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terça-feira, 24 de maio de 2011

República dos Canalhas ou Como é doce uma quadrilha!...

Bom, nem preciso escrever algumas linhas para introduzir o artigo abaixo, como costumo e gosto de fazer aqui no ABC!

Basta uma vista d' olhos no noticiário nacional pra saber do que se trata aqui. Nenhum dos "pilares" da República Bananeira escapa, mesmo. Quando não é o Judiciário e suas bandas podres, seus cancros, seus semideuses cínicos e togados, são os trocentos picaretas do Congresso... E agora, o primeiro escalão do Executivo, no governo da Primeira Mulher Presidente da República, que sequer completou seis meses!

Como diz o outro, Viva o Brasil !!!


O discreto charme da corrupção

Arnaldo Jabor

Vivemos sob uma chuva de escândalos e denúncias de corrupção. Mas, não se enganem, esses shows permanentes nos jornais e TV servem apenas para dar ao povo a impressão de transparência e para desviar seus olhos das reformas essenciais que mantêm nossas oligarquias intactas. Aos poucos o povo vai se acostumar à zorra geral e achar que tanta gente tem culpa que ninguém tem culpa. Me chamam de canalha, mas eu sou essencial. Tenho orgulho de minha cara de pau, de minha capacidade de sobrevivência, contra todas as intempéries. 

Enquanto houver 25 mil cargos de confiança no País, eu estarei vivo, enquanto houver autarquias dando empréstimos a fundo perdido, eu estarei firme e forte. Não adiantam CPIs querendo me punir. Eu me saio sempre bem. Enquanto houver esse bendito Código de Processo Penal, eu sempre renascerei como um rabo de lagartixa, como um retrovírus fugindo dos antibióticos. 

Eu sei chorar diante de uma investigação, ostentando arrependimento, usando meus filhos, pais, pátria, tudo para me livrar. Eu declaro com voz serena: "Tudo isso é uma infâmia de meus inimigos políticos".

Eu explico o Brasil de hoje. Tenho 400 anos: avô ladrão, bisavô negreiro e tataravô degredado. Eu tenho raízes, tradição. Durante quatro séculos, homens como eu criaram capitanias, igrejas, congressos, labirintos. Nunca serão exterminados; ao contrário - estão crescendo. Não adianta prender nem matar; sacripantas, velhacos, biltres, vendilhões e salafrários renascerão com outros nomes, inventando novas formas de roubar o País.

E sou também "pós-moderno": eu encarno a "real-politik" do crime, a frieza do Eu, a impávida lógica do egoísmo.

No imaginário brasileiro, tenho algo de heroico. São heranças da colônia, quando era belo roubar a Coroa. Só eu sei do delicioso arrepio de me saber olhado nos restaurantes e bordeis; homens e mulheres veem-me com gula: "Olha, lá vai o ladrão..." - sussurram fascinados por meu cinismo sorridente, os maîtres se arremessando nas churrascarias de Brasília e eu flutuando entre picanhas e chuletas.

Amo a adrenalina que me acende o sangue quando a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares, vibro quando vejo os olhos covardes dos juízes me dando ganho de causa, ostentando honestidade, fingindo não perceber minha piscadela maligna e cúmplice na hora da emissão da liminar... Adoro a sensação de me sentir superior aos otários que me compram, aos empreiteiros que me corrompem, eles, sim, humilhados em vez de mim.

Sou muito mais complexo que o bom sujeito. O bom é reto, com princípio e fim; eu sou um caleidoscópio, uma constelação.

Sou mais educativo. O homem de bem é um mistério solene, oculto sob sua gravidade, com cenho franzido, testa pura. O honesto é triste, anda de cabeça baixa, tem úlcera. Eu sou uma aula pública de perversidade. Eu não sou um malandro - não confundir. O malandro é romântico, boa-praça; eu sou minimalista, seco, mais para poesia concreta do que para o samba-canção. Eu faço mais sucesso com as mulheres - elas ficam hipnotizadas por meu mistério; e me amam, em vez do bondoso, que é chato e previsível. 

