou coisa alguma, que "seguiu vivendo a vida". Gente que jamais pensou sobre a própria vida, jamais sentiu a ânsia de pensar sobre o mundo à volta, que não olhou e não viu o mundo à volta. A esses, Dante reserva o castigo eterno de jamais sair de onde está, em dor perene, nem no inferno nem no paraíso, nem cá nem lá.
Os que vivem à caça dos arco-íris de purpurina da sociedade de consumo, que compram sem questionar a pervertida ideologia do consumo, são, como ensina Dante, moralmente covardes. São doutrinados pelos sistemas corporativos de informação e permanecem passivos, enquanto os que fazem leis, os que aplicam as leis e os que fazem tudo isso funcionar – o legislativo, o judiciário e o executivo dos governos dos EUA – nos roubam toda a capacidade para resistir. Democratas ou Republicanos. Liberais ou conservadores. Nada faz diferença alguma, nesse lado do mundo.
Barack Obama serve aos interesses da finança e das corporações com a mesma dedicação e assiduidade com que George W. Bush serviu àqueles mesmos patrões. E investir nossa energia e nossa fé num desses partidos políticos, ou esperar seja o que for das instituições que há nos EUA, como se fossem instrumentos de reforma, é nos deixar iludir pelas sombras dos píxels das telas de televisão, que vemos, reproduzidas, como se estivéssemos na caverna de Platão.
Temos de enfrentar o canto de sereia da cultura do consumo e reencontrar, e repor no centro das nossas vidas os valores da compaixão e da justiça. Para isso é preciso coragem, não só coragem física, mas também coragem moral, para conseguir ouvir o que nos diga nossa consciência.
Se estamos aqui para salvar os EUA, o planeta, nossa casa e nossa vida, temos de aprender a não exaltar valores de individualismo e temos de aprender a ver a vida do nosso vizinho, do nosso próximo. O autossacrifício vence a doença da ideologia corporativa. O autossacrifício põe abaixo os ídolos da ganância e da cobiça. O autossacrifício exige que nos levantemos contra o abuso, as guerras, a injustiça imposta a nós pelos mandarins do poder corporativo. Há profunda verdade no alerta bíblico: “Quem se agarra à própria vida a perderá” (João 12:25).
Quem diz “vida” não diz “minha vida e só”. Nunca haverá justiça no mundo, se nosso vizinho sofrer injustiça. E ninguém terá de volta a liberdade, até que nos disponhamos a sacrificar nosso conforto e abracemos a plena rebelião.
Obama desertou e nos abandonou. O Congresso desertou e nos abandonou. A Suprema Corte desertou e nos abandonou. A imprensa desertou e nos abandonou. A universidade desertou e nos abandonou. A democracia eleitoral desertou e nos abandonou. Nenhuma estrutura, nenhuma instituição da sociedade dos EUA sobreviveu a salvo da contaminação pelas grandes corporações das finanças. O que significa que, agora, depende só de nós. Desobediência civil, que trará dias difíceis e sofrimento, que trará dias muito difíceis, mas esse é o espírito do autossacrifício pelo bem de todos. Desobediência civil é a única via que nos restou.
Os banqueiros e gerentes financeiros, as elites corporativas e governamentais, são a versão moderna dos judeus bíblicos que se prostraram ante o bezerro de ouro. A faísca de qualquer dinheiro os hipnotiza, os arrasta cada vez mais depressa rumo à destruição. E eles querem nos prender ao altar deles. Querem que nos ajoelhemos ante os altares deles. Enquanto nos deixarmos inspirar pela ganância, pela cobiça, continuaremos como até aqui, cúmplices silenciosos dos gananciosos, dos que cobiçam só para eles a riqueza que é de todos.
Mas se nos levantarmos contra a religião do lucro e do capital, se exigirmos que a sociedade e os governos atendam às carências e necessidades dos cidadãos e do mundo que nos cerca, muito mais do que às carências e necessidades do Deus Mercado, se aprendermos a falar em tom renovadamente simples, se aprendermos a ser simples e a desejar vida simples, se amarmos o nosso próximo como amamos nós mesmos, romperemos as cadeias que hoje nos prendem e faremos visível, outra vez, a esperança.
Nota de tradução
[1] A Divina Comédia, “Inferno”, Canto III. Em boa tradução portuguesa. Lá se lê: “[Diz Virgílio] “No mundo o nome seu não deixou traço. A Clemência, a Justiça os desdenharam. Mais deles não falemos: olha e passa.”
Link do video: http://www.youtube.com/watch?v=2GYlSsLafR0
* Christopher Lynn Hedges é escritor e jornalista americano, autor de Death of the Liberal Class e War is a Force That Gives Us Meaning, entre outros. Foi correspondente de guerra por 15 anos pelo The New York Times. Em 2002, como integrante de uma equipe de repórteres do NYT, ganhou o Prêmio Pulitzer por uma cobertura sobre o terrorismo global e recebeu o Prêmio Global por Jornalismo em Direitos Humanos da Anistia Internacional. É professor nas universidades de Colúmbia, Nova York e Princeton. [ABC!]
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P/Twitter: http://goo.gl/36dLx
[A rede castorphoto é uma rede independente; tem perto de 41.000 correspondentes no Brasil e no exterior. Estão divididos em 28 operadores/repetidores e 232 distribuidores; não está vinculada a nenhum portal nem a nenhum blog ou sítio. Os operadores recolhem ou recebem material de diversos blogs, sítios, agências, jornais e revistas eletrônicos, articulistas e outras fontes no Brasil e no exterior para distribuição na rede]
Este texto aqui reproduzido foi publicado em: Common Dreams, Throw Out the Money Changers. Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.
*
É o que propõe o escritor e jornalista americano Chris Hedges*, em protesto na Union Square em Nova York na sexta-feira 15 de abril, num discurso diante de uma agência do Bank of America.
Fora, vendilhões de Wall Street !
Chris Hedges
Aqui estamos hoje, ante os portões de um dos nossos templos das finanças. É templo no qual se cultuam o lucro e a ganância, onde o valor de cada um se determina pela habilidade para acumular dinheiro e poder à custa dos outros, onde se reescrevem, manipulam e desrespeitam-se as leis, onde o progresso humano é definido como um moinho de consumo sem fim, onde o crime e a fraude são ferramentas usuais dos negócios.
