ENTREVISTA
Banco de imagens/PMSP
Haddad diz não ter arrependimentos e que espera julgamento das urnas
ELVIS PEREIRA
IVAN FINOTTI
DE SÃO PAULO
A lua de mel entre a população e o prefeito Fernando Haddad já era. "Falavam que duraria um ano. Em 2013, quem foi eleito teve três, quatro meses de lua de mel. Foi um ano atípico." A declaração surgiu durante entrevista à sãopaulo na última terça-feira, no edifício Matarazzo, sede da prefeitura, centro.
Durante uma hora, o petista de 50 anos comentou os principais momentos do primeiro ano da gestão, como as manifestações de junho, a máfia do ISS, o reajuste do IPTU, a vida de gestor da metrópole e a baixa popularidade. "Você toma uma medida dura, necessária, impopular, e tem de saber as consequências", diz ele. "Não me arrependi de nenhuma."
Mastrangelo Reino/Folhapress
Fernando Haddad durante entrevista na sede da prefeitura, centro
*
O sr. está isolado politicamente?
Fernando Haddad durante entrevista na sede da prefeitura, centro
*
O sr. está isolado politicamente?
De jeito nenhum. Até porque, se você não tem perfil para viver os altos e baixos da política... Lembro que quando tinha 3% das intenções de voto, as matérias do período eram desoladoras. [Risos] Se toma aquilo como imutável, se a dinâmica política não for algo que você incorpora no teu dia a dia, você realmente joga a toalha. Mas se entende a política... E o sabor dela é esse, o fato de que ela muda, o fato de que há uma coreografia, que tem a ver com tempo do mandato, da campanha, depende.
Um sabor que agora está um pouco amargo.
Um sabor que agora está um pouco amargo.
[Risos] O sabor da política é a dinâmica, não é a estática. Você toma uma medida dura, necessária, impopular, e tem de saber as consequências. Agora, se você me perguntar se me arrependi de alguma que tomei neste ano, não me arrependi de nenhuma. Todas eram necessárias para equacionar o problema de São Paulo.
A popularidade do senhor caiu, como a da Dilma e a do Alckmin, durante as manifestações. Ambos se recuperaram. O senhor, não. Por quê?
Olha, primeiro o Alckmin caiu menos e recuperou muito pouco, são 3% só de recuperação em seis meses. Acho que não dá para falar em recuperação. Enfim, os governos de Estado têm uma situação mais confortável do ponto de vista político. A população tem muita dificuldade em identificar quais são as responsabilidades do governador. Prefeito paga um preço muito alto, mas é devido, por estar muito próximo do cidadão.
E sua vida pessoal, mudou?
Procurei alterar pouco a minha rotina. Estou mais caseiro? Estou. Mas saio aos fins de semana a pé pelo bairro. Passeio com o meu cachorro normalmente, vou ao parque, à [avenida] Paulista, ao shopping, ao cinema. Procuro ter uma vida um tanto quanto possível normal. Funciona. As pessoas respeitam. Vou aos restaurantes que frequentava, vou comer um sanduíche. Procuro continuar fazendo as coisas que eu fazia.
Sua família está chateada com a sua queda de popularidade?
A minha família tem muita compreensão sobre esse jogo. E tem muita compreensão também do que nós representamos na política e quais interesses contrariamos. Ninguém tem dúvida do lado que estou, sobre para que lado jogo.
Nesta madrugada [de terça-feira passada], havia um grupo de manifestantes em frente à sua casa. Como seus vizinhos reagiram?
Olha, não sei, porque cruzei só com uma pessoa no elevador e ela estava contrariada com o que estava sendo feito na rua. Quando se mistura o público e o privado é muito ruim, né? Temos aqui uma praça pública [ao lado da prefeitura], onde as pessoas podem se manifestar livremente. Tem locais próprios para isso. A partir do momento que começa a afetar não a vida do governante, mas a de vizinhos, familiares, aí é outra coisa que está acontecendo, não é política.
O que acha disso?
