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domingo, 8 de julho de 2012

Nadine Gordimer, 88 anos: vigorosa escritora e ativista



A Flip acabou em Paraty, "um lugar chamado poesia", como disse hoje de manhã a escritora "afro-escocesa" Jackie Kay, numa inesperada e emocionante declaração de amor à cidade.


Dias de alegria, de reencontros, descobertas e flânerie virtual pelas ruas estreitas da graciosa cidade, entre serras e águas, alma reconfortada com autores e textos.


"E agora, José?", indagaria o Poeta Maior.


Agora ainda mantenho o clima, trazendo matéria sobre Nadine Gordimer, uma brava escritora e ativista, que esteve na Flip anos atrás, e aos 88 anos continua usando sua ação e palavras combativas para denunciar injustiças e defender a liberdade, inclusive a de expressão.


Nobel de 1991, Nadine Gordimer investe contra o governo de seu país

Sul-africana militante histórica antiapartheid reafirma sua profissão de fé em prol da liberdade

Ubiratan Brasil

A fragilidade da escritora sul-africana Nadine Gordimer é apenas aparente. Aos 88 anos, seu físico, é certo, exibe limitações, mas seu rigor intelectual continua intacto. E beira à ferocidade quando se dispõe a lutar pela liberdade. Autora de mais de 30 livros - em sua maioria, crônicas sobre a deterioração social que marcou seu país durante o regime do apartheid -, ela construiu uma prosa em que dramatiza as difíceis escolhas morais surgidas em uma sociedade marcada pela segregação racial.


AFP

Se o trabalho do escritor está em risco, a liberdade do leitor também é ameaçada, diz Gordimer


E o fôlego segue perfeito: Nadine continua liderando o protesto contra as propostas draconianas do governo sul-africano para amordaçar a mídia. "Se o trabalho e a liberdade do escritor estão em risco, a liberdade de cada leitor também está ameaçada", disse ela ao Sabático, de sua casa, em Johannesburgo, em entrevista exclusiva, por telefone. O pretexto da conversa: o lançamento, no Brasil, do primeiro volume de Tempos de Reflexão (editora Globo), conjunto de artigos escritos entre 1954 e 1989; o segundo, que cobre o período 1990-2000, deve sair em novembro.

São textos tanto analíticos como confessionais. Ganhadora do Nobel de literatura de 1991, Nadine Gordimer reflete sobre a vida e a carreira, revelando-se autora e ativista política. Uma das grandes defensoras dos direitos de Nelson Mandela, advogado que se tornou o mais importante líder da África negra, Nadine lutou pela sua liberdade quando ele foi preso por atuar contra o apartheid.

A essência, na verdade, é a defesa incondicional da liberdade de expressão. A profissão de fé está em um artigo escrito em 1985, O Gesto Essencial. Ali, Nadine observa: "Os escritores que aceitam uma responsabilidade profissional na transformação da sociedade estão sempre procurando meios de concretizá-la que suas sociedades nunca poderiam imaginar, muito menos exibir: demandando de si mesmos meios que penetrarão como uma furadeira para liberar o grande jorro primal da criatividade, alagar os censores, limpar os códigos civis removendo sua pornografia de leis racistas e sexistas, lavar as diferenças religiosas, extinguir as bombas de napalm e os lança-chamas, eliminar a poluição da terra, mar e ar, e conduzir os seres humanos à rara fonte estival de alegria pura." E conclui: "Cada um tem sua própria varinha de vidente, mantida sobre o coração e o cérebro."

Tempos de Reflexão é notável também pelo relato aberto que Nadine faz de sua juventude, quando os hábitos dos brancos sobrepunham os dos negros. Na verdade, eram seres invisíveis - para ela, um dos fatores mais confusos que marcou seu crescimento na África do Sul era a estranha mudança na sua percepção dos africanos ao seu redor e na sua atitude em relação a eles. "Vim a ter consciência da presença deles com uma lentidão incrível, parece-me agora, como se por meio de uma faculdade que naturalmente deveria ter feito parte do meu equipamento humano desde o início", escreve ela em Uma Infância Sul-Africana, de 1954. Leia a seguir a entrevista em que Nadine fala, com invejável vigor, sobre sua incansável militância.
 

Seu trabalho atual se notabiliza principalmente pelo combate à censura em seu país. 


Sim, ainda corremos o risco da mordaça, pois agora a comissão que avalia a mídia ameaça voltar. Escrever pressupõe uma interação com os leitores. Se o trabalho e a liberdade do escritor estão em risco, a liberdade de cada leitor também está ameaçada. Depois de lutar tantos anos contra o apartheid, período em que vi pessoas morrendo pela causa da liberdade, não imaginava que fosse preciso lutar novamente contra o governo.