As duas forças mais destrutivas que há na natureza humana – a ganância e a cobiça – movem os financistas, os banqueiros, os mandarins corporativos e os líderes dos dois principais partidos políticos dos EUA, os quais, ambos, se beneficiam dos lucros que obtêm desse mesmo sistema. Os dois partidos se autocolocam no centro da criação. Os dois partidos desdenham o clamor que sobe dos que estão abaixo, humilhados e calados. Nos roubaram nossos direitos e esterilizaram nossa capacidade de resistir. Querem nos converter em prisioneiros em nossa própria terra. Vêem os seres humanos e o mundo natural como commodities, como bens a serem explorados até a exaustão ou o colapso. O sofrimento humano, as guerras, a mudança no clima, a miséria, tudo isso é o preço que estamos pagando para preservar os lucros das finanças planetárias. Nada é sagrado. O Deus do Lucro é o Deus da Morte.
Os fariseus da alta finança, que nos vêem aqui, espiando de seus cubículos e cantos de corredores, fingem virtude. O único sentido da vida, para eles, é o benefício próprio. O sofrimento dos pobres não os preocupa. As seis milhões de famílias norte-americanas lançadas ao relento, arrancadas de casa, não os preocupa. As dezenas de milhões de aposentados cujas economias para a velhice foram varridas do mundo por causa da fraude e da desonestidade em Wall Street não os preocupa. O fracasso da contenção das emissões de carbono não os preocupa. Nenhuma justiça lhes tira o sono. A verdade não os preocupa. Crianças com fome não os preocupam.
Raskolnikov, personagem de Dostoiévski em Crime e Castigo, entendia que o mal radical que vive nos anseios humanos não seria vulgar, mas superior, extraordinário, a ambição que arrasta homens e mulheres a servir a sistemas de autoglorificação e à mais nua ganância. Raskolnikov no romance acredita – como os que vivem nesse templo das finanças – que a humanidade dividir-se-ia em dois grupos. No primeiro, gente comum. E gente comum seria submissa e covarde. Pouco faria, a gente comum, além de reproduzir-se e gerar mais gente comum, condenada a trabalhar, envelhecer e morrer. E Raskolnikov despreza essa gente, que vê como formas inferiores da humanidade.
No segundo grupo, para Raskolnikov, estariam os seres extraordinários. Para ele, seriam os Napoleões do mundo, os que rompem leis e costumes, os que rasgam as convenções e as tradições e fazem avançar o mundo, o qual, depois deles, seria melhor, mais glorioso. Raskolnikov diz que, embora vivamos nesse mundo, podemos nos libertar das consequências de viver entre gente vulgar, consequências que nem sempre nos favorecerão. Os Raskolnikovs do mundo investem a mais absoluta, total, absoluta fé no intelecto. Vêem com o mais absoluto desdém os atributos da compaixão, da empatia, da justiça, do amor à verdade. E essa visão ensandecida do que sejam os homens e as mulheres leva Raskolnikov a matar uma velha usurária e roubar-lhe seu dinheiro.
Os sacerdotes desses templos corporativos, em nome do lucro, matam com crueldade muito maior que Raskolnikov. As corporações mataram 50 mil pessoas, ano passado, porque não podiam pagar para ter assistência médica adequada.
Mataram centenas de milhares de iraquianos, afegãos, palestinos e paquistaneses, e viram, entusiasmados, multiplicar-se por quatro o valor das ações de empresas que fabricam e vendem armas.
Fizeram do câncer epidemia, nos campos de carvão de West Virginia, onde as famílias respiram ar poluído, bebem água envenenada e assistem à destruição dos Montes Apalaches, convertidos em deserto pelas empresas de exploração de carvão, que ganham bilhões.
E depois de saquearem o Tesouro dos EUA, as mesmas corporações exigem, em nome da contenção de gastos, que o país destrua os programas de comida para crianças, de calefação e assistência médica para os idosos e doentes, e que se ponha fim à educação pública nos EUA, ainda excelente. Exigem que toleremos que convertam os EUA em nação de desnutridos, que deixemos milhões sem emprego, que condenemos dezenas de milhões de norte-americanos à miséria e abandonemos nossos doentes mentais ao sofrimento, à degradação e à morte. Todos esses, nos EUA, gente comum, foram condenados pelos sacerdotes do lucro e da ganância, como se fossem refugo. Assim exige o Deus Mercado.
Quando Dante entra na “cidade dos danados”, último degrau antes de entrar no Inferno, ouve os gemidos e gritos dos que “viveram sem jamais ter merecido nem louvor, nem censura infamadora”[1], os rejeitados pelo Paraíso e pelo Inferno, que dedicaram a vida exclusivamente a si mesmos, a procurar a felicidade só para eles mesmos. São os “normais”, talvez “boas pessoas”, os que jamais fizeram outra coisa além de procurar o prazer e a própria segurança, muitas vezes sem perturbar os demais, mas orientados só para eles mesmos. Gente que jamais defendeu causa alguma, que jamais arriscou coisa alguma, que "seguiu vivendo a vida". Gente que jamais pensou sobre a própria vida, jamais sentiu a ânsia de pensar sobre o mundo à volta, que não olhou e não viu o mundo à volta. A esses, Dante reserva o castigo eterno de jamais sair de onde está, em dor perene, nem no inferno nem no paraíso, nem cá nem lá.
Os que vivem à caça dos arco-íris de purpurina da sociedade de consumo, que compram sem questionar a pervertida ideologia do consumo, são, como ensina Dante, moralmente covardes. São doutrinados pelos sistemas corporativos de informação e permanecem passivos, enquanto os que fazem leis, os que aplicam as leis e os que fazem tudo isso funcionar – o legislativo, o judiciário e o executivo dos governos dos EUA – nos roubam toda a capacidade para resistir. Democratas ou Republicanos. Liberais ou conservadores. Nada faz diferença alguma, nesse lado do mundo.
Barack Obama serve aos interesses da finança e das corporações com a mesma dedicação e assiduidade com que George W. Bush serviu àqueles mesmos patrões. E investir nossa energia e nossa fé num desses partidos políticos, ou esperar seja o que for das instituições que há nos EUA, como se fossem instrumentos de reforma, é nos deixar iludir pelas sombras dos píxels das telas de televisão, que vemos, reproduzidas, como se estivéssemos na caverna de Platão.
Temos de enfrentar o canto de sereia da cultura do consumo e reencontrar, e repor no centro das nossas vidas os valores da compaixão e da justiça. Para isso é preciso coragem, não só coragem física, mas também coragem moral, para conseguir ouvir o que nos diga nossa consciência.
Se estamos aqui para salvar os EUA, o planeta, nossa casa e nossa vida, temos de aprender a não exaltar valores de individualismo e temos de aprender a ver a vida do nosso vizinho, do nosso próximo. O autossacrifício vence a doença da ideologia corporativa. O autossacrifício põe abaixo os ídolos da ganância e da cobiça. O autossacrifício exige que nos levantemos contra o abuso, as guerras, a injustiça imposta a nós pelos mandarins do poder corporativo. Há profunda verdade no alerta bíblico: “Quem se agarra à própria vida a perderá” (João 12:25).
