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sábado, 9 de abril de 2011

Terror no Rio de Janeiro: como explicar?

A execução de dez meninas e dois meninos, alunos de uma escola no bairro do Realengo, Rio de Janeiro, e o ferimento de outras crianças da mesma idade, por um atirador que alvejava suas vítimas com dois revólveres e requintes de crueldade, e que acabou se suicidando, chocou toda a sociedade brasileira e vem repercutindo até internacionalmente.

Os especialistas já estão a postos formulando as primeiras análises sobre o perfil do assassino, Wellington Menezes de Oliveira, de 24 anos.

A questão é complexa. Sair "atirando pra todos os lados", culpando o governo, o sistema educacional sucateado, a pobreza, a carência, a falta de oportunidades nas classes menos favorecidas, parece ser a possibilidade mais fácil de explicação. Mas será a verdadeira?

No post anterior já lembramos de Suzane von Richthofen. Bem nascida, de classe média alta, moradora de bairro nobre de São Paulo, estudante de Direito (!) da PUC, a segunda melhor da cidade, de pai engenheiro e mãe psiquiatra, aliou-se ao namorado e ao irmão deste e ao que tudo indica planejou toda a ação criminosa. Seus pais, enquanto dormiam, foram assassinados com barras de ferro pelos dois rapazes, enquanto Suzane aguardava friamente o desfecho do crime em outro cômodo. Depois de revirarem a casa toda para simular um latrocínio (roubo seguido de morte), ela e o namorado foram para um motel.

Neste caso, não há como culpar o governo, o sistema educacional, já que Suzane era endinheirada e frequentou as melhores escolas particulares de São Paulo.

Poderíamos lembrar também, entre outros, o triste caso da menina Eloá e seu algoz e namorado, Lindemberg Fernandes, que ocupou as manchetes principais da mídia dias e dias.

Já dissémos aqui: os psicopatas estão em toda a parte. No meio de todos nós. Nas nossas famílias, em nossos ambientes profissionais, na política, na mídia, na blogosfera... em toda a sociedade.

Não sou psicóloga, psiquiatra ou estudiosa da mente ou do comportamento humano. Mas uma das possibilidades que vejo para tentar entender o massacre chocante das crianças, que infelizmente pode fomentar outros, pela espetacularização do crime promovida pela mídia, é analisar pelo viés da psicopatia, um transtorno de personalidade que produz feras predadoras desprovidas de qualquer freio moral, que ameaçam todos nós, destruindo nossas vidas, simbolicamente ou não.

A sociedade precisa despertar e ficar atenta a estes predadores disfarçados de pessoas do Bem, que podem produzir danos irreparáveis na vida de todos nós.

Entrevista com a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva à revista Única nos ajuda a refletir sobre esse perigo que todos corremos. 



Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado


Por Rose Domingues   

Única – Hoje existem muitas séries na TV a cabo, principalmente, mostrando casos de psicopatas, mas qual é a definição exata para eles?


Ana Beatriz - Psicopata é o indivíduo que apresenta um transtorno de personalidade, que se caracteriza por total ausência de sentimento de culpa, arrependimento ou remorso pelo que faz de errado. Falta de empatia com outro e emoções de forma geral (amor, tristeza, medo, compaixão, etc.). Os psicopatas são frios e calculistas, mentirosos contumazes, egocêntricos, megalômanos, parasitas, manipuladores, impulsivos, inescrupulosos, irresponsáveis, transgressores de regras sociais, muitos são violentos e só visam ao interesse próprio. Nós, latinos, afetivos, passionais, temos dificuldade de admitir que existem pessoas más.


Única – Onde estes "transgressores" estão?


Ana Beatriz - Eles estão infiltrados em todos os meios sociais, credo, sexo, cultura e são capazes de passar por cima de qualquer pessoa apenas para satisfazer seus sórdidos interesses. Podemos dizer que são verdadeiros "predadores sociais", almejam somente o poder, status e diversão e usam as pessoas apenas como troféus ou peças do seu jogo cruel.


Única - Psicopata é qualquer maluco ou louco?


Ana Beatriz - Não. É muito comum as pessoas associarem psicopatia com loucura, mas isso é uma ideia equivocada. "Loucura" é o que a medicina denomina surto psicótico (alucinações ou delírios), como ocorre com os portadores de esquizofrenia, por exemplo. Já os psicopatas sabem exatamente o que estão fazendo, que estão infringindo regras sociais, e que a vítima está sofrendo com suas atitudes maquiavélicas, imorais e antiéticas. Os psicopatas não apresentam problema algum de ordem cognitiva ou deficiência de raciocínio. A deficiência deles está no campo das emoções: aquilo que nos vincula afetivamente com o outro ou com todas as coisas do universo.


Única - Todo psicopata é um serial killer?


Ana Beatriz - Isso também é um grande equívoco. Somente uma pequena parcela dos psicopatas é serial killer ou assassino em série. A maioria sequer matou uma pessoa ou até mesmo apresenta uma aparência perversa. Para entender isso, é preciso ter em mente que existem níveis variados de psicopatia: leve, moderada e severa. O psicopata leve (a maioria) é aquele que vive de golpes, roubos, fraudes, estelionatos, que engorda ilicitamente suas contas bancárias com o dinheiro público, etc.


Única – A senhora está dizendo que um amigo que nos "dá uma rasteira" no trabalho pode ser um psicopata...


Ana Beatriz – Exatamente! Os que detêm a psicopatia leve estão disfarçados de líderes religiosos, bons políticos, executivos bem sucedidos, bons amigos, bons amantes... eles podem arruinar empresas, destruir lares, se promover à custa dos outros, mas não sujam suas mãos de sangue. Geralmente são charmosos, sedutores, inteligentes, aparentam ser pessoas "do bem", possuem grande poder de persuasão e habilidade para enganar quem quer que seja. Estão do lado de fora das grades, convivendo com todos nós, sem levantar suspeitas de quem realmente são. Mas todos deixam marcas de destruição por onde passam.


