ALMA ATIVISTA
Lutar pelos mais frágeis, humanos ou não. Falar pelos que não têm voz. Defender direitos de muitos, de vários, de todos, e não apenas os interesses próprios, nem sempre legítimos.
Assim são os ativistas.
Indignados, inconformados.
Nem sempre compreendidos, por sua ação firme, incansável, ousada, eles desestabilizam, perturbam, inquietam, põem o dedo na ferida, "desafinando o coro dos contentes".
É assim que o mundo avança.
Nina Rosa Jacob
De família rica, ex-modelo internacional, a extraordinária ativista e protetora Nina Rosa Jacob fundou o Instituto Nina Rosa, que com carinho e coragem e sob o lema "Projetos por Amor à Vida" atua vigorosamente na defesa dos animais.
Entrevista de Nina Rosa à Revista Época
Gisela Anauate
A senhora sempre gostou de animais?
Quando era pequena, tinha uma cadela dogue alemã, chamada Nora. Ela era uma grande paixão. Não me lembro muito bem da minha infância, mas meus irmãos contam que eu fiquei bem deprimida quando ela morreu. Eu tinha uns sete anos. Depois disso, nunca mais tive nenhum bicho de estimação, até os 40 anos de idade. Foi quando uma das minhas irmãs se mudou para a França e meus sobrinhos pediram que eu ficasse com sua cocker de estimação, que se chamava Cléo. Resisti um pouco, mas acabei aceitando. Ela deu cria e fiquei com um dos filhotes, a Chica. Gostava muito das duas, mas tinha uma vida muito enlouquecida como produtora de moda, e não podia dar tanta atenção. Talvez fosse o medo de me entregar e sofrer com uma nova perda. Mas quando a Cléo ficou doente e morreu, caiu a ficha. Na verdade, era mais uma tampa de bueiro! (risos). Mudei minha relação com a Chica e me entreguei totalmente. Foi até um exagero. Aí foi a vez da Chica adoecer e morrer. Sofri tanto, que me propus a não colocar tanto amor numa relação com um ser só. Decidi distribuir esse amor ao máximo de animais que pudesse. Foi o início do que seria muitos anos depois o Instituto Nina Rosa. Ele nasceu com o nome de Chicleo, a junção do nome das duas cadelinhas, mas uma amiga me convenceu a colocar meu nome.
Como descobriu sua vocação de protetora dos bichos?
Estava no auge da minha carreira de produtora de moda, organizando grandes desfiles. Mas sentia a necessidade de buscar algo que não sabia o que era. Era uma sensação. Decidi largar meu emprego com 47 anos. Passou um tempo e comecei um trabalho de protetora independente. Apareceu um cão sarnento na minha rua e levei-o a um veterinário. Como moro num apartamento, eu convenci um vizinho a deixá-lo no quintal de sua casa, onde eu poderia visitá-lo todos os dias para levar comida, dar injeção. O cachorro ficou tão lindo que ganhou o nome de Capitão. Ele andava todo imponente na rua. O dono da casa se apaixonou pelo Capitão e o adotou. Na mesma época, procurei uma organização de defesa dos animais para ser voluntária. Fui a uma entidade que hoje se chama Arca Brasil.
Como era trabalhar com moda?