Quem diz “vida” não diz “minha vida e só”. Nunca haverá justiça no mundo, se nosso vizinho sofrer injustiça. E ninguém terá de volta a liberdade, até que nos disponhamos a sacrificar nosso conforto e abracemos a plena rebelião.
Obama desertou e nos abandonou. O Congresso desertou e nos abandonou. A Suprema Corte desertou e nos abandonou. A imprensa desertou e nos abandonou. A universidade desertou e nos abandonou. A democracia eleitoral desertou e nos abandonou. Nenhuma estrutura, nenhuma instituição da sociedade dos EUA sobreviveu a salvo da contaminação pelas grandes corporações das finanças. O que significa que, agora, depende só de nós. Desobediência civil, que trará dias difíceis e sofrimento, que trará dias muito difíceis, mas esse é o espírito do autossacrifício pelo bem de todos. Desobediência civil é a única via que nos restou.
Os banqueiros e gerentes financeiros, as elites corporativas e governamentais, são a versão moderna dos judeus bíblicos que se prostraram ante o bezerro de ouro. A faísca de qualquer dinheiro os hipnotiza, os arrasta cada vez mais depressa rumo à destruição. E eles querem nos prender ao altar deles. Querem que nos ajoelhemos ante os altares deles. Enquanto nos deixarmos inspirar pela ganância, pela cobiça, continuaremos como até aqui, cúmplices silenciosos dos gananciosos, dos que cobiçam só para eles a riqueza que é de todos.
Mas se nos levantarmos contra a religião do lucro e do capital, se exigirmos que a sociedade e os governos atendam às carências e necessidades dos cidadãos e do mundo que nos cerca, muito mais do que às carências e necessidades do Deus Mercado, se aprendermos a falar em tom renovadamente simples, se aprendermos a ser simples e a desejar vida simples, se amarmos o nosso próximo como amamos nós mesmos, romperemos as cadeias que hoje nos prendem e faremos visível, outra vez, a esperança.
Nota de tradução
[1] A Divina Comédia, “Inferno”, Canto III. Em boa tradução portuguesa. Lá se lê: “[Diz Virgílio] “No mundo o nome seu não deixou traço. A Clemência, a Justiça os desdenharam. Mais deles não falemos: olha e passa.”
Link do video: http://www.youtube.com/watch?v=2GYlSsLafR0
http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/04/vendilhoes-de-wall-street-caiam-fora-e.html
P/Twitter: http://goo.gl/36dLx
[A rede castorphoto é uma rede independente; tem perto de 41.000 correspondentes no Brasil e no exterior. Estão divididos em 28 operadores/repetidores e 232 distribuidores; não está vinculada a nenhum portal nem a nenhum blog ou sítio. Os operadores recolhem ou recebem material de diversos blogs, sítios, agências, jornais e revistas eletrônicos, articulistas e outras fontes no Brasil e no exterior para distribuição na rede]
Este texto aqui reproduzido foi publicado em: Common Dreams, Throw Out the Money Changers. Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.
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segunda-feira, 25 de abril de 2011
Era do Bullying
domingo, 24 de abril de 2011
Reflexões pascais
O universo e a humanidade vistos como realidades sagradas. É disto o que trata estas reflexões do teólogo, filósofo e ativista Leonardo Boff.
O sentido de ser cristão hoje
Não se há de entender o Cristianismo como um fóssil intocável. Mas como um arquétipo vivo que em cada geração mostra virtualidades novas e, no termo, ilimitadas. Nesse sentido cabe perguntar: o que o Cristianismo, em comunhão com outros caminhos espirituais, poderá trazer de bom para a preservação da integridade da criação e para um futuro esperançador da humanidade? Eis algumas perspectivas:
Antes de mais nada o Cristianismo oferece aquilo que ninguém e nenhuma sociedade pode prescindir: uma utopia, fundadora de um sentido pleno. A utopia cristã promete: o fim do universo e do ser humano é bom. Não vamos ao encontro de uma catástrofe mas de uma transfiguração. Portanto, não a morte e a cruz têm a última palavra mas a vida e a ressurreição. Jesus chamou a essa utopia de Reino de Deus que significa uma revolução absoluta, fazendo com que todas as coisas realizem suas potencialidades intrínsecas e assim explodam e implodam num absoluto sentido, chamado Deus.
Mas não existe apenas a utopia, o Reino. Vigora também a anti-utopia, o anti-Reino. Na verdade, o Reino se constrói no confronto com o anti-Reino que são forças que desagregam e desviam o ser humano de sua utopia essencial. Ele ganha corpo em movimentos históricos e em pessoas que articulam discriminações, ódios e mecanismos de morte. É nesse nível que se trava incansáve luta entre o sim-bólico e o dia-bólico. Face a esse embate o Cristianismo testemunha: o dia-bólico, por mais forte que se mostre, não consegue prevalecer absolutamente. O sim-bólico não apenas limita a virulência do dia-bólico senão que se revela capaz de crescer no confronto com ele e assim vencê-lo. A cruz cristã revela a coexistência do dia-bólico (expressão de ódio) com o sim-bólico (prova de amor).
Esta estrutura dia-bólica/sim-bólica (caos/cosmos) pervade toda a realidade e o próprio Cristianismo. Nele há negações e contradições. A tradição da teologia sempre falou que a Igreja é “casta meretriz”, casta porque vive a dimensão do Espírito e meretriz porque sucumbe, tantas vezes, à dimensão da Carne.
Apesar desta contradição, intrínseca à realidade, podemos, pois, olhar para o futuro com jovialidade e não com pavor. A luz tem mais direito que as trevas. O caminho está aberto para cima e para frente. E ele é promissor.
Em que se funda o triunfo desta utopia? Funda-se no fato de que Deus mesmo entrou em nosso processo evolucionário através de sua encarnação no judeu Jesus de Nazaré. Deus fez-se humano pobre e excluído. A partir da encarnação, tudo é divino, pois tudo foi assumido por Deus. O que Deus assumiu também eternizou. O universo e a humanidade pertencem definitivamente à realidade de Deus. Somos também Deus por participação. Logo, estamos inapelavelmente salvos de todas as nossas errâncias.
Onde é o lugar de verificação desta utopia? Na ressurreição do Crucificado. Mas ressurreição não é sinônimo de reanimação de um cadáver, uma volta à vida mortal anterior, como ocorreu com Lázaro que afinal acabou morrendo novamente. Ressurreição é uma revolução na evolução: transporta o ser humano ao termo da história, realizando-o absolutamente. Por isso ela comparece como a concretização da utopia do Reino nesse homem concreto, Jesus de Nazaré. Ele representa uma antecipação e uma miniatura do que será ridente realidade no futuro de todos e também do universo do qual somos parte e parcela. O homem latente no processo evolucionário agora virou homem patente no seu termo benaventurado.
