JUDICIÁRIO E JUSTIÇA
"O Direito brasileiro pós-ditadura não é um formador de intelectuais, críticos ou pensadores. Passou a ser um conformador de burocratas, crédulos e sisudos. Os conceitos de transgressão, marginalidade, esquerda, pós-modernidade, sociedade assimétrica, pensamento complexo, marxismo, pensamento anárquico, que costumam agradar a intelectuais e pensadores em geral, continuam a amedrontar profissionais do Direito. Não poucos destes se mostram positivistas, legalistas, obedientes e encapsulados em seus ternos pretos, agora no modelito "mamãe quero dar". São os cânones da caretice, do capitalismo e do conservadorismo. Quando não da cepa do autoritarismo. (...)
O Direito ensinado no Brasil perdeu o sonho e a vocação. Foi estuprado pelo capitalismo personalista e portátil do concurso público. Emprenhou-se de um consumismo provinciano, mas essencialmente ególatra. Sem sonho não nascem intelectuais. (...)
O Poder Judiciário pós-Constituição de 88, decisivamente influenciado pela Constituição Cidadã, conseguiu coisas. Mas se nas décadas passadas seu pecado era não condenar poderosos, agora é escolher dentre eles quem cumpre pena. (...)
O pensamento jurídico brasileiro não está combatendo a discriminação na escolha ideológica de condenados do mensalão a serem presos. (...)
O continuado silêncio do Supremo Tribunal Federal é ruim. Não se pode fingir que não há críticas qualificadas do lado de fora."
Jean Menezes de Aguiar
Vive-se um descrédito da Justiça brasileira. Com o processo do "mensalão", as coisas pioraram
Vive-se um descrédito da Justiça brasileira. Com o processo do "mensalão", as coisas pioraram. Talvez os fatores mais visíveis nem sejam o Judiciário, o Direito ou seus operadores. Mas uma visão crítica e ultraqualificada, alvissareiramente vadia – no melhor dos sentidos - e descolada do pensamento conservador. Tipicamente intelectual e à deriva, existente no lado de fora.
O Direito brasileiro pós-ditadura não é um formador de intelectuais, críticos ou pensadores. Passou a ser um conformador de burocratas, crédulos e sisudos. Os conceitos de transgressão, marginalidade, esquerda, pós-modernidade, sociedade assimétrica, pensamento complexo, marxismo, pensamento anárquico, que costumam agradar a intelectuais e pensadores em geral, continuam a amedrontar profissionais do Direito. Não poucos destes se mostram positivistas, legalistas, obedientes e encapsulados em seus ternos pretos, agora no modelito "mamãe quero dar". São os cânones da caretice, do capitalismo e do conservadorismo. Quando não da cepa do autoritarismo.
O sociólogo francês Alain Touraine esgarça o assunto: "Eu não sou um legislador, sou um transgressor". Pura poesia. Um questionamento que deveria compor o menu é: o que você "quer" ser, um legalista, um ordeiro, um conservador; ou, no lado oposto, um criativo, um transgressor, um artista, um sonhador ou um liberto-libertino? É claro que as posições não são maniqueístas ou organizadas assim. Mas o princípio é mais ou menos este.
Russel Jacoby na obra "Os últimos intelectuais" afirma que "Pensar e sonhar requerem um tempo desregulado; os intelectuais perpetuamente postados em cafés e bares ameaçam os respeitáveis cidadãos pelo esforço que colocam – ou pela aparência – em escapar da escravidão do dinheiro e do trabalho duro". O Direito ensinado no Brasil perdeu o sonho e a vocação. Foi estuprado pelo capitalismo personalista e portátil do concurso público. Emprenhou-se de um consumismo provinciano, mas essencialmente ególatra. Sem sonho não nascem intelectuais.
Relativamente ao processo do "mensalão", há que se reparar, não foram os chamados operadores do Direito que abriram críticas ao modelo. E não se diga que elas não há. Ives Gandra, Celso Antônio Bandeira de Mello, até o português Canotilho questionaram. Mas é numericamente muito pouco. A crítica massiva e pesada veio de fora. E veio com a legitimidade da intelectualidade espontânea. Revoltada. Quem contesta a autoridade moral de Aldir Blanc, Luis Nassif e Wanderley Guilherme dos Santos para desacatarem o pensamento conservador?
Há um vetor sociológico que se empenou. O Poder Judiciário pós-Constituição de 88, decisivamente influenciado pela Constituição Cidadã, conseguiu coisas. Mas se nas décadas passadas seu pecado era não condenar poderosos, agora é escolher dentre eles quem cumpre pena.
A academia não combateu o macarthismo nos Estados Unidos. O pensamento jurídico brasileiro não está combatendo a discriminação na escolha ideológica de condenados do mensalão a serem presos. Toda sociedade padece com ondas que agradam a uns e desagradam a outros. Mas estudar História é saber que algumas dessas ondas terão efeitos negativos no futuro. O continuado silêncio do Supremo Tribunal Federal é ruim. Não se pode fingir que não há críticas qualificadas do lado de fora.
Nem se diga da imprensa, que no "Dicionário de política" de Norberto Bobbio figura expressamente como Quarto Poder. Finja-se que o que a imprensa diz e cobra não vale nada, ok. Mas o ouvido de mercador não funciona diante de críticas equilibradas e contextualizadas. Seja do mundo jurídico, seja da intelectualidade.
Dois fatores são preocupantes. 1) as críticas ultraqualificadas de juristas de que o processo do "mensalão" se deu açodado e político; 2) a especulação sobre a candidatura de Joaquim Barbosa na direita, em oposição ao PT. Se Barbosa sair do tribunal e confirmar a suspeita de observadores de fora, isto equivalerá a um golpe, cuja caneta terá sido a que elaborou uma sentença judicial e os perseguidos terão sido os que compuseram uma direção política com mandato.
Dificilmente a sociedade enxergaria isso. O namorador Fernando Henrique Cardoso, o único do PSDB que teria alguma chance contra Dilma, mas jamais concorreria por "chance", afora a idade, advertiu sobre "salvadores da pátria". Joaquim Barbosa foi fabricado por uma imprensa do escândalo como um salvador da pátria. A História já cansou de mostrar o engodo eficacial que foram os salvadores das pátrias. Mas ela também mostra que grande parte do povo é uma moça bobinha que adora ser seduzida.
Ficam os críticos e intelectuais berrando já roucos em blogs e jornais; o povo pagando a conta; e a horda sorrindo com seus "salários" de 50 mil reais e meses de férias por ano. A inteligência ainda não conseguiu reverter este quadro brasileiro. Se Joaquim Barbosa tiver um pingo de juízo não capitula à política e desmoraliza quem o construiu. O problema é que quando a mosca azul pica, danou, dizem.
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