Fui militante estudantil, fiz inúmeros protestos e nunca nem me ocorreu achar o endereço de alguém, porque é uma coisa que estava totalmente delimitada. Estávamos vivendo debaixo de uma ditadura. Ali, até haveria justificativa porque não havia democracia.
Apu Gomes/Folhapress
Prefeito Haddad caminha até o ponto de ônibus na região do Paraíso
As manifestações de junho ocorreram após o aumento da tarifa de ônibus. O senhor se sente culpado pelo prejuízo político ao PT?
Absolutamente, até porque entendo que a gente não pode só olhar por essa questão do eventual desgaste. Tem de olhar para frente, verificar o que esse tipo de demanda significa em termos de agenda política, como conseguir financiar, por exemplo, o subsídio à tarifa. Essas questões nunca foram discutidas no Brasil.
Mas sente animosidade dentro do partido?
Disputa interna no PT sempre vai haver. Existiu quando fui ministro da Educação, quando fui candidato a prefeito, existirá enquanto durar o meu mandato. Mas isso é uma parte. Existe essa disputa interna. Outra coisa é a militância do PT, que tem outro tipo de comportamento. A militância é a que me deu a vitória, é a que foi para a rua defender um programa de governo que, na minha opinião, transforma a cidade. Agora, foi um primeiro ano difícil, como todos os primeiros anos de uma administração. O presidente Lula, no seu primeiro ano de governo, perdeu muitos correligionários. Muita gente deixou o PT em 2003. Depois, em 2005 de novo. O presidente Lula foi reeleito e fez a sua sucessora.
Quando teve de revogar a tarifa foi uma decisão difícil, a contragosto?
Difícil. Porque sei o que ela representa para a saúde financeira [da cidade]. Uma das razões pelas quais me manifestei contrariamente é o fato de que não estávamos discutindo a fonte de financiamento, só a medida. Isso é um pouco ingênuo demais, imaginar que, tendo um orçamento fechado, você vai conseguir promover uma coisa dessas sem discutir com a sociedade abertamente, de forma transparente, quem financia. Me parece um traço desse movimento que, na minha opinião, pode produzir os efeitos contrários aos almejados, que é melhorar a vida da população.
Aumentar o IPTU foi uma forma de compensar o congelamento da tarifa? Gostaria que o sr. comentasse o porquê desse imposto tão alto.
Uma lei aprovada em 2009 pelo PSDB era muito mais alta do que essa. E o PSDB entrou com uma ação de inconstitucionalidade contra essa lei. O PSDB é um partido contraditório. No caso deles, o IPTU chegava a 45%. Prefiro ver a questão como uma questão de Estado. O IPTU é o que mantém a cidade. Ressalto que 50% do IPTU vão para a saúde e para educação e 16% vão para o pagamento de dívidas com a União e com precatórios. Dois terços do IPTU têm destinação certa. Então, esse papo de dizer que por causa da tarifa... Agora, é óbvio que uma parte dos recursos está aumentando para subsidiar a tarifa, para mantê-la em R$ 3.
Manterá a tarifa de ônibus congelada até 2016?
Ano eleitoral é bom para discutir temas como esse. É uma discussão menos apaixonada. Você fala: qual o nosso objetivo? A sociedade pode decidir. Vamos congelar a tarifa? Tudo bem, se ela decidir isso, vamos ter que tomar outras decisões complementares para a conta fechar. Teremos uma oportunidade no ano que vem. Não é um direito da cidade querer congelar a tarifa ou reduzir? Vamos discutir a maneira de viabilizar.
O senhor comentou que, após as manifestações, resolveu tomar algumas medidas necessárias, que julgava impopulares, como a faixa de ônibus...
Não acho a faixa de ônibus impopular. Segundo o Datafolha, tem 90% de aprovação [88% na única pesquisa, há três meses]. A única coisa que superou a aprovação do Lula foi a faixa de ônibus, segundo o Datafolha.
Se não é impopular, seria controversa?