Todos ressuscitaremos. Consequentemente, não vivemos para morrer. Mas morremos para ressuscitar. Para viver mais, melhor e para sempre. Pela ressurreição se responde ao mais entranhável desejo humano: superar a morte e viver em plenitude para sempre. Só esse dado revela as boas razões da relevância do Cristianismo para fenômeno humano universal. Esse acontecimento da ressurreição deslanchou, naturalmente, a pergunta: quem é esse no qual se realizou a utopia? É aqui que começou o processo de decifração de Jesus por parte de seus seguidores. Começaram por chamá-lo de Mestre, de Senhor, de Cristo e de Filho de Deus. Como nenhuma destas palavras colhia todo o seu mistério, arriscaram chamá-lo de Deus, Deus encarnado em nossa miséria. E aí se calaram, reverentes, pois se davam conta de que usavam um mistério para interpretar outro mistério. Ousadia da fé. Essa é a compreensão dos discípulos e de todas as Igrejas cristãs.
E Jesus, como se entendia a si mesmo? As indicações mais seguras revelam que possuía a consciência de ser Filho de Deus. Consequentemente invocava a Deus como Pai, especificamente, como Abba, expressão infantil para dizer: “meu querido paizinho”. Os qualificativos que confere a esse Pai são todos maternos, pois possui entranhas, cuida de cada cabelo de nossa cabeça, mostra infinita misericórdia e ama a todos indistintamente, até os ingratos e maus. O Deus-Pai é materno ou o Deus-Mãe é paterno.
Ao descobrir-se Filho de Deus, Jesus nos fez descobrir que somos também filhos e filhas de Deus. Essa é a suprema dignidade, revelada a todos os humanos, por mais humílimos que sejam, mesmo não professantes da fé cristã.
Se filhos e filhas, então somos todos irmãos e irmãs uns dos outros. Esta irmandade universal é a base para o amor, para a fraternura, para o cuidado, para as relações de cooperação, de inclusão, enfim, para o sonho democrático como valor universal.
Todas estas excelências não se realizaram num César no apogeu de seu poder, nem num Sumo-sacerdote no exercício de sua sacralidade. Mas num simples operário de subúrbio, pobre e desconhecido, no carpinteiro ou fazedor de telhados, Jesus. Esse foi o caminho de Deus ao encarnar-se. Pobre, Jesus optou pelos pobres chamando-os de benaventurados. Não porque sejam operosos ou bons. Mas porque, independente de sua condição moral, os vê como os primeiros beneficiários da ação libertadora de Deus. Deus sendo um Deus vivo e fonte de vida, opta, desde suas entranhas, pelos que menos vida têm. Ao realizar o Reino começa por eles e depois se abre aos demais. Por isso Jesus podia dizer: “felizes são vocês pois o Reino lhes pertence”. Só a partir deles o evangelho emerge como boa-notícia de libertação.
Jesus não só optou pelos pobres, identificou-se com eles. Por isso, como Juiz supremo, se esconde atrás deles. “O que tiverdes feito a um desses meus irmãos menores, foi a mim que o fizestes e o que o deixastes de fazer a eles, foi a mim que deixastes de fazer”. A questão dos pobres é tão central que por ela passam os critérios da verdadeira Igreja. Uma Igreja que não confere centralidade aos pobres e não assume a causa da justiça dos pobres não está na herança de Jesus.
Se alguém se sente Filho de Deus e invoca a Deus como seu Pai compromete a compreensão mesma de Deus. Diz-se ainda que é somente na força do Sopro, do Espírito, que alguém pode dizer-se Filho de Deus. Então Deus não é mais solidão mas comunhão de Pai, Filho e Espírito. É o que o Cristianismo quer significar ao dizer que Deus é Trindade. Não quer multiplicar Deus, pois esse é sempre um e único. O único não se multiplica. Não estamos no campo da matemática. O três expressa o arquétipo da comunhão perfeita. Se Deus fosse um só haveria a solidão. Se fosse dois, reinaria a separação, pois um é distinto do outro. Sendo três vigora a comunhão de todos com todos. O três significa menos o número do que a afirmação de que sob o nome Deus se verificam diferenças que não se excluem mas se incluem, que não se opõem, mas se põem em comunhão. A distinção é para a união.
Se a última realidade é relação e comunhão, entendemos naturalmente o que nos ensinam a física quântica e a cosmologia contemporânea: que tudo é relação e nada existe fora da relação; tudo comunga com tudo em todos os pontos e em todas as circunstâncias, pois tudo é sacramento de Deus-comunhão-de-Pessoas.
De nada valem essas doutrinas se não se transformarem em experiências e em novo estado de consciência. O Cristianismo é menos algo para se compreender intelectualmente do que para se viver afetivamente. Junto com outras tradições espirituais da humanidade ajuda a alimentar a chama sagrada que carregamos. Não somos errantes num vale de lágrimas mas sob a luz e o calor desta chama nos sentimos no monte das benaventuranças, como filhos e filhas da alegria.
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O sentido de ser cristão hoje
Não se há de entender o Cristianismo como um fóssil intocável. Mas como um arquétipo vivo que em cada geração mostra virtualidades novas e, no termo, ilimitadas. Nesse sentido cabe perguntar: o que o Cristianismo, em comunhão com outros caminhos espirituais, poderá trazer de bom para a preservação da integridade da criação e para um futuro esperançador da humanidade? Eis algumas perspectivas:
Antes de mais nada o Cristianismo oferece aquilo que ninguém e nenhuma sociedade pode prescindir: uma utopia, fundadora de um sentido pleno. A utopia cristã promete: o fim do universo e do ser humano é bom. Não vamos ao encontro de uma catástrofe mas de uma transfiguração. Portanto, não a morte e a cruz têm a última palavra mas a vida e a ressurreição. Jesus chamou a essa utopia de Reino de Deus que significa uma revolução absoluta, fazendo com que todas as coisas realizem suas potencialidades intrínsecas e assim explodam e implodam num absoluto sentido, chamado Deus.
Mas não existe apenas a utopia, o Reino. Vigora também a anti-utopia, o anti-Reino. Na verdade, o Reino se constrói no confronto com o anti-Reino que são forças que desagregam e desviam o ser humano de sua utopia essencial. Ele ganha corpo em movimentos históricos e em pessoas que articulam discriminações, ódios e mecanismos de morte. É nesse nível que se trava incansáve luta entre o sim-bólico e o dia-bólico. Face a esse embate o Cristianismo testemunha: o dia-bólico, por mais forte que se mostre, não consegue prevalecer absolutamente. O sim-bólico não apenas limita a virulência do dia-bólico senão que se revela capaz de crescer no confronto com ele e assim vencê-lo. A cruz cristã revela a coexistência do dia-bólico (expressão de ódio) com o sim-bólico (prova de amor).
