JUDICIÁRIO E JUSTIÇA
Negro, morador de rua e catador de latinhas, detido durante as manifestações de junho, no Rio de Janeiro, portando um fraco de água sanitária e outro de "pinho sol", foi condenado a 5 anos de prisão [!!!!!!!!!] pelo juiz GUILHERME SHILLING POLLO DUARTE, que acolheu a denúncia em que o Ministério Público acusou o cidadão Rafael Vieira de portar "aparato incendiário ou explosivo" [!!!!!!!!!] .
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Morador de rua é condenado a 5 anos de prisão por carregar pinho sol e água sanitária
Laudo fala em "ínfima possibilidade" de produtos serem utilizados como bomba incendiária, mas juiz acatou o pedido do MP e condenou Rafael Vieira
Piero Locatelli
O morador de rua Rafael Vieira deverá passar cinco anos preso porque carregava um frasco de desinfetante Pinho Sol e outro de água sanitária durante manifestação no centro do Rio de Janeiro no dia 20 de junho.
O juiz Guilherme Shilling Pollo Duarte acatou a denúncia do Ministério Público, que o acusava de “porte de aparato incendiário ou explosivo”. “A utilização do material incendiário, no bojo de tamanha aglomeração de pessoas, é capaz de comprometer e criar risco considerável à incolumidade dos demais participantes”, diz o juiz em sua decisão, sobre o perigo dos dois frascos plásticos.
O laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil atestou que Vieira carregava produtos de limpeza. “[As substâncias têm] ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov”, dizia o laudo feito pouco mais de um mês após a detenção. Mesmo assim, o Ministério Público seguiu entendimento de que se tratava de “material incendiário” e enquadrou Vieira no inciso III do artigo 16 do estatuto do desarmamento, que proíbe carregar ou usar “artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.”
Na sua decisão, Shilling cita o depoimento do policial civil Eduardo Nogueira Vieitos em que ele explica porque Vieira era suspeito: “Havia muita gente na rua, mas o réu era o único com frascos na mão”.
Prisão
Vieira foi detido ao sair de uma loja abandonada no centro do Rio de Janeiro, que estava com suas portas arrombadas antes da sua chegada. Ele foi visto com os dois frascos que, segundo o depoimento dos policiais, eram “artefatos semelhantes ao coquetel molotov”.
Os protestos tinham se multiplicado pelo país na semana da prisão de Vieira. Depois de uma noite de dura repressão em São Paulo, na quinta-feira anterior, as manifestações se massificaram e ganharam o apoio até da grande imprensa, que antes clamava por "ordem". Assim como a maioria da imprensa, o juiz também utilizou a diferenciação entre bons e maus manifestantes. "O fato ocorreu enquanto centenas de milhares de pessoas reuniam-se, pacificamente, para reivindicar a melhoria dos serviços públicos. Naquele mesmo episódio verificou-se a presença da minoria, quase inexpressiva – se comparada com o restante de manifestantes – imbuída única e exclusivamente na realização de atos de vandalismo, tendentes a descreditar e desmerecer um debate democrático."
Segundo a defesa, não havia panos na boca das garrafas (como de costume nas bombas incendiárias), ao contrário do escrito no laudo, e os recipientes de plástico jamais serviriam como molotov, já que não se estilhaçam ao quebrar no chão (argumento que também consta no laudo).
Negro, morador de rua e catador de latinhas, Vieira é o primeiro condenado dos protestos de junho no Estado. Com 26 anos de idade, Vieira já havia sido preso duas vezes por roubo, em 2006 e 2008, e cumpriu as penas completas. Ainda cabem recursos a instâncias superiores, e a defesa não se pronunciou sobre o caso. O morador de rua deverá continuar preso no complexo presidiário de Japeri, município na região metropolitana do Rio, devido ao pedido de prisão cautelar feito pelo mesmo juiz.
CartaCapital
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JUDICIÁRIO E JUSTIÇA
"O Direito brasileiro pós-ditadura não é um formador de intelectuais, críticos ou pensadores. Passou a ser um conformador de burocratas, crédulos e sisudos. Os conceitos de transgressão, marginalidade, esquerda, pós-modernidade, sociedade assimétrica, pensamento complexo, marxismo, pensamento anárquico, que costumam agradar a intelectuais e pensadores em geral, continuam a amedrontar profissionais do Direito. Não poucos destes se mostram positivistas, legalistas, obedientes e encapsulados em seus ternos pretos, agora no modelito "mamãe quero dar". São os cânones da caretice, do capitalismo e do conservadorismo. Quando não da cepa do autoritarismo. (...)
O Direito ensinado no Brasil perdeu o sonho e a vocação. Foi estuprado pelo capitalismo personalista e portátil do concurso público. Emprenhou-se de um consumismo provinciano, mas essencialmente ególatra. Sem sonho não nascem intelectuais. (...)
O Poder Judiciário pós-Constituição de 88, decisivamente influenciado pela Constituição Cidadã, conseguiu coisas. Mas se nas décadas passadas seu pecado era não condenar poderosos, agora é escolher dentre eles quem cumpre pena. (...)
O pensamento jurídico brasileiro não está combatendo a discriminação na escolha ideológica de condenados do mensalão a serem presos. (...)
O continuado silêncio do Supremo Tribunal Federal é ruim. Não se pode fingir que não há críticas qualificadas do lado de fora."