Se fosse fácil, teriam feito antes. É que não é fácil você tomar uma medida como essa e privilegiar o transporte coletivo numa cidade caótica do ponto de vista da mobilidade. É uma decisão difícil. Agora, está correta? Na minha opinião, está. É a tendência mundial. São Paulo é criticada por ter demorado tanto tempo para tomar essa decisão. Agora, a resistência vai se organizando. As pessoas vão começar a contestar, é natural. Mas duvido que perca a aprovação da maioria.
Então, como pode uma medida tão popular, como as faixas de ônibus, não impactar nessa sua avaliação? Sente-se injustiçado?
Não trabalho com essa categoria de injustiça na política. Num certo sentido, a política é feita de injustiças. A política é assim. Não é cartesiana.
O que de fato acha que melhorou para a população neste primeiro ano?
Transporte coletivo, sem sombras de dúvida. Melhorou e vai melhorar cada vez mais. Mas ainda estamos com problemas, remanejamento de linhas, ajustes nos corredores, tem muita coisa ainda por ser feita. Mas já noto um certo alívio no que diz respeito ao tempo que as pessoas desperdiçam no deslocamento. Agora, acho que essa coisa nova de 20 pessoas bloquearem a marginal, isso prejudica muito mais o trânsito do que as faixas exclusivas. Muito mais. Quando 20 pessoas param a avenida Paulista, quando 20 pessoas param a marginal, 20 pessoas fecham a garagem de ônibus, isso sim faz com que os congestionamentos cheguem a bater recorde. A faixa exclusiva de ônibus, não.
Zanone Fraissat/Folhapress
Fernando Haddad e José Americo comemoram posse no Bar Brahma
O senhor já falou que São Paulo seria um cemitério de políticos.
Se você tem um projeto para a cidade, o que te cabe é levar até o fim e esperar o julgamento das urnas. Temos um projeto de governo. Vou levá-lo até o fim. E, aí em 2016, será julgado. Não tem problema. A beleza da democracia está aí. O ruim é você que confia num projeto abdicar dele por pressão.
Qual o tamanho da pressão que o senhor sofre hoje?
São Paulo é uma panela de pressão. Todo dia, aqui acontece um episódio importante na cidade e a versão sobre ele é disputada palmo a palmo. É incrível, a cidade é incrível.
Pode dar um exemplo?
Vou pegar um episódio recente: o Memorial da América Latina, um equipamento do Estado que pegou fogo. O equipamento e o Corpo de Bombeiros são do Estado, e a prefeitura que é chamada a prestar contas. Tudo aqui em São Paulo é muito palmo a palmo.
Todo mundo quer empurrar o problema para o outro, é mais ou menos isso?
Mas é que os demais agentes não são neutros. Não é só um jogo entre políticos, é um jogo da política, mas que envolve toda a sociedade: meios de comunicação, funcionalismo público, sindicatos... Todo mundo atua para uma determinada versão prevalecer sobre as demais, de um fato objetivo. Quer ver um outro exemplo? Ninguém combateu a corrupção como nós no primeiro ano de governo. Não tem paralelo na história de São Paulo o número de pessoas que foram presas.
Quantas?
Foram nove neste ano. Cinco até junho e quatro dessa chamada máfia do ISS. Por quê? Porque criei uma controladoria, órgão inédito na história de São Paulo. Aí, de repente, a administração tem de prestar esclarecimentos sobre uma corrupção que é da máquina pública, que envolve poucos servidores que enriqueceram brutalmente. Quiseram politizar algo que, na minha opinião, se podia ser politizado, seria no sentido de enaltecer a decisão da prefeitura. Isso ficou subordinado a uma disputa política.
De colocarem a culpa na prefeitura...
Ou na prefeitura ou na gestão passada, como se houvesse uma decisão deliberada de alguém.
Há informação de que o Antonio Donato, seu ex-secretário de Governo, teria indicado dois fiscais. O senhor soube disso quando exatamente?
Essas pessoas eram da alta cúpula do governo anterior. Você está falando do subsecretário da Receita municipal. Essas pessoas eram de muita respeitabilidade no circuito paulistano. Entregaram para mim um estudo sobre ISS da cidade antes do início da campanha eleitoral. Você está falando de pessoas com alta qualidade técnica, mas muito baixa qualidade moral. Agora, isso se descobriu no fim de março. Até então, não se sabia. Acusar Kassab, Donato, Mauro Ricardo de coisas que dificilmente qualquer um deles tinha conhecimento acho até uma irresponsabilidade.