Esta estrutura dia-bólica/sim-bólica (caos/cosmos) pervade toda a realidade e o próprio Cristianismo. Nele há negações e contradições. A tradição da teologia sempre falou que a Igreja é “casta meretriz”, casta porque vive a dimensão do Espírito e meretriz porque sucumbe, tantas vezes, à dimensão da Carne.
Apesar desta contradição, intrínseca à realidade, podemos, pois, olhar para o futuro com jovialidade e não com pavor. A luz tem mais direito que as trevas. O caminho está aberto para cima e para frente. E ele é promissor.
Em que se funda o triunfo desta utopia? Funda-se no fato de que Deus mesmo entrou em nosso processo evolucionário através de sua encarnação no judeu Jesus de Nazaré. Deus fez-se humano pobre e excluído. A partir da encarnação, tudo é divino, pois tudo foi assumido por Deus. O que Deus assumiu também eternizou. O universo e a humanidade pertencem definitivamente à realidade de Deus. Somos também Deus por participação. Logo, estamos inapelavelmente salvos de todas as nossas errâncias.
Onde é o lugar de verificação desta utopia? Na ressurreição do Crucificado. Mas ressurreição não é sinônimo de reanimação de um cadáver, uma volta à vida mortal anterior, como ocorreu com Lázaro que afinal acabou morrendo novamente. Ressurreição é uma revolução na evolução: transporta o ser humano ao termo da história, realizando-o absolutamente. Por isso ela comparece como a concretização da utopia do Reino nesse homem concreto, Jesus de Nazaré. Ele representa uma antecipação e uma miniatura do que será ridente realidade no futuro de todos e também do universo do qual somos parte e parcela. O homem latente no processo evolucionário agora virou homem patente no seu termo benaventurado.
Todos ressuscitaremos. Consequentemente, não vivemos para morrer. Mas morremos para ressuscitar. Para viver mais, melhor e para sempre. Pela ressurreição se responde ao mais entranhável desejo humano: superar a morte e viver em plenitude para sempre. Só esse dado revela as boas razões da relevância do Cristianismo para fenômeno humano universal. Esse acontecimento da ressurreição deslanchou, naturalmente, a pergunta: quem é esse no qual se realizou a utopia? É aqui que começou o processo de decifração de Jesus por parte de seus seguidores. Começaram por chamá-lo de Mestre, de Senhor, de Cristo e de Filho de Deus. Como nenhuma destas palavras colhia todo o seu mistério, arriscaram chamá-lo de Deus, Deus encarnado em nossa miséria. E aí se calaram, reverentes, pois se davam conta de que usavam um mistério para interpretar outro mistério. Ousadia da fé. Essa é a compreensão dos discípulos e de todas as Igrejas cristãs.
E Jesus, como se entendia a si mesmo? As indicações mais seguras revelam que possuía a consciência de ser Filho de Deus. Consequentemente invocava a Deus como Pai, especificamente, como Abba, expressão infantil para dizer: “meu querido paizinho”. Os qualificativos que confere a esse Pai são todos maternos, pois possui entranhas, cuida de cada cabelo de nossa cabeça, mostra infinita misericórdia e ama a todos indistintamente, até os ingratos e maus. O Deus-Pai é materno ou o Deus-Mãe é paterno.
Ao descobrir-se Filho de Deus, Jesus nos fez descobrir que somos também filhos e filhas de Deus. Essa é a suprema dignidade, revelada a todos os humanos, por mais humílimos que sejam, mesmo não professantes da fé cristã.
Se filhos e filhas, então somos todos irmãos e irmãs uns dos outros. Esta irmandade universal é a base para o amor, para a fraternura, para o cuidado, para as relações de cooperação, de inclusão, enfim, para o sonho democrático como valor universal.
Todas estas excelências não se realizaram num César no apogeu de seu poder, nem num Sumo-sacerdote no exercício de sua sacralidade. Mas num simples operário de subúrbio, pobre e desconhecido, no carpinteiro ou fazedor de telhados, Jesus. Esse foi o caminho de Deus ao encarnar-se. Pobre, Jesus optou pelos pobres chamando-os de benaventurados. Não porque sejam operosos ou bons. Mas porque, independente de sua condição moral, os vê como os primeiros beneficiários da ação libertadora de Deus. Deus sendo um Deus vivo e fonte de vida, opta, desde suas entranhas, pelos que menos vida têm. Ao realizar o Reino começa por eles e depois se abre aos demais. Por isso Jesus podia dizer: “felizes são vocês pois o Reino lhes pertence”. Só a partir deles o evangelho emerge como boa-notícia de libertação.
Jesus não só optou pelos pobres, identificou-se com eles. Por isso, como Juiz supremo, se esconde atrás deles. “O que tiverdes feito a um desses meus irmãos menores, foi a mim que o fizestes e o que o deixastes de fazer a eles, foi a mim que deixastes de fazer”. A questão dos pobres é tão central que por ela passam os critérios da verdadeira Igreja. Uma Igreja que não confere centralidade aos pobres e não assume a causa da justiça dos pobres não está na herança de Jesus.
Se alguém se sente Filho de Deus e invoca a Deus como seu Pai compromete a compreensão mesma de Deus. Diz-se ainda que é somente na força do Sopro, do Espírito, que alguém pode dizer-se Filho de Deus. Então Deus não é mais solidão mas comunhão de Pai, Filho e Espírito. É o que o Cristianismo quer significar ao dizer que Deus é Trindade. Não quer multiplicar Deus, pois esse é sempre um e único. O único não se multiplica. Não estamos no campo da matemática. O três expressa o arquétipo da comunhão perfeita. Se Deus fosse um só haveria a solidão. Se fosse dois, reinaria a separação, pois um é distinto do outro. Sendo três vigora a comunhão de todos com todos. O três significa menos o número do que a afirmação de que sob o nome Deus se verificam diferenças que não se excluem mas se incluem, que não se opõem, mas se põem em comunhão. A distinção é para a união.
Se a última realidade é relação e comunhão, entendemos naturalmente o que nos ensinam a física quântica e a cosmologia contemporânea: que tudo é relação e nada existe fora da relação; tudo comunga com tudo em todos os pontos e em todas as circunstâncias, pois tudo é sacramento de Deus-comunhão-de-Pessoas.
De nada valem essas doutrinas se não se transformarem em experiências e em novo estado de consciência. O Cristianismo é menos algo para se compreender intelectualmente do que para se viver afetivamente. Junto com outras tradições espirituais da humanidade ajuda a alimentar a chama sagrada que carregamos. Não somos errantes num vale de lágrimas mas sob a luz e o calor desta chama nos sentimos no monte das benaventuranças, como filhos e filhas da alegria.