Justiça, intelectuais, PT-PSDB e suspeitas
Jean Menezes de Aguiar
Vive-se um descrédito da Justiça brasileira. Com o processo do "mensalão", as coisas pioraram
Vive-se um descrédito da Justiça brasileira. Com o processo do "mensalão", as coisas pioraram. Talvez os fatores mais visíveis nem sejam o Judiciário, o Direito ou seus operadores. Mas uma visão crítica e ultraqualificada, alvissareiramente vadia – no melhor dos sentidos - e descolada do pensamento conservador. Tipicamente intelectual e à deriva, existente no lado de fora.
O Direito brasileiro pós-ditadura não é um formador de intelectuais, críticos ou pensadores. Passou a ser um conformador de burocratas, crédulos e sisudos. Os conceitos de transgressão, marginalidade, esquerda, pós-modernidade, sociedade assimétrica, pensamento complexo, marxismo, pensamento anárquico, que costumam agradar a intelectuais e pensadores em geral, continuam a amedrontar profissionais do Direito. Não poucos destes se mostram positivistas, legalistas, obedientes e encapsulados em seus ternos pretos, agora no modelito "mamãe quero dar". São os cânones da caretice, do capitalismo e do conservadorismo. Quando não da cepa do autoritarismo.
O sociólogo francês Alain Touraine esgarça o assunto: "Eu não sou um legislador, sou um transgressor". Pura poesia. Um questionamento que deveria compor o menu é: o que você "quer" ser, um legalista, um ordeiro, um conservador; ou, no lado oposto, um criativo, um transgressor, um artista, um sonhador ou um liberto-libertino? É claro que as posições não são maniqueístas ou organizadas assim. Mas o princípio é mais ou menos este.
Russel Jacoby na obra "Os últimos intelectuais" afirma que "Pensar e sonhar requerem um tempo desregulado; os intelectuais perpetuamente postados em cafés e bares ameaçam os respeitáveis cidadãos pelo esforço que colocam – ou pela aparência – em escapar da escravidão do dinheiro e do trabalho duro". O Direito ensinado no Brasil perdeu o sonho e a vocação. Foi estuprado pelo capitalismo personalista e portátil do concurso público. Emprenhou-se de um consumismo provinciano, mas essencialmente ególatra. Sem sonho não nascem intelectuais.
Relativamente ao processo do "mensalão", há que se reparar, não foram os chamados operadores do Direito que abriram críticas ao modelo. E não se diga que elas não há. Ives Gandra, Celso Antônio Bandeira de Mello, até o português Canotilho questionaram. Mas é numericamente muito pouco. A crítica massiva e pesada veio de fora. E veio com a legitimidade da intelectualidade espontânea. Revoltada. Quem contesta a autoridade moral de Aldir Blanc, Luis Nassif e Wanderley Guilherme dos Santos para desacatarem o pensamento conservador?
Há um vetor sociológico que se empenou. O Poder Judiciário pós-Constituição de 88, decisivamente influenciado pela Constituição Cidadã, conseguiu coisas. Mas se nas décadas passadas seu pecado era não condenar poderosos, agora é escolher dentre eles quem cumpre pena.
A academia não combateu o macarthismo nos Estados Unidos. O pensamento jurídico brasileiro não está combatendo a discriminação na escolha ideológica de condenados do mensalão a serem presos. Toda sociedade padece com ondas que agradam a uns e desagradam a outros. Mas estudar História é saber que algumas dessas ondas terão efeitos negativos no futuro. O continuado silêncio do Supremo Tribunal Federal é ruim. Não se pode fingir que não há críticas qualificadas do lado de fora.
Nem se diga da imprensa, que no "Dicionário de política" de Norberto Bobbio figura expressamente como Quarto Poder. Finja-se que o que a imprensa diz e cobra não vale nada, ok. Mas o ouvido de mercador não funciona diante de críticas equilibradas e contextualizadas. Seja do mundo jurídico, seja da intelectualidade.
Dois fatores são preocupantes. 1) as críticas ultraqualificadas de juristas de que o processo do "mensalão" se deu açodado e político; 2) a especulação sobre a candidatura de Joaquim Barbosa na direita, em oposição ao PT. Se Barbosa sair do tribunal e confirmar a suspeita de observadores de fora, isto equivalerá a um golpe, cuja caneta terá sido a que elaborou uma sentença judicial e os perseguidos terão sido os que compuseram uma direção política com mandato.
Dificilmente a sociedade enxergaria isso. O namorador Fernando Henrique Cardoso, o único do PSDB que teria alguma chance contra Dilma, mas jamais concorreria por "chance", afora a idade, advertiu sobre "salvadores da pátria". Joaquim Barbosa foi fabricado por uma imprensa do escândalo como um salvador da pátria. A História já cansou de mostrar o engodo eficacial que foram os salvadores das pátrias. Mas ela também mostra que grande parte do povo é uma moça bobinha que adora ser seduzida.
Ficam os críticos e intelectuais berrando já roucos em blogs e jornais; o povo pagando a conta; e a horda sorrindo com seus "salários" de 50 mil reais e meses de férias por ano. A inteligência ainda não conseguiu reverter este quadro brasileiro. Se Joaquim Barbosa tiver um pingo de juízo não capitula à política e desmoraliza quem o construiu. O problema é que quando a mosca azul pica, danou, dizem.