Como reagiu ao saber da existência da máfia dos fiscais?
Veja bem, os valores envolvidos eram tão elevados... E a gente lida com muita pobreza na cidade. Quando você tem a notícia de que as pessoas que deveriam estar cuidando do Tesouro municipal, da arrecadação, estão se locupletando dessa maneira e se lembra do dia a dia, que é o contato com as pessoas que estão com dificuldade de atendimento na saúde, de creche, transporte... É um choque muito grande. Você fica realmente consternado.
Gostaria que o sr. comentasse adjetivos que dizem que falam do senhor. Dizem que é "soberbo".
É fácil apelidar qualquer pessoa. Já fui apelidado de mil coisas, não vejo dificuldades. Tenho um plano de governo, que foi apresentado para a sociedade. Querer cumprir esse plano de governo me parece razoável. Às vezes, as pessoas confundem determinação com soberba. Confundem compromisso com teimosia. É fácil mudar o sinal das coisas. Agora, devo ter mil defeitos. Quem não os têm? Devo ter muito para aprender na condução da cidade.
Outro adjetivo: "surdo".
Não tiro das pessoas o direito de recomendar mudanças. Quem é que não precisa mudar? Eu certamente terei de mudar muitas coisas. Não vejo problema com isso também. Quando falo da dinâmica da política, não é só o mundo externo. É também o interno. Acha que saí do Ministério da Educação do jeito que entrei? Mudou muito a minha maneira de ver o mundo ao final do meu trabalho no ministério. O trabalho é um aprendizado. Qual a dificuldade disso? Você não aprende no seu dia a dia? A política é a coisa mais dinâmica que conheço. Uma palavra te coloca no céu, um gesto te coloca nas trevas.
Esse tipo de adjetivo talvez seja porque o senhor tenha dificuldade em fazer política, ceder?
Recebo com humildade qualquer recomendação.
E o apelido "Malddad"?
Essas rimas, que são pobres espiritualmente, não merecem comentários.
O sr. mencionou que este foi um ano difícil. Então, qual o lado bom de ser prefeito?
A política tem a estatura das artes, da ciência, porque ela é um elemento de transformação da sociedade. A política pode muito. E algumas coisas só ela pode. Nada mais pode. A política é uma atividade que tem de ter a aura da nobreza. Não estamos vivendo um momento em que isso prevalece na cabeça das pessoas. O que é ruim não para a política, mas para a democracia.
O período entre a eleição e a posse foram os melhores momentos políticos da sua vida?
Quando se é eleito e não toma posse, você está mais para chefe de Estado do que para chefe de governo. Você é mais soberano do que prefeito. Agora, falavam muito de uma lua de mel que duraria um ano no governo. Neste ano, quem foi eleito teve três, quatro meses de lua de mel. Foi um ano muito atípico.
Folha Online
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A popularidade do senhor caiu, como a da Dilma e a do Alckmin, durante as manifestações. Ambos se recuperaram. O senhor, não. Por quê?
Olha, primeiro o Alckmin caiu menos e recuperou muito pouco, são 3% só de recuperação em seis meses. Acho que não dá para falar em recuperação. Enfim, os governos de Estado têm uma situação mais confortável do ponto de vista político. A população tem muita dificuldade em identificar quais são as responsabilidades do governador. Prefeito paga um preço muito alto, mas é devido, por estar muito próximo do cidadão.
E sua vida pessoal, mudou?
Procurei alterar pouco a minha rotina. Estou mais caseiro? Estou. Mas saio aos fins de semana a pé pelo bairro. Passeio com o meu cachorro normalmente, vou ao parque, à [avenida] Paulista, ao shopping, ao cinema. Procuro ter uma vida um tanto quanto possível normal. Funciona. As pessoas respeitam. Vou aos restaurantes que frequentava, vou comer um sanduíche. Procuro continuar fazendo as coisas que eu fazia.