*
Aos puros de coração
A Vida venceu a morte. O Bem venceu o mal. A Luz venceu as trevas.
É tempo de Ressurreição. Tempo de Renascimento. Tempo de Reconstrução.
Desperta o espiritual em nós.
Brilha o sol interior.
Alegria. Alegria.
Video: http://www.youtube.com/watch?v=xdRyNea19PE&feature=fvwrel
*
É tempo de Ressurreição. Tempo de Renascimento. Tempo de Reconstrução.
Desperta o espiritual em nós.
Brilha o sol interior.
Alegria. Alegria.
Video: http://www.youtube.com/watch?v=xdRyNea19PE&feature=fvwrel
*
sábado, 23 de abril de 2011
Malhação de Judas
Hoje é Sábado de Aleluia, último dia da Semana Santa dos cristãos.
Também chamado Sábado Santo e até Sábado Negro, é o dia em que Cristo desceu ao reino da morte, aos Infernos, ao Hades, ao reino das sombras e das Trevas, antes da Ressurreição.
É no Sábado de Aleluia que se promove popularmente a Malhação de Judas, o traidor de Jesus.
Quando menina, na periferia de São Paulo, eu e meu irmão ajudávamos a molecada da rua a fazer os bonecos com roupas velhas recheados de trapos, palha, papel picado, para serem linchados ao meio-dia, a golpes de porretes e sob a gritaria e o alvoroço geral da criançada...
Com a corrupção na política, anos depois estes bonecos passaram a encarnar saqueadores do dinheiro público. O nefasto Maluf foi aqui em São Paulo um dos "judas" mais malhados anos e anos...
Judas é o símbolo do Mal. Péssimo caráter, sem escrúpulos e obsecado por dinheiro.
Na vida real, no cotidiano de todos nós, quantas e quantas vezes cruzamos com discípulos aplicadíssimos de Judas, com fieis e devotados servidores do Maligno, e sofremos com suas vigarices, com suas trapaças, com seus crimes?
Estes Seres das Trevas, que se instalam muitas vezes em nossas famílias, roubando nossa mãe, lesando nosso pai, mentindo, tramando, traindo, semeando discórdias e fomentando golpes, doenças e mortes, estes Seres das Trevas são o que chamamos aqui psicopatas, mentes satânicas, almas obscurecidas pela inveja, ganância, arrogância.
E o que fazer diante deste Mal? Como nós, cidadãs e cidadãos servidores da Luz, devemos lidar com essa gentalha?
Seguidora de Gandhi, o Mahatma, a Grande Alma, conhecido mundialmente por sua prática de Ahimsa (Não Violência) na derrubada do Império Britânico que subjugou a Índia por quase um século, já disse aqui com todas as letras: toda a ação cidadã deve ser dentro da lei. Nada de baixarias e ilícitos. Muito menos violência física, moral, psicológica...
Não podemos nos igualar a estes escroques. É isso mesmo o que eles querem: nos puxar pra baixo, pro rodapé imundo onde estes parasitas vivem...
A surra que estes pulhas merecem tem que ser dada com classe, com luva de pelica, dentro do ordenamento jurídico vigente, no Judiciário, que infelizmente nem sempre é lá também "flor que se cheire"...
Reitero: para a reparação de todas as violações de direito que sofrerem, abram a boca, denunciem, reclamem, indaguem, cobrem, exijam, reivindiquem, "acendam holofotes" sobre esta escória da humanidade...
Ativista dos direitos humanos, dos direitos dos animais e da proteção ambiental, esta reles blogueira é também pacifista. E jamais faria apologia, proselitismo, de qualquer tipo de violência. Mas em caráter simbólico, para declarar mais uma vez de que lado se encontra na Vida, reproduz abaixo imagens de uma surra ficcional homérica desferida numa psicopata fétida e hedionda.
"Cobra" apanhando e estrebuchando...
Link do vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=hpPK_P7d09w
* Novela "Caminho das Índias": Melissa Cadore (Christiane Torloni) dá um corretivo na psicopata Yvone Magalhães (Letícia Sabatella).
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Também chamado Sábado Santo e até Sábado Negro, é o dia em que Cristo desceu ao reino da morte, aos Infernos, ao Hades, ao reino das sombras e das Trevas, antes da Ressurreição.
É no Sábado de Aleluia que se promove popularmente a Malhação de Judas, o traidor de Jesus.
Quando menina, na periferia de São Paulo, eu e meu irmão ajudávamos a molecada da rua a fazer os bonecos com roupas velhas recheados de trapos, palha, papel picado, para serem linchados ao meio-dia, a golpes de porretes e sob a gritaria e o alvoroço geral da criançada...
Com a corrupção na política, anos depois estes bonecos passaram a encarnar saqueadores do dinheiro público. O nefasto Maluf foi aqui em São Paulo um dos "judas" mais malhados anos e anos...
Judas é o símbolo do Mal. Péssimo caráter, sem escrúpulos e obsecado por dinheiro.
Na vida real, no cotidiano de todos nós, quantas e quantas vezes cruzamos com discípulos aplicadíssimos de Judas, com fieis e devotados servidores do Maligno, e sofremos com suas vigarices, com suas trapaças, com seus crimes?
Estes Seres das Trevas, que se instalam muitas vezes em nossas famílias, roubando nossa mãe, lesando nosso pai, mentindo, tramando, traindo, semeando discórdias e fomentando golpes, doenças e mortes, estes Seres das Trevas são o que chamamos aqui psicopatas, mentes satânicas, almas obscurecidas pela inveja, ganância, arrogância.
E o que fazer diante deste Mal? Como nós, cidadãs e cidadãos servidores da Luz, devemos lidar com essa gentalha?
Seguidora de Gandhi, o Mahatma, a Grande Alma, conhecido mundialmente por sua prática de Ahimsa (Não Violência) na derrubada do Império Britânico que subjugou a Índia por quase um século, já disse aqui com todas as letras: toda a ação cidadã deve ser dentro da lei. Nada de baixarias e ilícitos. Muito menos violência física, moral, psicológica...
Não podemos nos igualar a estes escroques. É isso mesmo o que eles querem: nos puxar pra baixo, pro rodapé imundo onde estes parasitas vivem...
A surra que estes pulhas merecem tem que ser dada com classe, com luva de pelica, dentro do ordenamento jurídico vigente, no Judiciário, que infelizmente nem sempre é lá também "flor que se cheire"...
Reitero: para a reparação de todas as violações de direito que sofrerem, abram a boca, denunciem, reclamem, indaguem, cobrem, exijam, reivindiquem, "acendam holofotes" sobre esta escória da humanidade...