Antes de ser produtora, eu fui modelo fotográfica durante oito anos. Comecei essa carreira depois de me separar. Eu me casei com 27 anos - se bem que minha idade mental era de 17 - e fiquei três anos com meu marido. Como modelo, fiz muitos comerciais de TV e algumas fotos de moda. Não existiam agências de modelos no Brasil, e eu tinha que fazer tudo: arrumar trabalho, cobrar, fazer preço. Trabalhava bastante e foi uma época bem próspera. Fui morar em Nova York com intenção de trabalhar, mas senti que deveria reavaliar minha vida, como está acontecendo agora. Voltei quatro meses depois ao Brasil porque meu pai estava doente. Aqui, não quis continuar trabalhando como modelo, mesmo tendo até uma campanha negociada. Em 80, a Yeda Amaral, da Santista, me chamou para ser produtora de moda. Comecei uma empresa com o Paulo Ramalho, que idealizava os grandes desfiles de moda. Ele seria como o Paulo Borges de hoje (organizador da São Paulo Fashion Week). Mas sou sagitariana e, para mim, liberdade é a coisa mais importante do mundo. Então resolvi sair da sociedade e trabalhar como freelancer. Produzi durante quatro anos seguidos desfiles na Alemanha Oriental e na Hungria. Levei alguns modelos brasileiros, como a Sílvia Pfeiffer e o Vítor Fasano. A Sílvia acabou se tornando uma grande amiga pessoal. Nessa época, eu usava o nome de Nina de Almeida. Porém, o trabalho não tinha nada a ver comigo. Eu me dedicava muito, mas não me sentia realizada. Os desfiles eram como filhos que eu paria e enterrava logo depois de acabar. Foi o contato com os animais que trouxe de volta algo que estava embutido em mim. Tenho um amor incondicional pelos bichos, não importa quão doentes ou feios eles sejam.
Quando se tornou vegetariana?
Em 76, quando estava em Nova York. Uma pessoa da alta sociedade reunia alguns artistas para um lanche nas noites de domingo. Lá, conheci uma garota que como eu estava sempre sozinha, e combinamos de almoçar no dia seguinte num restaurante vietnamita. Olhando o cardápio, a menina disse a seguinte frase: "Não como carne, pelos animais". Tinha amigos vegetarianos, mas jamais havia ouvido algo que fizesse tanto sentido. Desde então, nunca mais comi carne. A aceitação da minha família foi difícil. Meu pai era do Sul e fazia churrasco todos os domingos. Meu irmão cria bois como hobby! Mas me mantive firme e, com o tempo, comecei a perceber que não só a carne, mas outros produtos de origem animal também provinham da crueldade. Há 16 anos, virei vegana (vegetariana radical, que não come laticínios ou outros produtos de origem animal). Nunca mais vi aquela colega de Nova York, mas tenho muita gratidão por ela ter me aberto os olhos.
Comer carne é necessariamente participar da crueldade contra os bichos?
Sim. Temos responsabilidade se consumimos um produto que provém da violência. Os animais criados nascem, crescem e morrem de forma cruel. E a questão é muito mais dramática que apenas o bem estar animal. Um dos maiores prejuízos do onivorismo é para o meio-ambiente, que está adoecendo tanto quanto as pessoas que comem carne. A pecuária extensiva causa muitos desmatamentos para criação de pastos. A imensa quantidade de bois que são criados provoca desequilíbrios: seus dejetos poluem os lençóis freáticos e até sua flatulência, que contém gás metano, contribui para o aumento do efeito estufa. Fora todos os malefícios para a saúde humana. Os animais ficam tão aterrorizados na hora do abate, que isso passa para o sangue e para a carne. Quem come carne come um cadáver.
Consumir outros produtos de origem animal também é prejudicial para a natureza?
Sim. A maioria das pessoas não sabe que adquire produtos da dor. A ordenha mecânica das vacas, por exemplo. Se a vaca tem alguma dor ou uma inflamação nas tetas, ninguém vê. Os criadores injetam hormônios para elas produzirem dez vezes mais leite do que produziriam para um filhote. Aliás, os bezerros são brutalmente separados das mães quando nascem. O mel das abelhas também não é inocente, assim como a lã das ovelhas. Muitos produtos da indústria farmacêutica, cosmética e até de limpeza são testados em bichos. Há chimpanzés que são infectados várias vezes com o vírus HIV. Coelhos e gatos são envenenados, forçados a ingerir altas quantidades de produtos para os cientistas comprovarem se são tóxicos ou não. No entanto, os testes com bichos já se provaram inseguros. Eles muitas vezes não têm reações que os humanos podem ter, ou reagem a substâncias que podem ser importantes para a saúde humana. Mas as empresas continuam utilizando, com o objetivo de se proteger de possíveis processos judiciais. Se alguém tem algum problema de saúde por conta de um produto, as indústrias alegam que testaram diversas vezes. Alguns animais são usados em tantos testes que seria preferível que morressem.