Sua família está chateada com a sua queda de popularidade?
A minha família tem muita compreensão sobre esse jogo. E tem muita compreensão também do que nós representamos na política e quais interesses contrariamos. Ninguém tem dúvida do lado que estou, sobre para que lado jogo.
Nesta madrugada [de terça-feira passada], havia um grupo de manifestantes em frente à sua casa. Como seus vizinhos reagiram?
Olha, não sei, porque cruzei só com uma pessoa no elevador e ela estava contrariada com o que estava sendo feito na rua. Quando se mistura o público e o privado é muito ruim, né? Temos aqui uma praça pública [ao lado da prefeitura], onde as pessoas podem se manifestar livremente. Tem locais próprios para isso. A partir do momento que começa a afetar não a vida do governante, mas a de vizinhos, familiares, aí é outra coisa que está acontecendo, não é política.
O que acha disso?
Fui militante estudantil, fiz inúmeros protestos e nunca nem me ocorreu achar o endereço de alguém, porque é uma coisa que estava totalmente delimitada. Estávamos vivendo debaixo de uma ditadura. Ali, até haveria justificativa porque não havia democracia.
Apu Gomes/Folhapress
Prefeito Haddad caminha até o ponto de ônibus na região do Paraíso
As manifestações de junho ocorreram após o aumento da tarifa de ônibus. O senhor se sente culpado pelo prejuízo político ao PT?
Absolutamente, até porque entendo que a gente não pode só olhar por essa questão do eventual desgaste. Tem de olhar para frente, verificar o que esse tipo de demanda significa em termos de agenda política, como conseguir financiar, por exemplo, o subsídio à tarifa. Essas questões nunca foram discutidas no Brasil.
Mas sente animosidade dentro do partido?
Disputa interna no PT sempre vai haver. Existiu quando fui ministro da Educação, quando fui candidato a prefeito, existirá enquanto durar o meu mandato. Mas isso é uma parte. Existe essa disputa interna. Outra coisa é a militância do PT, que tem outro tipo de comportamento. A militância é a que me deu a vitória, é a que foi para a rua defender um programa de governo que, na minha opinião, transforma a cidade. Agora, foi um primeiro ano difícil, como todos os primeiros anos de uma administração. O presidente Lula, no seu primeiro ano de governo, perdeu muitos correligionários. Muita gente deixou o PT em 2003. Depois, em 2005 de novo. O presidente Lula foi reeleito e fez a sua sucessora.
Quando teve de revogar a tarifa foi uma decisão difícil, a contragosto?
Difícil. Porque sei o que ela representa para a saúde financeira [da cidade]. Uma das razões pelas quais me manifestei contrariamente é o fato de que não estávamos discutindo a fonte de financiamento, só a medida. Isso é um pouco ingênuo demais, imaginar que, tendo um orçamento fechado, você vai conseguir promover uma coisa dessas sem discutir com a sociedade abertamente, de forma transparente, quem financia. Me parece um traço desse movimento que, na minha opinião, pode produzir os efeitos contrários aos almejados, que é melhorar a vida da população.
Aumentar o IPTU foi uma forma de compensar o congelamento da tarifa? Gostaria que o sr. comentasse o porquê desse imposto tão alto.
Uma lei aprovada em 2009 pelo PSDB era muito mais alta do que essa. E o PSDB entrou com uma ação de inconstitucionalidade contra essa lei. O PSDB é um partido contraditório. No caso deles, o IPTU chegava a 45%. Prefiro ver a questão como uma questão de Estado. O IPTU é o que mantém a cidade. Ressalto que 50% do IPTU vão para a saúde e para educação e 16% vão para o pagamento de dívidas com a União e com precatórios. Dois terços do IPTU têm destinação certa. Então, esse papo de dizer que por causa da tarifa... Agora, é óbvio que uma parte dos recursos está aumentando para subsidiar a tarifa, para mantê-la em R$ 3.
Manterá a tarifa de ônibus congelada até 2016?