Ativista dos direitos humanos, dos direitos dos animais e da proteção ambiental, esta reles blogueira é também pacifista. E jamais faria apologia, proselitismo, de qualquer tipo de violência. Mas em caráter simbólico, para declarar mais uma vez de que lado se encontra na Vida, reproduz abaixo imagens de uma surra ficcional homérica desferida numa psicopata fétida e hedionda.
"Cobra" apanhando e estrebuchando...
Link do vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=hpPK_P7d09w
* Novela "Caminho das Índias": Melissa Cadore (Christiane Torloni) dá um corretivo na psicopata Yvone Magalhães (Letícia Sabatella).
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sexta-feira, 22 de abril de 2011
Planeta Terra: caos e esperança
É sempre animador ler o teólogo, filósofo e ambientalista Leonardo Boff. Num dia como o de hoje, quando celebramos o Dia Mundial da Terra, Mãe maltratada por filhos ignorantes e ingratos, o artigo abaixo é alento e reconforto, apontando mais uma vez para, diante do caos, a possibilidade da superação pela expansão da consciência. A essa mesma esperança nos remete a belíssima canção de Flávio Venturini.
Quem leu meu artigo anterior O antropoceno:uma nova era geológica deve ter ficado desolado. E com razão, pois, quis intencionalmente provocar tal sentimento. Com efeito, a visão de mundo imperante, mecanicista, utilitarista, antropocêntrica e sem respeito pela Mãe Terra e pelos limites de seus ecossistemas só pode levar a um impasse perigoso: liquidar com as condições ecológicas que nos permitem manter nossa civilização e a vida humana neste esplendoroso Planeta.
Mas como tudo tem dois lados, vejamos o lado promissor da atual crise: o alvorecer de uma nova era, a do Ecozóico. Esta expressão foi sugerida por um dos maiores astrofísicos atuais, diretor do Centro para a História do Universo, do Instituto de Estudos Integrais da Califórnia: Brian Swimme.
Que significa a Era do Ecozóico? Significa colocar o ecológico como a realidade central a partir da qual se organizam as demais atividades humanas, principalmente a econômica, de sorte que se preserve o capital natural e se atenda as necessidades de toda a comunidade vida presente e futura. Disso resulta um equilíbrio em nossas relações para com a natureza e a sociedade no sentido da sinergia e da mútua pertença deixando aberto o caminho para frente.
Vivíamos sob o mito do progresso. Mas este foi entendido de forma distorcida como controle humano sobre o mundo não-humano para termos um PIB cada vez maior. A forma correta é entender o progresso em sintonia com a natureza e sendo medido pelo funcionamento integral da comunidade terrestre. O Produto Interno Bruto não pode ser feito à custa do Produto Terrestre Bruto. Aqui está o nosso pecado original.
Esquecemos que estamos dentro de um processo único e universal – a cosmogênese – diverso, complexo e ascendente. Das energias primordiais chegamos à matéria, da matéria à vida e da vida à consciência e da consciência à mundialização. O ser humano é a parte consciente e inteligente deste processo. É um evento acontecido no universo, em nossa galáxia, em nosso sistema solar, em nosso Planeta e nos nossos dias.
A premissa central do Ecozóico é entender o universo enquanto conjunto das redes de relações de todos com todos. Nós humanos, somos essencialmente, seres de intrincadíssimas relações. E entender a Terra com um superorganismo vivo que se autoregula e que continuamente se renova. Dada a investida produtivista e consumista dos humanos, este organismo está ficando doente e incapaz de “digerir” todos os elementos tóxicos que produzimos nos últimos séculos. Pelo fato de ser um organismo, não pode sobreviver em fragmentos mas na sua integralidade. Nosso desafio atual é manter a integridade e a vitalidade da Terra. O bem-estar da Terra é o nosso bem-estar.
Mas o objetivo imediato do Ecozóico não é simplesmente diminuir a devastação em curso, senão alterar o estado de consciência, responsável por esta devastação. Quando surgiu o cenozóico (a nossa era há 66 milhões de anos) o ser humano não teve influência nenhuma nele. Agora no Ecozóico, muita coisa passa por nossas decisões: se preservamos uma espécie ou um ecossistema ou os condenamos ao desaparecimento. Nós copilotamos o processo evolucionário.
Positivamente, o que a era ecozóica visa, no fim das contas, é alinhar as atividades humanas com as outras forças operantes em todo o Planeta e no Universo, para que um equilíbrio criativo seja alcançado e assim podermos garantir um futuro comum. Isso implica um outro modo de imaginar, de produzir, de consumir e de dar significado à nossa passagem por este mundo. Esse significado não nos vem da economia mas do sentimento do sagrado face ao mistério do universo e de nossa própria existência. Isto é a espiritualidade.
Mais e mais pessoas estão se incorporando à era ecozóica. Ela, como se depreende, está cheia de promessas. Abre-nos uma janela para um futuro de vida e de alegria. Precisamos fazer uma convocação geral para que ela seja generalizada em todos os âmbitos e plasme a nova consciência.
Link do video: http://www.youtube.com/watch?v=_-7vWjCrynQ&feature=fvwrel
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Uma esperança: a Era do Ecozóico
Mas como tudo tem dois lados, vejamos o lado promissor da atual crise: o alvorecer de uma nova era, a do Ecozóico. Esta expressão foi sugerida por um dos maiores astrofísicos atuais, diretor do Centro para a História do Universo, do Instituto de Estudos Integrais da Califórnia: Brian Swimme.
Que significa a Era do Ecozóico? Significa colocar o ecológico como a realidade central a partir da qual se organizam as demais atividades humanas, principalmente a econômica, de sorte que se preserve o capital natural e se atenda as necessidades de toda a comunidade vida presente e futura. Disso resulta um equilíbrio em nossas relações para com a natureza e a sociedade no sentido da sinergia e da mútua pertença deixando aberto o caminho para frente.
Vivíamos sob o mito do progresso. Mas este foi entendido de forma distorcida como controle humano sobre o mundo não-humano para termos um PIB cada vez maior. A forma correta é entender o progresso em sintonia com a natureza e sendo medido pelo funcionamento integral da comunidade terrestre. O Produto Interno Bruto não pode ser feito à custa do Produto Terrestre Bruto. Aqui está o nosso pecado original.
Esquecemos que estamos dentro de um processo único e universal – a cosmogênese – diverso, complexo e ascendente. Das energias primordiais chegamos à matéria, da matéria à vida e da vida à consciência e da consciência à mundialização. O ser humano é a parte consciente e inteligente deste processo. É um evento acontecido no universo, em nossa galáxia, em nosso sistema solar, em nosso Planeta e nos nossos dias.