Como a senhora define seu engajamento?


Bem, sou uma escritora, portanto, a liberdade de expressão é primordial para minha atividade. Acredito na existência de duas bases para a liberdade. Uma é a de se poder votar à sua escolha e outra é a liberdade para se dizer o que pensa, seja a imprensa, seja o cidadão comum. Isso pode parecer um tanto óbvio para você, mas, acredite, é uma conquista para meu país.


Para a senhora, escrever é um caminho para compreender a vida?


Sem dúvida. É preciso desfrutar do direito de publicar livros e de expressar seus pensamentos. Digo isso porque um livro acaba sendo mais importante que jornais e revistas por conta de sua perenidade: ele se transforma em um testemunho para a posteridade.


De fato, suas palavras persistem há décadas, como comprova Tempos de Reflexão, repleto de textos ainda atuais. Ao escrever, como a senhora lida com a posteridade?


Não penso dessa forma, ou seja, em quão eterna será minha escrita. Minha preocupação é mais imediata, com a mensagem que espero passar, minha visão crítica e, especialmente, com a possibilidade de estabelecer a comunicação com o leitor.


A senhora escreveu, certa vez, uma frase impactante: "A verdade não é tão bela como a luta para conquistá-la." Isso, de algum modo, se tornou a meta da sua escrita, não?


Para mim, a escrita tem de ser honesta, seja qual for seu formato: ficção, artigos, contos. Isso significa explorar por meio da palavra o que é a vida. Descobrir o que significa ser humano, englobando seu passado, os problemas atuais e as perspectivas de progresso para o futuro. Não me apego à religião, sou ateia, acredito apenas na existência das diferentes possibilidades de relacionamento que isso implica.


Como se deve lidar com o passado?


Obviamente não se pode esquecê-lo ou ignorá-lo - isso é estupidez. Mas deve existir um limite para que o passado não interfira em seus passos atuais e, principalmente, não seja a única forma de criar o futuro. Isso pode resultar na manutenção de um atraso social, o que, infelizmente, ainda se vê em muitas regiões da África.


E como a senhora analisa a atual situação da África do Sul?


O debate parece horrorizar nosso presidente Jacob Zuma, que tenta amordaçar a imprensa, especialmente a televisão. Isso é um crime, pois o governo deve ser transparente e não se preocupar em evitar o surgimento de críticas. É claro que não estou pregando uma total transparência - segredos militares têm de ser conservados, mas precisamos estabelecer uma relação mínima com os governantes e saber o que eles pensam, como planejam, o que executam. Tal atitude leva a outro problema grave, a corrupção, que, se não é uma exclusividade do meu país, aqui parece bem enraizada: as pessoas que estão no poder não conseguem se contentar com o que têm e se tornam facilmente corruptíveis. Tenho procurado participar de discussões em que programas sociais sejam prioritários nas decisões governamentais e que, principalmente, a verba separada chegue de fato ao seu destino. Talvez o que seja mais terrível na corrupção é sua grande capacidade maligna de desumanizar as pessoas.


Muitos textos de seu livro trazem lembranças pessoais. A senhora pretende escrever sua autobiografia?


Jamais. Minha vida pessoal pertence a mim e não pretendo compartilhá-la com ninguém. Claro que existem biógrafos que vasculham minha vida e minha obra, não tenho como evitar isso. Procuro apenas evitar excessos e mentiras. Minhas opiniões estão em minha obra, especialmente na que agora está sendo lançada no Brasil. Apesar de historicamente meu país estar mais conectado à Europa, eu espero que aumente a relação com o Brasil, pois, não apenas estamos geograficamente na mesma linha como temos mais antepassados em comum. Estive em Paraty para a Flip em 2007 (por conta disso, há um texto dela em Dez/Ten, publicado agora em comemoração à décima edição do evento), o que reforçou minha tese de que Brasil e África do Sul devem estreitar relações, não apenas comerciais mas principalmente culturais.


É possível dizer que muito da sua trajetória, por estar marcada por lutas pela liberdade, acaba se confundindo com sua escrita?