Ano eleitoral é bom para discutir temas como esse. É uma discussão menos apaixonada. Você fala: qual o nosso objetivo? A sociedade pode decidir. Vamos congelar a tarifa? Tudo bem, se ela decidir isso, vamos ter que tomar outras decisões complementares para a conta fechar. Teremos uma oportunidade no ano que vem. Não é um direito da cidade querer congelar a tarifa ou reduzir? Vamos discutir a maneira de viabilizar.
O senhor comentou que, após as manifestações, resolveu tomar algumas medidas necessárias, que julgava impopulares, como a faixa de ônibus...
Não acho a faixa de ônibus impopular. Segundo o Datafolha, tem 90% de aprovação [88% na única pesquisa, há três meses]. A única coisa que superou a aprovação do Lula foi a faixa de ônibus, segundo o Datafolha.
Se não é impopular, seria controversa?
Se fosse fácil, teriam feito antes. É que não é fácil você tomar uma medida como essa e privilegiar o transporte coletivo numa cidade caótica do ponto de vista da mobilidade. É uma decisão difícil. Agora, está correta? Na minha opinião, está. É a tendência mundial. São Paulo é criticada por ter demorado tanto tempo para tomar essa decisão. Agora, a resistência vai se organizando. As pessoas vão começar a contestar, é natural. Mas duvido que perca a aprovação da maioria.
Então, como pode uma medida tão popular, como as faixas de ônibus, não impactar nessa sua avaliação? Sente-se injustiçado?
Não trabalho com essa categoria de injustiça na política. Num certo sentido, a política é feita de injustiças. A política é assim. Não é cartesiana.
O que de fato acha que melhorou para a população neste primeiro ano?
Transporte coletivo, sem sombras de dúvida. Melhorou e vai melhorar cada vez mais. Mas ainda estamos com problemas, remanejamento de linhas, ajustes nos corredores, tem muita coisa ainda por ser feita. Mas já noto um certo alívio no que diz respeito ao tempo que as pessoas desperdiçam no deslocamento. Agora, acho que essa coisa nova de 20 pessoas bloquearem a marginal, isso prejudica muito mais o trânsito do que as faixas exclusivas. Muito mais. Quando 20 pessoas param a avenida Paulista, quando 20 pessoas param a marginal, 20 pessoas fecham a garagem de ônibus, isso sim faz com que os congestionamentos cheguem a bater recorde. A faixa exclusiva de ônibus, não.
Zanone Fraissat/Folhapress
Fernando Haddad e José Americo comemoram posse no Bar Brahma
O senhor já falou que São Paulo seria um cemitério de políticos.
Se você tem um projeto para a cidade, o que te cabe é levar até o fim e esperar o julgamento das urnas. Temos um projeto de governo. Vou levá-lo até o fim. E, aí em 2016, será julgado. Não tem problema. A beleza da democracia está aí. O ruim é você que confia num projeto abdicar dele por pressão.
Qual o tamanho da pressão que o senhor sofre hoje?
São Paulo é uma panela de pressão. Todo dia, aqui acontece um episódio importante na cidade e a versão sobre ele é disputada palmo a palmo. É incrível, a cidade é incrível.
Pode dar um exemplo?
Vou pegar um episódio recente: o Memorial da América Latina, um equipamento do Estado que pegou fogo. O equipamento e o Corpo de Bombeiros são do Estado, e a prefeitura que é chamada a prestar contas. Tudo aqui em São Paulo é muito palmo a palmo.
Todo mundo quer empurrar o problema para o outro, é mais ou menos isso?
Mas é que os demais agentes não são neutros. Não é só um jogo entre políticos, é um jogo da política, mas que envolve toda a sociedade: meios de comunicação, funcionalismo público, sindicatos... Todo mundo atua para uma determinada versão prevalecer sobre as demais, de um fato objetivo. Quer ver um outro exemplo? Ninguém combateu a corrupção como nós no primeiro ano de governo. Não tem paralelo na história de São Paulo o número de pessoas que foram presas.
Quantas?
Foram nove neste ano. Cinco até junho e quatro dessa chamada máfia do ISS. Por quê? Porque criei uma controladoria, órgão inédito na história de São Paulo. Aí, de repente, a administração tem de prestar esclarecimentos sobre uma corrupção que é da máquina pública, que envolve poucos servidores que enriqueceram brutalmente. Quiseram politizar algo que, na minha opinião, se podia ser politizado, seria no sentido de enaltecer a decisão da prefeitura. Isso ficou subordinado a uma disputa política.
De colocarem a culpa na prefeitura...
Ou na prefeitura ou na gestão passada, como se houvesse uma decisão deliberada de alguém.
Há informação de que o Antonio Donato, seu ex-secretário de Governo, teria indicado dois fiscais. O senhor soube disso quando exatamente?
Essas pessoas eram da alta cúpula do governo anterior. Você está falando do subsecretário da Receita municipal. Essas pessoas eram de muita respeitabilidade no circuito paulistano. Entregaram para mim um estudo sobre ISS da cidade antes do início da campanha eleitoral. Você está falando de pessoas com alta qualidade técnica, mas muito baixa qualidade moral. Agora, isso se descobriu no fim de março. Até então, não se sabia. Acusar Kassab, Donato, Mauro Ricardo de coisas que dificilmente qualquer um deles tinha conhecimento acho até uma irresponsabilidade.
Como reagiu ao saber da existência da máfia dos fiscais?
Veja bem, os valores envolvidos eram tão elevados... E a gente lida com muita pobreza na cidade. Quando você tem a notícia de que as pessoas que deveriam estar cuidando do Tesouro municipal, da arrecadação, estão se locupletando dessa maneira e se lembra do dia a dia, que é o contato com as pessoas que estão com dificuldade de atendimento na saúde, de creche, transporte... É um choque muito grande. Você fica realmente consternado.
Gostaria que o sr. comentasse adjetivos que dizem que falam do senhor. Dizem que é "soberbo".
É fácil apelidar qualquer pessoa. Já fui apelidado de mil coisas, não vejo dificuldades. Tenho um plano de governo, que foi apresentado para a sociedade. Querer cumprir esse plano de governo me parece razoável. Às vezes, as pessoas confundem determinação com soberba. Confundem compromisso com teimosia. É fácil mudar o sinal das coisas. Agora, devo ter mil defeitos. Quem não os têm? Devo ter muito para aprender na condução da cidade.
Outro adjetivo: "surdo".
Não tiro das pessoas o direito de recomendar mudanças. Quem é que não precisa mudar? Eu certamente terei de mudar muitas coisas. Não vejo problema com isso também. Quando falo da dinâmica da política, não é só o mundo externo. É também o interno. Acha que saí do Ministério da Educação do jeito que entrei? Mudou muito a minha maneira de ver o mundo ao final do meu trabalho no ministério. O trabalho é um aprendizado. Qual a dificuldade disso? Você não aprende no seu dia a dia? A política é a coisa mais dinâmica que conheço. Uma palavra te coloca no céu, um gesto te coloca nas trevas.
Esse tipo de adjetivo talvez seja porque o senhor tenha dificuldade em fazer política, ceder?
Recebo com humildade qualquer recomendação.
E o apelido "Malddad"?
Essas rimas, que são pobres espiritualmente, não merecem comentários.
O sr. mencionou que este foi um ano difícil. Então, qual o lado bom de ser prefeito?
A política tem a estatura das artes, da ciência, porque ela é um elemento de transformação da sociedade. A política pode muito. E algumas coisas só ela pode. Nada mais pode. A política é uma atividade que tem de ter a aura da nobreza. Não estamos vivendo um momento em que isso prevalece na cabeça das pessoas. O que é ruim não para a política, mas para a democracia.
O período entre a eleição e a posse foram os melhores momentos políticos da sua vida?
Quando se é eleito e não toma posse, você está mais para chefe de Estado do que para chefe de governo. Você é mais soberano do que prefeito. Agora, falavam muito de uma lua de mel que duraria um ano no governo. Neste ano, quem foi eleito teve três, quatro meses de lua de mel. Foi um ano muito atípico.
Folha Online
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