A premissa central do Ecozóico é entender o universo enquanto conjunto das redes de relações de todos com todos. Nós humanos, somos essencialmente, seres de intrincadíssimas relações. E entender a Terra com um superorganismo vivo que se autoregula e que continuamente se renova. Dada a investida produtivista e consumista dos humanos, este organismo está ficando doente e incapaz de “digerir” todos os elementos tóxicos que produzimos nos últimos séculos. Pelo fato de ser um organismo, não pode sobreviver em fragmentos mas na sua integralidade. Nosso desafio atual é manter a integridade e a vitalidade da Terra. O bem-estar da Terra é o nosso bem-estar.
Mas o objetivo imediato do Ecozóico não é simplesmente diminuir a devastação em curso, senão alterar o estado de consciência, responsável por esta devastação. Quando surgiu o cenozóico (a nossa era há 66 milhões de anos) o ser humano não teve influência nenhuma nele. Agora no Ecozóico, muita coisa passa por nossas decisões: se preservamos uma espécie ou um ecossistema ou os condenamos ao desaparecimento. Nós copilotamos o processo evolucionário.
Positivamente, o que a era ecozóica visa, no fim das contas, é alinhar as atividades humanas com as outras forças operantes em todo o Planeta e no Universo, para que um equilíbrio criativo seja alcançado e assim podermos garantir um futuro comum. Isso implica um outro modo de imaginar, de produzir, de consumir e de dar significado à nossa passagem por este mundo. Esse significado não nos vem da economia mas do sentimento do sagrado face ao mistério do universo e de nossa própria existência. Isto é a espiritualidade.
Mais e mais pessoas estão se incorporando à era ecozóica. Ela, como se depreende, está cheia de promessas. Abre-nos uma janela para um futuro de vida e de alegria. Precisamos fazer uma convocação geral para que ela seja generalizada em todos os âmbitos e plasme a nova consciência.
Link do video: http://www.youtube.com/watch?v=_-7vWjCrynQ&feature=fvwrel
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Dia da Terra Earth Day
Nós podemos salvar o Planeta. Basta mudar nossos hábitos e atitudes.
Comecemos, celebrando o Dia Internacional da Terra.
Carta à Mãe Terra
Comecemos, celebrando o Dia Internacional da Terra.
Carta à Mãe Terra
Link do vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=lliu5QLzhVs
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Jesus, o subversivo
Reproduzo abaixo post do amigo, companheiro de utopia, revolucionário, jornalista e blogueiro mais que solidário, Celso Lungaretti, do seu blog Náufrago da Utopia.
A BEM-AVENTURANÇA É SUBVERSIVA
Quando eu era criança, cinemas de bairro, na 6ª Feira Santa, só passavam filmes religiosos. Horríveis, malfeitos, de um primarismo atroz.
Um se chamava O Mártir do Calvário. Outro, Vida, Paixão e Morte do Nosso Senhor Jesus Cristo. Talvez houvesse mais, que eu não esteja recordando.
Um se chamava O Mártir do Calvário. Outro, Vida, Paixão e Morte do Nosso Senhor Jesus Cristo. Talvez houvesse mais, que eu não esteja recordando.
As cópias eram sempre as mesmas, já que não compensava fazer novas para aproveitá-las só uma vez por ano. Estavam em petição de miséria, tremidas, puladas, chuviscadas e embaçadas.
Os cinemas não queriam pagar um aluguel mais caro por uma superprodução como Os Dez Mandamentos, p. ex. Mesmo porque, com seus 220 minutos, ficaria restrita a duas sessões. Mau negócio.
O certo é que, na minha infância, eu me tornei avesso a filmes bíblicos. Além de não me interessarem, impediam que eu aproveitasse a folga escolar como gostava, vendo bangue-bangues, comédias, ficção-científica, capa-e-espada, etc. De que valia um feriado sem matinê?
Lá pelos 17 anos, no começo do meu engajamento político, assisti com algum interesse à visão marxista da trajetória de Cristo: O Evangelho Segundo São Mateus (1964), de Pier Paolo Pasolini. Mas, não me deslumbrei. Muito seco, parecendo mais teatro do que cinema.
Em 1973, entretanto, Jesus Christ Superstar me atingiu como um raio.
Transposição para o cinema da opera-rock de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, era, em primeiro lugar, belíssimo, com ótimas coreografias, músicas marcantes e o verdadeiro achado de filmá-lo em ruínas e desertos de Israel.
Norman Jewison, o diretor, tem grandes filmes no seu currículo, como A Mesa do Diabo (1965), No Calor da Noite (1967), Rollerball - Os Gladiadores do Futuro (1975), A História de um Soldado (1984) e Hurricane (1999). Faz mais o gênero artesão, mas com muito bom gosto e sensibilidade.
O que mais me fez a cabeça foram as letras pra lá de inteligentes de Tim Rice, apropriadíssimas para cada situação enfocada (o filme mostra os últimos sete dias de Cristo), além de proporem um enfoque absolutamente novo e fascinante: os personagens principais do drama bíblico são mostrados como prisioneiros da História, forçados a agir contra suas predileções e sua personalidade.
Cristo segue as ordens de Deus, mas gostaria mesmo é de continuar vivo. Sua relutância e temor do sacrifício se ressalta, principalmente, na sequência da primorosa música "Gethsemane", quando Ele pergunta ao Criador por que, afinal, deve morrer. No final, pede que, se essa é a vontade de Deus, então que o mate e o pregue na cruz... mas, faça-o logo, antes que ele mude de idéia.
Pilatos não vê crime em Cristo e tenta salvá-lo de todas as maneiras, só cedendo diante da fúria da multidão, que ameaça denunciá-lo a César.
Judas não quer ser delator, mas teme a retaliação sanguinária de Roma sobre seu povo, caso a pregação de Cristo prossiga. O episódio da expulsão dos vendilhões do templo o leva a crer que a situação foge ao controle e terminará num banho de sangue. É quando decide entregar Cristo aos inimigos.
Caifás quer preservar a autoridade dos sacerdotes, temendo também que Roma intervenha caso eles já não consigam mais manter dócil o povo.
Enfim, nunca me agradou a visão de que o drama já fora traçado nas alturas e era representado mecanicamente pelos personagens, obedecendo à vontade de Deus. Tornavam-se todos títeres, incapazes de provocar empatia.
Ao humanizar esses personagens, destacando o sofrimento que lhes causava o papel para o qual estavam sendo empurrados, a ópera-rock e o filme apresentaram o drama bíblico como uma tragédia nos moldes gregos, em que homens imbuídos até de boas intenções acabam presos numa armadilha do Destino, sem escapatória.
Esse evangelho da era hippie continua sendo o melhor de todos; um clássico.
Até porque os apóstolos e os hippies tinham mesmo muito em comum, com sua mensagem de paz e amor contrariando os desígnios dos poderosos e sendo por eles duramente combatida -- já que, para os senhores do mundo, a bem-aventurança é sempre subversiva.
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