Isso é inevitável com qualquer escritor, independentemente do grau político de sua obra. Veja, quando leio uma biografia séria, direita, busco ali fatos sobre o envolvimento do biografado na vida pública. Também suas relações pessoais, frustrações, decepções e felicidade. Mas a biografia realmente terá valor para mim se encontrar uma análise de temas literários, uma metalinguagem. Ao avaliar minha obra, descobri recentemente que os livros foram escritos a partir de diferentes pontos de vista, personas distintas, tanto na primeira pessoa como na de um homem, uma criança, um mulher, uma pessoa jovem, outra mais velha. Há o sentido, olhando para trás, de que venho escrevendo o mesmo livro ao longo da minha vida. É uma espécie de viagem de descoberta. Lembro-me de uma pequena novela, chamada Novembro, de Flaubert, na qual ele apresenta um rascunho de temas que exploraria tão maravilhosamente depois - é visível perceber sua inabilidade para desenvolvê-los naquele momento. Sua vida, então, foi marcada pela descoberta de túneis escuros que o levaram àquele ponto desejado. É o que venho tentando fazer desde os meus primeiros trabalhos.


Estadão Online
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Paraty é mais que uma Festa



Mais que uma cidade, Paraty é um estado de espírito. E cada um pode sentir ou não afinidade com ele. Há os que amam e os que odeiam Paraty. Talvez não haja mesmo meio-termo.


Eu sou simplesmente encantada por ela. Por seu mar calmo em certas praias e bravio em outras. Por suas ruas estreitas, tortuosas, plenas de descobertas. Pelas montanhas altivas que a abraçam em aconchego. Por sua graça e simplicidade. E também por seu refinamento e sofisticação.


Fui feliz em Paraty.



E termina hoje a 10a. Festa Literária Internacional de Paraty, com as mesas abaixo, em transmissão direta, e outras atividades divulgadas no site: www.flip.org.br


Programação da Tenda dos Autores

DOMINGO

10h
Mesa 15     Vidas em Verso


Jackie Kay
Fabrício Carpinejar
Mediação João Paulo Cuenca

Nenhuma obra literária pode ser reduzida à biografia de seu autor, mas a criação se faz sempre a partir de um conjunto de leituras, observações e experiências que é inevitavelmente pessoal. Em poemas ou textos em prosa, a escocesa Jackie Kay e o brasileiro Fabrício Carpinejar exploram as ressonâncias entre vida e obra numa via de mão dupla. Ao mesmo tempo que evoca o vivido, o escrito se torna espaço de interrogação e invenção da própria persona do autor. Em vez de espelho da vida, o livro se torna assim mais um espaço no qual ela se cria.


11h45
Mesa 16     A Imaginação Engajada


Rubens Figueiredo
Francisco Dantas
Mediação João Cezar de Castro Rocha

Os livros de Francisco Dantas e Rubens Figueiredo, dois dos principais escritores brasileiros, mostram que a força crítica da literatura não depende da contenção do estilo nem da imaginação. É por meio da potência do texto, e não de uma adesão mimética ao real, que a obra de ambos estabelece sua relação com o mundo. Dos grandes centros urbanos ao interior rural, Figueiredo e Dantas se apropriam dos cenários habituais do imaginário nacional para desmanchar sua feição familiar, contrapondo aos generalismos do senso comum a concretude singular de suas histórias.


14h30
Mesa 17     Drummond – o Poeta Presente


Armando Freitas Filho (em vídeo)
Eucanaã Ferraz 
Carlito Azevedo
Mediação Flávio Moura

Poucos autores parecem tão importantes para pensar o que se escreve hoje na poesia brasileira quanto Carlos Drummond de Andrade. Não é fácil, no entanto, precisar exatamente em que consiste essa importância e de que maneira ela se manifesta. Três poetas brasileiros exploram diferentes possibilidades de resposta a essa questão. Num depoimento em vídeo gravado por Walter Carvalho, Armando Freitas Filho fala de sua relação com Drummond, partindo de uma definição inesperada do poeta mineiro como um autor do Lado B. A mesa segue com uma discussão entre Eucanaã Ferraz e Carlito Azevedo.


16h30
Mesa 18     Entre Fronteiras


Gary Shteyngart
Hanif Kureishi
Mediação Ángel Gurría-Quintana

Deslizando habilmente entre os pontos de vista do nativo e do estrangeiro, o norte-americano (nascido na Rússia) Gary Shteyngart e o inglês (filho de pai paquistanês) Hanif Kureishi criaram algumas das mais brilhantes sátiras da ficção contemporânea. Na obra desses dois premiados escritores, a perspectiva de viés, que mesmo ao tomar parte dos acontecimentos é capaz de considerá-los de um ponto de vista ironicamente distanciado, torna-se uma forma de expor ao mesmo tempo as tensões do mundo atual e a histeria vazia dos discursos que habitualmente pretendem descrevê-las.


18h15
Mesa 19     Livro de Cabeceira


Autores convidados da Flip 2012 leem e comentam trechos de seus livros prediletos.


Programação adaptada do G1.
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