A mulher só ama o inconquistável. Eu fascino também os executivos de bem, porque, por mais que eles se esforcem, competentes, dedicados, sempre se sentirão injustiçados por algum patrão ingrato ou por salários insuficientes. Eu, não; não espero recompensas, eu me premio e tenho o infinito prazer do plano de ataque, o orgasmo na falcatrua, a adrenalina na apropriação indébita. Eu tenho o orgulho de suportar a culpa, anestesiá-la - suprema inveja dos meros neuróticos e sempre arranjo uma razão que me explica para mim mesmo. Eu sempre estou certo; ou sou vítima de algum mal antigo: uma vingança pela humilhação infantil, pela mãe lavadeira ou prostituta que trabalhou duro para comprar meu diploma falso de advogado. Pois é, eu comprei meu título de advogado; paguei um filho de uma égua para me substituir no exame e ele acertou tudo por mim. Eu me clonei.

Subi até a magistratura. Como juiz e com meu belo diploma falso na parede, vendi muitas sentenças para fazendeiros, queimadores de florestas, enchi o rabo de dinheiro. Passei a ostentar uma dignidade grave, uma cordialidade de discretos sorrisos, vivendo o doce frisson de me sentir superior aos medíocres honestos que se sentem "dignos"; digno era eu, impávido, mentindo, pois a mentira é um dom dos seres superiores. A mentira é necessária para manter as instituições em funcionamento. O Brasil precisa da mentira para viver. E vi que é inebriante ser cruel, insensível, ignorar essas bobagens como a razão, a ética, que não passam de luxos inventados pelos franceses, como os escargots.

Aí, com muito dinheiro encafuado, bufunfas e granolinas entesouradas, eu me permiti as doçuras da vida e me apaixonei por aquela santa que virou mãe de meus filhos. Hoje, com a passagem do tempo, ela vai se consumindo em plásticas e murchando sob pilhas de botox, mas continuo fiel a ela como o marido público, pois nunca a abandonarei, apesar das amantes nas lanchas, dos filhos bastardos.

E, aí, fui criando a minha rede de parentes e amigos; como é doce uma quadrilha, como é bela a confiança de fio de bigode, o trânsito cordial entre a lei e o crime... Assim, eu fechei o ciclo que começou na mãe lavadeira e no diploma falso até a minha toga negra, da melhor seda pura que minha esposa comprou em Miami, e não fui feito desembargador nas coxas não; eu já sabia que bastavam padrinhos e meia dúzia de frases em latim: "Actore non probante, reus absolvitur!" (frase que muito me beneficiou vida a fora.) Depois, claro, fui deputado, senador e sou um homem realizado. Eu sou mais que a verdade; eu sou a realidade. Eu e meus amigos criamos este emaranhado de instituições que regem o atraso do País. Este País foi criado na vala entre o público e o privado. 

A bosta não produz flores magníficas? Pois é. O que vocês chamam de corrupção, eu chamo de progresso. O Brasil precisa de mim.


Do saite Espaço Vital.

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Os perseguidos

Lucius Annaeus Seneca, que nasceu em Córdoba, Espanha, alguns anos antes da era cristã, é o primeiro representante do estoicismo romano. Era filho do retórico Sêneca, o Velho, e foi educado em Roma, onde estudou retórica e filosofia. Ficou famoso como advogado. Como político, chegou ao Senado, sendo depois nomeado questor, magistrado da justiça criminal.

O sucesso de Sêneca na política provocou a inveja do imperador Calígula, que pretendia assassiná-lo, mas quem acabou morrendo mesmo foi Calígula. Anos depois, sob acusação de adultério, Sêneca foi exilado na Córsega, onde sofreu grandes privações de ordem material.

De volta a Roma depois de longo período, assumiu a educação de Nero, sendo seu principal ministro e conselheiro quando este se torna imperador. Alcançou sucesso e fortuna, provocando então a hostilidade de Nero. Perseguido, acaba condenado ao suicídio.

Com serenidade estoica, no ano 65 da nossa era, cortou os pulsos diante de amigos, cumprindo a condenação determinada pelo despótico imperador.

Entre seus Ensaios Morais contam-se Sobre a Clemência, onde adverte Nero sobre os perigos da tirania, Da Brevidade da Vida, em que analisa as frivolidades nas sociedades corruptas e Sobre a Tranquilidade da Alma, que trata da participação na vida pública.

Para Sêneca, a filosofia é uma arte da ação humana, uma pedagogia que educa os homens para o exercício da virtude, uma medicina da alma. No centro da reflexão filosófica, portanto, deve estar a ética, os valores imperecíveis.

Como se vê, não é de hoje que a inveja constitui motor das injustiças cometidas pela iniquidade.


Os perseguidos


Maus não são os que parecem ser, os que apenas parecem ser. E o que tu chamas de asperezas, adversidades, abominações, são coisas até proveitosas às pessoas que as têm de suportar, e mesmo a todos os homens, pelos quais velam os deuses, os sofrimentos, injustamente impostos, acabam tornando-se merecimento para os que os recebem e castigo para os que se livram deles a qualquer preço.

Em geral, as perseguições atingem os bons, exatamente porque são bons. Não chores sobre o sofrimento dos bons, para que não se tenha a idéia de que eles são desventurados. Não te espantes, se te digo que ser esmagado pela perseguição não é, geralmente, uma desgraça para o homem, mas antes uma felicidade e uma honra.

"Mas será proveitoso - perguntas - ser lançado ao exílio, reduzido à indigência, ter de enterrar a esposa e os filhos, ser vilipendiado pela ignomínia e mutilado pela tortura?" Se te parece estranho que isso seja proveitoso, também te há de parecer estranho que alguns sejam curados com ferro e fogo, como pela fome ou pela sede. Mas se considerares que a alguns, por remédio heroico, lhes quebram e arrancam os ossos, lhes extraem veias e amputam determinados membros, que não poderiam ficar unidos ao resto do corpo sem prejudicá-lo, também hás de reconhecer, forçosamente, que certos males beneficiam aos que os suportam.

Da mesma forma certas vantagens, certos prazeres, certas recompensas e honrarias aviltam e desfiguram aos que delas se beneficiam. Entre muitas e magníficas sentenças de nosso Demétrio, há uma de que sempre me lembro, e que diz que nada parece mais infeliz do que o homem que nunca sofreu contrariedades, pois, assim, nunca foi provado. Os deuses o desprezam, não lhe dando oportunidade de construir sua fortaleza de ânimo e vencer as injustiças.

É próprio dos pouco dignos não sofrer perseguições, pois estão sempre de acordo com os poderosos, como se dissessem: "Para que vou me opor a um adversário temível?" Sobre estes, o opressor nem precisará descer sua mão pesada. Acovardam-se com um simples olhar. O próprio opressor os despreza, e respeita mais aqueles que o enfrentam com valor, mesmo quando são esmagados. O próprio opressor gosta de medir suas forças com quem também tem força, e tem vergonha de lutar contra um homem resignado à derrota e à submissão. O gladiador considera uma ignomínia combater com um inferior e sabe que o vencido sem perigo é um vencido sem glória.

Assim também procede a fortuna: busca os mais fortes, os que não têm medo, os mais tenazes. Prova a Múcio com o fogo, o Fabrício com a pobreza, a Rutilo com o desterro, a Régulo com a tortura, a Sócrates com o veneno, a Catão com a morte. Só na adversidade se encontram as grandes lições de heroísmo. Será que Múcio foi um infeliz ao segurar na mão direita a tocha acesa e ao infligir-se a si mesmo o castigo de seu erro, pondo em fuga com a mão queimada o rei que não pudera afugentar com a mão armada? Teria alcançado glória maior se estivesse acalentando a mão no seio de uma amiga? E Fabrício, ao lavrar seu pequeno campo, nas horas de folga do exercício do governo, no qual fazia a guerra tanto a Pirro como às riquezas, e porque, à luz da lamparina de sua casa modesta, não come outra coisa senão as raízes e as ervas que plantou e colheu com suas próprias mãos?

E Rutilo, será um infeliz por ter sofrido uma condenação da qual os juízes que o condenaram se envergonharão através dos tempos, e por ela responderão ao longo dos séculos? O que o honra, exatamente, é a grandeza com que se portou diante dos juízes perversos, e preferiu perder o direito de viver na própria pátria, negando-se sempre a negociar sua consciência com Sila, o ditador, a quem respondeu viajando ainda mais longe de Roma, quando o tirano o convidava a voltar. Sua resposta altiva ao ditador era que ficasse ele com os que se compraziam na submissão e contemplavam sem revolta o sangue derramado na rua e as cabeças dos senadores do povo no lado serviliano e as hordas de assassinos rondando soltos a cidade, e os milhares de cidadãos romanos degolados num mesmo lugar, depois de haverem jurado fidelidade, e até exatamente por isto. Fiquem com tudo isso - dizia o exilado - os que preferem a desonra ao desterro. E a Régulo, a quem torturaram, arrancaram a pele, encheram-lhe o corpo de feridas, obrigaram-no a não dormir - quem era superior: ele, ou os torturadores? Seu tormento foi grande, mas sua glória foi maior. Porque sofria pela causa do povo romano.


(Do tratado sobre a Providência)

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