JUDICIÁRIO E JUSTIÇA
Dez medidas são possíveis para aprimorar a Justiça
João Baptista Herkenhoff*
Frei Leonardo Boff diz que os momentos de crise são a grande oportunidade para os avanços e a superação.
Podem exercer este efeito positivo: a crise que castiga a pessoa, cada um de nós, em particular; ou a crise que alcança instituições, fases históricas ou mesmo países.
Esta reflexão inaugural conduz o espírito a uma reflexão posterior e consequente: um momento de crise do Poder Judiciário pode ser o mais acertado e próprio para refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justiça.
Proponho dez medidas para aprimorar a Justiça, como passo a expor. São medidas, a meu ver, perfeitamente exequíveis, desde que haja boa vontade.
1) Arejar os tribunais — Nada de sessões secretas, exceto para questões que envolvam a privacidade das pessoas (casos de família e outros). Nada de exigência de roupas e calçados para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos julgamentos. Que todas as decisões e votos sejam abertos e motivados.
2) Dar rapidez aos julgamentos — É possível fazer com que a Justiça seja mais rápida. Que as partes em conflito aleguem e façam provas, como é certo, mas que se alterem as leis de modo que não se fraude a prestação jurisdicional através de recursos abusivos. Que se acabe com o recurso obrigatório nas decisões contra o Poder Público, pois isso é admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a decisão seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrupção. O duplo grau de jurisdição, nessas hipóteses, contribui para sobrecarregar as pautas dos tribunais. Que se mudem também práticas que não estão nas leis mas estão nos hábitos e que entravam a Justiça, transformando-a numa traquitana, como disse Monteiro Lobato.
3) Humanizar a Justiça — A Justiça não lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato das partes com o juiz é indispensável, principalmente nos casos das pessoas mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justiça. Kafka desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do processo judicial. O apelo de ser escutado é um atributo inerente à condição humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia é uma brutalidade inaceitável.
4) Praticar a humildade — O que faz a Justiça ser respeitada não são as pompas, as reverências, as excelências, as togas, mas a retidão dos julgamentos. Na última morada, ser enterrado de toga não faz a mínima diferença. Neste momento final, a mais alta condecoração será a lágrima da viúva agradecendo ao magistrado, em silêncio, a Justiça que lhe foi feita. Por que não se muda a designação dos chamados Poderes para serviços? Serviço Executivo, Serviço Legislativo e Serviço Judiciário. São mesmo serviços, devem ser entendidos como serviços a que o povo tem direito.
5) Democratizar a Justiça — Começar pela democratização da eleição dos presidentes dos tribunais. Todos os magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao completar o mandato. Um presidente de tribunal não é apenas aquela pessoa que preside às sessões, mas é alguém que exerce a presidência de um órgão do Poder.
6) Alterar o sistema de vitaliciedade — O magistrado não se tornaria vitalício depois de dois anos de exercício, mas através de três etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria a apreciação de sua conduta, com a participação de representantes da sociedade civil, porque não seria apenas o julgamento técnico (como nos concursos de ingresso), mas o julgamento ético (exame amplo do procedimento do juiz).
7) Combater o familismo — Nada de penca de parentes na Justiça. Concursos honestos para ingresso na magistratura e também para os cargos administrativos. Neste ponto a Constituição de 1988 regrediu em comparação à Constituição de 1946. A Constituição de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal. A Constituição de 1988 proíbe parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal tiver cinco turmas será possível que cinco parentes façam parte de um mesmo tribunal, desde que um parente em cada turma.
8) Aumentar a idade mínima para ser juiz — O cargo exige experiência de vida, não demanda apenas conhecimentos técnicos.
9) Fazer da Justiça uma instituição impoluta — A corrupção é sempre inaceitável. Dentro da Justiça, brada aos céus. Um magistrado corrupto supera, em baixeza moral, o mais perigoso bandido.
