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domingo, 19 de janeiro de 2014
"Rolezinhos": as ilusões perdidas
OPINIÃO
" (...) para os jovens da periferia, os rolezinhos não significam apenas 'zoar, rolar umas paqueras, pegar geral e se divertir', mas também embutem um desafio aos menos desfavorecidos, uma maneira de chocá-los e de se afirmarem. Só que se trata de um desafio bem embrionário, começando pelo fato de não renegarem o consumismo; eles apenas estão frustrados por não o poderem desfrutar tanto quanto a clientela habitual daqueles shoppings. Inexiste, portanto, um potencial contestatório equiparável ao das manifestações de rua dos nossos indignados.
Estes últimos, sim, têm tudo para se tornarem uma nova vanguarda anticapitalista, em substituição aos partidos de esquerda que hoje evitam até proferir a palavra revolução, tão domesticados estão."
Pra não dizer que não falei dos "Rolezinhos"
Luciana Genro é eloquente em sua rejeição do apartheid social:
"A repressão, inclusive juridicamente sustentada, contra os jovens da periferia que vão dar rolezinho no shopping é o momento em que a fantasia da igualdade é desfeita de forma cabal. Caiu a máscara do Direito. Eles não têm direito à igualdade jurídica com os jovens de classe média que também circulam aos bandos pelo shopping, pois os pobres não trocam, isto é, não consomem ...
... Sem consumir, são descartáveis – pois inúteis ao capitalismo – e o lugar deles é nas periferias. Mas se ousam invadir o templo do consumo, a polícia é chamada. Mesmo que não roubem, não furtem, mas se não se contentam com o seu lugar periférico e querem ocupar o espaço dos consumidores sem consumir, é para os presídios imundos (...) que eles devem ir. Polícia neles!"
Reinaldo Azevedo, como sempre, se coloca ao lado da PM e à direita de Genghis Khan:
"Mais uma vez, a PM é vista como algoz, e 'jovens pobres, negros e da periferia', como arautos de um novo tempo. Os deserdados da 'modernização conservadora' teriam decidido invadir o espaço privado do capitalismo excludente: o shopping!
... Cada um desses nichos de opinião considera que tem o direito de impor a sua pauta ou seus hábitos ao conjunto da sociedade - se necessário, pela força. Os que fazem rolezinhos não estão cobrando mais democracia, como quer a esquerda rosa-chique. Eles manifestam, na prática, é desprezo pela cultura democrática.
... Se há, hoje, espaços de fato públicos, são os shoppings. As praças de alimentação, por exemplo, são verdadeiras ágoras da boa e saudável democratização do consumo e dos serviços. Lá estão pobres, ricos, remediados, brancos, pretos, pardos, jovens, velhos, crianças... ".
O RA, aliás, ficou à direita até do jornal da ditabranda, que lhe concede um espaço semanal para propagar seu ideário neofascista mas não quer assumir, ela própria, em seus editoriais, posições tão repulsivas, pois detonariam o pouco de credibilidade que lhe resta:
"Os encontros servem, segundo as convocações nas redes sociais, para 'zoar, rolar umas paqueras, pegar geral e se divertir'. Realizados em shoppings centers paulistanos, atraem centenas de adolescentes, em geral da periferia. A despeito de seu caráter festivo e despretensioso, a novidade logo incomodou lojistas, consumidores e políticos. Durante os 'rolezinhos', os adolescentes, divididos em vários grupos, caminham ou correm pelos corredores do centro de compras, cantando funk.
Não é só o corre-corre que assusta. Houve casos isolados de furto e depredação, que obviamente devem ser punidos ...
Passado o susto inicial, no entanto, essas reuniões poderiam, sem nenhum prejuízo, ser incorporadas à rotina da cidade".
MALDITOS FETICHES DO CAPITALISMO!
O que eu tenho a dizer sobre tudo isso?
Que a truculência policial jamais será contida enquanto não desmilitarizarmos o policiamento, eliminando mais este entulho autoritário que a ditadura de 1964/85 nos legou (vide aqui). As PM's invariavelmente encaram tais fenômenos sociais da forma mais preconceituosa possível, como se fossem crimes mesmo não estando capitulados como tais no Código Penal; e seus protagonistas, como inimigos a serem esmagados.
Por quê? Porque esta é a cultura militar, de quem se prepara para a guerra contra outras nações e não para a convivência com os cidadãos do seu país. O Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas já recomendou a extinção das PM's brasileiras, repisando o óbvio ululante: não são elas, mas sim as instituições civis, que devem lidar com os problemas dos civis numa democracia. O que falta é vontade política - eu diria até coragem - para confrontarmos o autoritarismo ainda dominante na sociedade brasileira.
Que, para os jovens da periferia, os rolezinhos não significam apenas "zoar, rolar umas paqueras, pegar geral e se divertir", mas também embutem um desafio aos menos desfavorecidos, uma maneira de chocá-los e de se afirmarem. Só que se trata de um desafio bem embrionário, começando pelo fato de não renegarem o consumismo; eles apenas estão frustrados por não o poderem desfrutar tanto quanto a clientela habitual daqueles shoppings. Inexiste, portanto, um potencial contestatório equiparável ao das manifestações de rua dos nossos indignados.
Estes últimos, sim, têm tudo para se tornarem uma nova vanguarda anticapitalista, em substituição aos partidos de esquerda que hoje evitam até proferir a palavra revolução, tão domesticados estão.
O pessoal dos rolezinhos, os gays que marcam beijaços para os shoppings e contingentes afins devem ter seus direitos humanos e civis respeitados, mas seria um erro superestimarmos seu inconformismo. Com um pouquinho de jogo de cintura, o sistema os cooptará - é exatamente o que a Folha de S. Paulo propõe, sua incorporação "à rotina da cidade".
Quanto aos shoppings, louvados pelo RA como "verdadeiras ágoras [vá ser pedante assim na ponte que partiu!!!] da boa e saudável democratização do consumo e dos serviços", são, isto sim, malditos fetiches do capitalismo! Exacerbam algumas das piores características do sistema alicerçado na exploração do homem pelo homem:
a segregação dos excluídos, com os cidadãos que ainda têm emprego/trabalho encastelando-se em espaços protegidos como os dos shoppings e dos condomínios fechados, enquanto a miséria e a barbárie grassam lá fora, entre os desempregados e marginalizados, cada vez mais relegados a uma condição subumana;
a priorização do indivíduo motorizado, a quem são oferecidas as melhores condições para se locomover de sua morada bem policiada para o edifício idem no qual trabalha e para o shopping idem em que faz quase todo o resto, sem ser obrigado a por os pés no chão das vias públicas (o que o condiciona a sentir-se seguro apenas nos espaços controlados e a temer os imprevistos das ruas, não identificando como suas iguais as pessoas que fazem parte da multidão e sendo levado a querer obsessivamente delas se diferenciar - esta maioria silenciosa de patéticos egoístas, que tentam levar vantagem sozinhos e estão se lixando para o bem comum, desempenha papel fundamental para a sobrevivência do capitalismo); e
o consumo compulsivo, induzido pelos muitos artifícios que levam os necessitados de determinado produto a acabarem adquirindo vários outros artigos, geralmente não prioritários, enforcando-se nos crediários e cartões de créditos, sendo sangrados pelos juros escorchantes e ficando eternamente prisioneiros da engrenagem capitalista.
Os shoppings nos reduzem à condição de pássaros - em gaiolas reluzentes, sim, mas sempre cativos!
É nas ruas e nas praças que podemos forjar uma realidade bem diferente.
Náufrago da Utopia
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