Há alternativas para os testes em animais?
Testar em cobaias humanas é uma ideia. Mas ninguém ainda tem a resposta dessa pergunta. A ciência tem de pesquisar. O que se sabe é que testes em animais simplesmente não funcionam.
Qual é o papel do Instituto Nina Rosa?
É valorizar a vida animal através da educação humanitária. Damos apoio e incentivo a outras ONGs de proteção aos bichos também. Não adianta só ficar recolhendo animais na rua. É preciso trabalhar com a educação da população. Temos um vídeo chamado "Fulaninho, o cão que ninguém queria", que ensina as crianças que os bichos são seres que merecem respeito e afeição. Desde 2000, mais de 400 mil crianças assistiram ao filme. Já o documentário "A carne é fraca", que tem feito sucesso, tem como objetivo dar liberdade de escolha para as pessoas na hora de se alimentar. Se ela não conhece a produção de carne, não pode escolher ser vegetariana. O objetivo não é converter as pessoas para esse estilo de vida, mas informar. Muitas pessoas que assistiram a "A carne é fraca" fizeram o seguinte raciocínio: "nunca mais vou querer participar disso". Cada um faz o que sente que deve fazer.
É verdade que a senhora era fumante?
Sim, fumei durante uns 30 anos dois maços de cigarro por dia e parei ainda depois de virar vegetariana. Sempre tive interesse na espiritualidade, em buscar auto-conhecimento. Antes de ser protetora dos animais, tentei me encontrar fazendo vários cursos, trabalhei com vidas passadas, fiz o processo Hoffman (curso de reeducação emocional). Comecei a pensar que meus anjinhos não iam conseguir ficar perto de mim com a fumaça do cigarro (risos). Na mesma época, minha cadelinha Chica estava viva e tinha um problema pulmonar. Parei de fumar pouco antes da Chica morrer, em 94. Queria muito parar. Quando percebi que fumar era um ato inconsciente, que acendia cigarro quando atendia o telefone, por exemplo, comecei a comprar fumo e a fazer meus próprios cigarros. Então, para fumar, eu precisava das duas mãos. Aos poucos fui diminuindo o cigarro, mas tive um sonho que foi fundamental. Se eu te contar o que sonhei, não vai fazer sentido algum. Mas sei que acordei e nunca mais toquei num cigarro.
É adepta de alguma religião?
Fui criada como católica e até casei na igreja, mas procurei diversas religiões tentando me encontrar. Frequentei o espiritismo de Alan Kardec, a igreja Seicho No Iê, o budismo, já fui a comunidades alternativas... Mas atualmente sou um apanhado das religiões, não me prendo a nenhuma. Acho ótimo, pois estou aberta para o novo.
Considera-se uma pessoa solitária?
Sim. Desde criança. Eu estudava no Colégio Rio Branco, em São Paulo, e tinha duas amigas inseparáveis. Quando uma delas morreu num acidente de carro, não quis mais ficar lá. Tinha 13 anos, pedi para minha mãe me colocar num colégio interno. Ela chorou, mas aceitou. Era uma necessidade de ficar sozinha. Quando comecei a me conhecer melhor, percebi que eu era bicho-do-mato, não me relacionava bem com gente. Por outro lado, tenho uma facilidade total em lidar com animais, seja uma formiga, um boi ou um cachorro. Sempre me senti fora do padrão, mas não entendia. Foi muito dura essa vivência, até eu me descobrir, me aceitar e me respeitar. Ser uma pessoa que não bebe, não fuma, não come carne, não come ovo, não usa couro, não usa mel, nenhum produto animal, não é fácil. Hoje sou muito feliz, pois me conheço e respeito isso. Mas posso dizer que vivi minha vida inteira tentando me adaptar a uma vida padrão. Não tinha consciência de que tinha direito de ser diferente. No momento que percebi que havia outras pessoas que pensavam como eu, foi maravilhoso.