10) Colocar os juízes perto dos litigantes — Se o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore, para alcançar suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço, que é referencial de cultura, referencial de existência.
* Juiz de Direito aposentado e professor na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo.
Podem exercer este efeito positivo: a crise que castiga a pessoa, cada um de nós, em particular; ou a crise que alcança instituições, fases históricas ou mesmo países.
Esta reflexão inaugural conduz o espírito a uma reflexão posterior e consequente: um momento de crise do Poder Judiciário pode ser o mais acertado e próprio para refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justiça.
Proponho dez medidas para aprimorar a Justiça, como passo a expor. São medidas, a meu ver, perfeitamente exequíveis, desde que haja boa vontade.
1) Arejar os tribunais — Nada de sessões secretas, exceto para questões que envolvam a privacidade das pessoas (casos de família e outros). Nada de exigência de roupas e calçados para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos julgamentos. Que todas as decisões e votos sejam abertos e motivados.
2) Dar rapidez aos julgamentos — É possível fazer com que a Justiça seja mais rápida. Que as partes em conflito aleguem e façam provas, como é certo, mas que se alterem as leis de modo que não se fraude a prestação jurisdicional através de recursos abusivos. Que se acabe com o recurso obrigatório nas decisões contra o Poder Público, pois isso é admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a decisão seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrupção. O duplo grau de jurisdição, nessas hipóteses, contribui para sobrecarregar as pautas dos tribunais. Que se mudem também práticas que não estão nas leis mas estão nos hábitos e que entravam a Justiça, transformando-a numa traquitana, como disse Monteiro Lobato.
3) Humanizar a Justiça — A Justiça não lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato das partes com o juiz é indispensável, principalmente nos casos das pessoas mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justiça. Kafka desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do processo judicial. O apelo de ser escutado é um atributo inerente à condição humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia é uma brutalidade inaceitável.
4) Praticar a humildade — O que faz a Justiça ser respeitada não são as pompas, as reverências, as excelências, as togas, mas a retidão dos julgamentos. Na última morada, ser enterrado de toga não faz a mínima diferença. Neste momento final, a mais alta condecoração será a lágrima da viúva agradecendo ao magistrado, em silêncio, a Justiça que lhe foi feita. Por que não se muda a designação dos chamados Poderes para serviços? Serviço Executivo, Serviço Legislativo e Serviço Judiciário. São mesmo serviços, devem ser entendidos como serviços a que o povo tem direito.
5) Democratizar a Justiça — Começar pela democratização da eleição dos presidentes dos tribunais. Todos os magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao completar o mandato. Um presidente de tribunal não é apenas aquela pessoa que preside às sessões, mas é alguém que exerce a presidência de um órgão do Poder.
6) Alterar o sistema de vitaliciedade — O magistrado não se tornaria vitalício depois de dois anos de exercício, mas através de três etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria a apreciação de sua conduta, com a participação de representantes da sociedade civil, porque não seria apenas o julgamento técnico (como nos concursos de ingresso), mas o julgamento ético (exame amplo do procedimento do juiz).
7) Combater o familismo — Nada de penca de parentes na Justiça. Concursos honestos para ingresso na magistratura e também para os cargos administrativos. Neste ponto a Constituição de 1988 regrediu em comparação à Constituição de 1946. A Constituição de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal. A Constituição de 1988 proíbe parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal tiver cinco turmas será possível que cinco parentes façam parte de um mesmo tribunal, desde que um parente em cada turma.
8) Aumentar a idade mínima para ser juiz — O cargo exige experiência de vida, não demanda apenas conhecimentos técnicos.
9) Fazer da Justiça uma instituição impoluta — A corrupção é sempre inaceitável. Dentro da Justiça, brada aos céus. Um magistrado corrupto supera, em baixeza moral, o mais perigoso bandido.
10) Colocar os juízes perto dos litigantes — Se o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore, para alcançar suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço, que é referencial de cultura, referencial de existência.
* Juiz de Direito aposentado e professor na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo.
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