Única - Um assassino pode não ser psicopata e um psicopata pode jamais matar...


Ana Beatriz – Existem assassinos passionais que jamais matariam novamente. Um exemplo é a mulher que matou o estuprador do filho dela de 4 anos. Ela nada tem de psicopata. Ao contrário, apesar da violência, o crime dela pode ser compreensível para muitas mães. Ao passo que um psicopata pode nunca ter a necessidade de assassinar, resolvendo suas questões matando vidas afetivas e financeiras, prejudicando pessoas de forma irreversível, mas sem matá-las. Na população carcerária, segundo pesquisas feitas no Canadá e nos Estados Unidos, há de 20% a 25% de psicopatas.


Única - Como reconhecer um psicopata e se proteger?


Ana Beatriz - Reconhecer um psicopata não é uma tarefa tão fácil até porque, como já dito, a maioria não tem aparência de mau ou descuidada. Inclusive os profissionais da área médica e psicológica podem ser facilmente enganados por eles, uma vez que eles são os verdadeiros atores da vida real. Mas há algumas características básicas entre eles: falam muito de si mesmos, mentem e não se constrangem quando descobertos, têm postura arrogante e intimidadora por um lado, mas são charmosos e sedutores por outro.


Única – A senhora explica em seu livro que os "bajuladores excessivos" ou chefes que praticam "assédio moral" podem ter a patologia?


Ana Beatriz – Os psicopatas da vida real costumam contar histórias tristes, em que são heróis e generosos. Manipulam as pessoas por meio de elogios desmedidos. Se tiver de começar a desconfiar de alguém, desconfie sim dos "bajuladores excessivos". Chefes também podem ser psicopatas – o que costuma se manifestar pelo assédio moral aos funcionários. Um dado interessante é que eles não sentem compaixão ou remorso. Mas sabem, cognitivamente, o que é ter esses sentimentos. Daí representarem tão bem – e às vezes exageradamente – o papel de vítima.


Única - A partir de que idade é possível diagnosticar a psicopatia?


Ana Beatriz - A medicina só pode dar o diagnóstico de psicopatia a partir dos 18 anos. No entanto, ninguém se transforma em psicopata de um dia para o outro. O indivíduo já nasce psicopata. Assim, fica claro que uma criança e um adolescente também apresentam condutas maldosas ou são genuinamente perversos. Isso se percebe nos maus-tratos com os irmãos, coleguinhas e animais, nas mentiras recorrentes, roubos de pertences dos outros, transgressões de regras sociais, e especialmente na falta de afeto.


Única – Quem são as vítimas preferidas dos psicopatas?


Ana Beatriz – Quase sempre pessoas generosas, em especial aquelas que não acreditam no mal e costumam tentar justificar as atitudes de todo mundo. Se nós queremos nos defender e não compactuar com essas pessoas é preciso entender que o mal existe verdadeiramente. É preciso ter cautela sempre quando não se conhece alguém ainda muito bem. Checar seus hábitos, saber um pouco do seu passado, ficar atento ao joguinho "da pena", "do coitadinho".


Única - Qual é o tratamento? Existe cura?


Ana Beatriz - Em se tratando de saúde mental, só podemos falar em tratamento para as pessoas que estão em sofrimento e apresentam intenso desconforto emocional, que as impede de manter uma boa qualidade de vida. Por mais bizarro que possa parecer, os psicopatas parecem estar inteiramente satisfeitos consigo mesmos e não apresentam constrangimentos morais ou sofrimentos emocionais como depressão, ansiedade, culpas ou baixa autoestima. Assim, não é possível tratar um sofrimento inexistente.


Única - A legislação brasileira está atualizada no que diz respeito à punição dos psicopatas?


Ana Beatriz - O problema do Brasil é que ele agrupa os psicopatas e os doentes mentais na mesma legislação, porém a psicopatia não se enquadra nas doenças mentais padronizadas. Por ser um transtorno de personalidade, ela resulta em um indivíduo cujo "modo de ser" se limita a condutas antissociais com enorme potencial destrutivo. Se um criminoso psicopata for condenado sem esse diagnóstico, cumpre a prisão, mas ao sair da cadeia, a sociedade corre os mesmos riscos de antes. Caso este mesmo indivíduo seja diagnosticado como psicopata, é considerado um doente mental e se beneficia de um tratamento psiquiátrico em manicômio judiciário. Como não há cura, teoricamente ele deveria ficar por lá pelo resto da vida, o que não acontece na prática.


Única - Como é o cenário em outros países?


Ana Beatriz - Em países como o Canadá, Inglaterra, Austrália e em alguns estados dos EUA, onde se aplica a escala Hare (check list para psicopatia), o psicopata cumpre penas bem mais rigorosas: prisão perpétua em celas específicas com isolamento.


Única – Há muitos psicopatas no mundo? O percentual de homens psicopatas é maior por quê?


Ana Beatriz – Mais do que se imagina, cerca de quatro em cada 100 pessoas são psicopatas, segundo estatísticas norte-americanas. Mais homens que mulheres. São três homens para cada mulher. Mas não sabemos se as mulheres não estão sendo subdiagnosticadas. Isso porque eles são naturalmente mais impulsivos e agressivos que as mulheres. Já elas apresentam uma perversidade mais sutil, camuflada, no campo das intrigas. Mas seja lá como for não existe nenhuma pesquisa que aponte por que existem mais homens psicopatas que mulheres.