Como ganha a vida hoje?
Meu pai era um industrial, dono de uma fábrica de pincéis. Ele deixou aos filhos - quatro mulheres e um homem - muitas ações e patrimônios. Também ganhei bastante dinheiro quando era modelo e produtora. Com esses recursos, mantenho o Instituto Nina Rosa. Já minha vida particular praticamente não existe. Além de ter muitos projetos, preciso de um tempo sozinha. Adoro sair para almoçar ou ao cinema sozinha.
Como é sua rotina?
Acordo cedo e trabalho, trabalho, trabalho. Tenho um caderno ao lado da cama, pois se tenho alguma ideia durante a noite para meus projetos, já coloco no papel. Valorizo muito minha intuição, e acho que é por isso que gosto de ficar quieta e sozinha.
O que gosta de fazer nas horas vagas?
Gosto de ler, de escrever, de ir ao cinema. Quando quero descansar, fujo dos temas de bichos, senão fico trabalhando o tempo todo. Leio biografias - é uma forma de me comunicar com as pessoas - romances, sagas. Não gosto de coisas densas, negativas. Sou uma pessoa positiva por princípio. Pratico tai-chi-chuan e vou ao meu sítio, na Serra da Bocaina, uma vez por mês. Lá tenho uma égua que salvei de maus-tratos, algumas vaquinhas, cães. Mas no sítio não se mata nem mosca. Quando os animais morrem naturalmente, são enterrados.
Se o sistema de criação de animais em grande escala é cruel, seria legítimo um humano com um pequeno sítio dar o leite de uma vaquinha aos seus filhos?
Claro. O problema é a forma como isso é feito atualmente, em que animais são vistos como produtos, e não como seres vivos. É um mercado imoral.
E seria legítimo comer a carne da vaquinha?
Acho que os homens estão num estágio em que não é mais preciso matar um ser vivo para comer. Entre os animais, é natural, instintivo. Mas nós podemos plantar, colher, cozinhar.
O que gosta de comer?
Compro todos os produtos integrais e orgânicos. Os vegetarianos não precisam fazer sua dieta toda à base de soja. Hoje os supermercados têm cada vez mais oferecido produtos para quem não come carne ou laticínios. Têm surgido restaurantes veganos chiquérrimos. Já fiz quatro meses de crudivorismo (dieta alimentar em que se comem apenas alimentos crus), mas tenho pressão baixa e tive de parar. Pretendo voltar em breve, pois gostei muito. Há muita coisa boa para comer crua: castanhas, frutas secas...
Medicina natural ou alopatia?
Há duas semanas, machuquei o joelho numa queda e estou tomando antiinflamatórios. Mas geralmente me trato com terapias alternativas: homeopatia, acupuntura, florais e, se precisar, fitoterapia. Só comecei a ter convênio médico com 50 anos de idade, acredita? Era totalmente contra. Mas pensei que quando ficasse velha, não ter plano de saúde ia dar muito trabalho e despesa para quem fosse cuidar de mim.
Como ser um consumidor consciente?
Aqui no instituto, além de não comermos carne e de não usarmos nada que tenha origem animal, tentamos reaproveitar o máximo de água possível. Só compramos material de limpeza biodegradável, o Biowash, e usamos sabão de coco. Não é preciso comprar limpa-vidro, limpa-chão, limpa-azulejo. Dá para usar um produto só sem poluir o ambiente. Usamos calçados e cintos sintéticos, e malhas de acrílico em vez de lã.
É possível mudar o mundo assim?
É uma revolução individual, e é possível. Os fabricantes querem saber o que os consumidores querem. Se eles pararem de consumir produtos animais ou que desrespeitem o meio ambiente e exigirem produtos éticos, eles terão. Meu maior sonho é que exista a consciência de que toda a natureza é sagrada. Minhas ações mexem com muitos interesses. Preciso de proteção! Estou querendo tatuar um dragão no peito para cuidar de mim (risos).
Vídeo - Instituto Nina Rosa