Segredo de justiça e liberdade de imprensa
Dalmo de Abreu Dallari*
A investigação criminal é um dos meios de que se vale a autoridade pública para a proteção das pessoas e da sociedade, sendo muitas vezes necessária para impedir a continuidade de uma ação criminosa, bem como para a punição legal e justa de quem for responsável pela prática das ilegalidades. Para atingir esses objetivos, que são de grande relevância social, a lei permite que, quando necessário, a investigação se faça sob segredo de justiça, mantendo-se o sigilo sobre os dados obtidos até que seja concluída a fase investigatória. Terminada essa fase, tudo o que tiver sido apurado com rigor e objetividade e que seja relevante para a comprovação dos fatos criminosos e de sua autoria passa a ser público e poderá ter ampla divulgação pela imprensa e por todos os meios de comunicação.
Um problema que tem surgido com frequência é a quebra do sigilo legalmente estabelecido, por jornalistas desejosos de se mostrarem mais eficientes do que os colegas na obtenção de dados ou, eventualmente, levados por outros objetivos, que podem estar ligados a valores respeitáveis, como o desejo de prestar serviços à sociedade, como também podem ser absolutamente contrários à ética que deve prevalecer nas relações humanas, inclusive no desempenho de qualquer atividade profissional.
A liberdade de imprensa é uma conquista da humanidade, universalmente consagrada nas Constituições democráticas, e deve ser plenamente resguardada e protegida; entretanto, não pode ser invocada como pretexto para a prática de ilegalidades. Além disso, não se pode partir do pressuposto de que o jornalista, por exercer essa profissão, está acima do bem e do mal e é imune às paixões humanas.
Um problema que tem surgido com frequência é a quebra do sigilo legalmente estabelecido, por jornalistas desejosos de se mostrarem mais eficientes do que os colegas na obtenção de dados ou, eventualmente, levados por outros objetivos, que podem estar ligados a valores respeitáveis, como o desejo de prestar serviços à sociedade, como também podem ser absolutamente contrários à ética que deve prevalecer nas relações humanas, inclusive no desempenho de qualquer atividade profissional.
A liberdade de imprensa é uma conquista da humanidade, universalmente consagrada nas Constituições democráticas, e deve ser plenamente resguardada e protegida; entretanto, não pode ser invocada como pretexto para a prática de ilegalidades. Além disso, não se pode partir do pressuposto de que o jornalista, por exercer essa profissão, está acima do bem e do mal e é imune às paixões humanas.
Esclarecimento dos fatos
Essas considerações são oportunas neste momento, em vista de ocorrência que envolve um jornalista do Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP), que divulgou informações constantes de um inquérito policial em andamento, obtidas mediante quebra do sigilo de informações telefônicas, legalmente autorizada, e que, por determinação da autoridade competente, estavam preservadas por segredo de Justiça.
O jornalista nega-se a revelar a fonte das informações que obteve, mas pelas circunstâncias não há dúvida de que elas foram obtidas com a cumplicidade de policiais que participaram das investigações.
O Código Penal estabelece, no artigo 153, parágrafo 1º, que é crime “divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei” – e foi isso que fez o jornalista. Além disso, a lei nº 9296, de 1996, que regulamenta o inciso XII, do artigo 5º, da Constituição da República, diz no artigo 10 que “constitui crime quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. E no caso em questão não estavam presentes os pressupostos que autorizariam a quebra do sigilo.
A matéria já tem sido amplamente debatida e em decorrência do incidente aqui referido já houve um pronunciamento da Federação Nacional de Jornalistas, alertando para o fato de que “é perigoso que se impeça a atividade jornalística”, o que é incontestável, mas, obviamente, não se aplica ao caso em questão.
É importante ressaltar que o segredo de justiça é medida excepcional, que só pode ser estabelecida pela autoridade competente, responsável pela apuração de denúncia ou de suspeita da ocorrência de crime. E estudiosos da matéria, comprometidos com a ética e com os princípios democráticos, mas também conhecedores da realidade das investigações criminais, já se pronunciaram defendendo a necessidade de respeito ao sigilo em casos especiais, para impedir, entre outros prejuízos à boa investigação, que os investigados saibam dessa circunstância e fujam ou dificultem a investigação, ou, então, que efetuem a destruição das provas ou a alteração das circunstâncias investigadas, impedindo, assim, o esclarecimento dos fatos e a punição dos responsáveis, em prejuízo da sociedade.
Direito fundamental
Ainda no caso em questão, a autoridade policial responsável pelo inquérito já se pronunciou publicamente condenando a quebra ilegal do sigilo e informando que uma das pessoas que seriam investigadas desapareceu assim que foram divulgados os fatos sigilosos, o que deixa evidente que a liberdade de imprensa não é um valor absoluto, que exclui qualquer responsabilidade, e que nem sempre a invocação da liberdade de imprensa é o melhor caminho para o bem da sociedade.
Uma última observação que deve ser feita é quanto à responsabilidade pela guarda e quebra do sigilo. Não há dúvida de que existe responsabilidade do agente policial e se este, por sua vontade, revelou o dado sigiloso, deve responder por essa falta grave. Mas também é responsável o jornalista, que sabia da decretação do segredo de justiça e, por meios que não revelou, teve acesso aos dados e fez sua divulgação. Cabe-lhe provar que não usou de qualquer meio ilegal para ter acesso às informações e que não sabia que elas estavam resguardadas por segredo de Justiça. Sem essa comprovação cabe, sim, a punição do jornalista, pois a liberdade de imprensa, norma constitucional e direito fundamental da cidadania, não pode ser invocada como autorização para a prática de crimes.
*Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo