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sábado, 17 de dezembro de 2011

O assassinato do Yorkshire e a barbárie no Facebook



Eu queria mesmo tratar deste assunto.


Eu queria compartilhar com vocês o sentimento de revolta e indignação que me tomou ontem quando "passei os olhos" sobre aquela violência estúpida, de uma enfermeira covarde e doente, contra um animalzinho indefeso, estampada em vários sites e portais.


Falo que "passei os olhos" porque não consigo ler este tipo de notícia. E muito menos ver o vídeo do assassinato cometido por esta besta enfurecida.


A indignação é imensa diante da atrocidade contra o animal, mas ao mesmo tempo brota em mim o estranhamento pela reação irracional de internautas que promovem um verdadeiro linchamento público e sumário da assassina.


Espero que a Polícia, o Judiciário, o Ministério Público cumpram com suas obrigações constitucionais, façam valer a Lei de Crimes Ambientais e outros dispositivos legais e sancionem este ser estúpido e ignorante, que cometeu esta barbaridade e ainda se vangloria nas redes sociais (apologia a crime). E alerto para que fiquemos atentos às nossas atitudes, para não nos deixarmos contaminar pela atmosfera de bestialidade e enveredarmos por insanidades semelhantes.


Toda Vida é Sagrada!




Civilização e barbárie
A era dos homo facers

Durante algum tempo, homens e animais dividiram os mesmos espaços e as mesmas angústias. Não existiam gandulas de supermercado, mas, em compensação, não havia outras preocupações na vida a não ser “o que vou comer no almoço”, “o que devo caçar”, “como conseguir o alimento com menos tempo e menos esforço”.

Era o tempo da racionalidade. O corpo tinha fome e o instinto nos levava à caça, à pesca, à colheita de frutos. Homens e iguanas poderiam sentar numa mesma mesa de bar, se houvesse bar naquele tempo, para compartilhar as mesmas queixas sobre um dia árduo. “Rapaz, deixei aquele mosquito escapar, mas foi por pouco. Tive que me contentar com um caqui podre que já estava no chão. Meu filho ficou puto porque não aguenta mais comer caqui”.



O homo facer: de dia compartilha bons sentimentos, à noite, pede sangue em nome de justiça

Ambos eram caça, ambos eram caçadores (a onça corria mais, mas os dois podiam se esconder na árvore).

E assim não caminhava a humanidade até o dia em que o sujeito de barba, ereto, observou um osso jogado no chão e percebeu que podia fazer daquele instrumento uma arma. Foi quando resolveu domesticar os animais para a sua alimentação e companhia. De um lado, atendia aos apelos do estômago, que teimava em sentir fome; de outro, atendia ao apelo da alma, para que desse um jeito na solidão.

Deste último grupo não havia melhor representante que os cães, que eram mais leais que o vizinho barbudo da casa ao lado. Eram tão dóceis quanto os elefantes e menos pegajosos do que as iguanas; só eles tinham porte para cuidar do nosso quintal e vigiar nossas posses sem estragos além dos inevitáveis. Criou-se o conceito de amizade.

Passa a fita e o sujeito barbudo abandona o osso e passa a fabricar armas. Fabrica também casas, indústrias, estradas, dutos, aviões e até lâminas de barbear. Fabrica também noções de justiça e regras de convivência. Quando viu, o homem já não era o lobo do homem, mas um ser atento a um novo jogo de sobrevivência. Permanecia falso como um camaleão, mas ciente de que um passo errado o colocaria em problemas com o delegado, com o juiz e até mesmo com o advogado, que viu naquilo tudo um negócio mais rentável do que vender ossos a prestação.

Era o tempo da evolução. Enquanto isso as iguanas e os cães seguiam lá: leais, mas à espera de que alguém os alimentasse.

Leia também:

‘Prende e arrebenta’

A morte no caminho
Indiferença, linguagem universal 

Fato é que, tanto tempo depois, o ser humano já aprendeu a lidar com quase tudo. Já foi pra Lua, começou e encerrou muitas guerras, construiu a ponte estaiada sobre a marginal, botou muito vírus e muita bactéria para correr. Só não aprendeu a lidar com o elemento humano que definitivamente o diferencia do animal que domestica. Porque o animal, quando tem fome, come; quando tem sono, dorme; mas o ser humano, desde que o mundo é mundo, tem mania de complicar tudo. Por isso, toma remédios para emagrecer quando deve comer, e bebe energético ou café com guaraná quando precisa dormir.

É o ser humano que, movido a paixões, mata pai, mãe, tio ou irmão quando é contrariado. Só ele possui propriedades ainda inexistentes no mundo mineral e animal, como o ciúme, a ingratidão, a raiva, a vingança, a indignação. Por isso gasta-se tanto tempo para entender, em vão, atitudes impensadas (ou pensadas, mas fora do script do que se considera normal), como jogar a filha pela janela do apartamento ou invadir um haras para matar a tiros a amante.



O cão, que assiste de camarote 
à involução humana




Anos de evolução e revoluções (da industrial à tecnológica) e páginas impressas de vã filosofia não bastaram para eliminar as barbáries do período primitivo. As barbáries, como os animais, foram apenas domesticadas. Estão sob eterna vigilância de um conjunto de regras e noções sobre ação e reação – que impedem, ou deveriam impedir, que irmãos matem irmãos impunemente. Mesmo assim, não impedem.


E quando não impedem, quando voltamos a nos comportar como animais, tentamos entender e racionalizar o que aconteceu. Quando isso é impossível, a coisa trava. Como uma máquina. Não conseguimos emitir resposta, a cabeça começa a esquentar, a soltar fumaça, como um computador à espera do Control + Alt + Del para começar tudo de novo.

Mergulhados numa era de competição feroz, e cansados de apertar os parafusos que nos garantem o orgulho de ser alguém na vida, entramos de cabeça num período confuso, de pura contradição. Lemos livros de auto-ajuda e falamos de bons sentimentos, mas damos cotoveladas homéricas em quem se aproximar do nosso parafuso e nossos quintais. O outro, o vizinho, o colega e até a esposa e o marido são sempre uma ameaça. Sempre podem produzir algo que não consta do script, da trairagem à traição. Porque são humanos, e não devolvem sorrisos quando fazemos cafuné neles. Alguns te engolem no dia seguinte, e ainda ameaçam colocar no YouTube aquele vídeo em que você aparece em posição constrangedora.

Vai ver é por isso que, para compensar nossa incapacidade de se desanimalizar (tenho a impressão de que essa palavra não existe), façamos tanto esforço para humanizar aqueles que ainda têm jeito na vida. No caso, os animais – aquele parceiro de caça de outrora e que hoje nos distrai e nos faz companhia na hora da novela, da sopa, e na hora em que precisamos quebrar o gelo da casa para não lembrar que somos sozinhos, vazios e incapazes de nos relacionar com alguém da nossa espécie.

É compreensível. Um animal bem cuidado jamais vai ser traiçoeiro. Vai, enquanto for vivo, cumprir tudo o que se espera dele. Jamais vai te contestar nem esperar seu sono para ligar para outros donos. Vai ser sempre leal, parceiro, dócil. Um ser, enfim, que devolve amor quando a ele dedicamos amor. Bem diferente dos filhos, para passarem metade da vida ouvindo regras e a outra metade as descumprindo. Adão e Eva estão aí para mostrar que não existe paraíso que compense a delícia de ser oposição (com o perdão a Machado de Assis).

Com quase 30 anos nas costas, não me lembro até hoje de ter conhecido ser humano mais leal do que o Tupi, um pastor belga parceiro de dias e noites num dos períodos mais saudosos da minha infância. E não me lembro até hoje de ter sentido uma tristeza mais aguda do que o dia em que nos despedimos dele, num centro veterinário de Jaboticabal, onde meus pais foram informados de que não havia outra cura para seus tumores a não ser sacrificá-lo. Nunca me esqueci do Tupi, que uma hora dessas deve estar roçando as pernas de São Francisco de Assis.

Mesmo assim, acho que até ele se preocuparia se visse, do céu, a reação de bípedes conectados que, numa ação conjunta articulada pela internet, resolveram pedir o linchamento público de uma mulher filmada agredindo um cão até a morte. A cena é lamentável e a comoção, como diante de qualquer crime, parece inevitável.

O crime é, como qualquer crime, um ponto fora da curva das regras de convivência. Racionais que somos, não estamos preparados para absorver algo que não faça sentido (um ser humano maltratar até a morte um ser indefeso). E, como uma máquina de computador que não codifica a mensagem e passa a soltar fumaça, voltamos à pré-história. O tal Control + Alt + Del.

Em coro, juntamente até com o novelista da tevê, vamos às redes sociais com tridentes, escopetas, facas nos dentes para pedir justiça. Não a justiça resultante de anos de evolução, com processo, direito de defesa, ressocialização, espaço para o arrependimento, ação corretiva. Mas a justiça dos antepassados, que expurgavam os pontos fora da curva com apedrejamento e sangue.

Na era virtual, não basta cobrar justiça. É preciso expor a agressora, mostrar a cara, o número do celular, o endereço e o aviso: procura-se viva ou morta. Se amanhã ela for presa, processada e punida, não sentiremos a menor saciedade. Sangue se paga com sangue, e é assim desde que homens e animais engatinhavam juntos nos tempos áureos.

Nada mais representativo dos nossa era atual. Nos últimos anos, o Twitter e o Facebook permitiram que encontrássemos eco para nossas ideias mais pessoais, algumas inconfessáveis em períodos normais da história.

Fosse vivo, Benito Mussolini mediria sua popularidade pelo botão de “curtir”, e não seria pouca. O usuário da internet, sabendo que é uma legião, perdeu até a vergonha de relinchar em público. Ganhou uma plateia para as causas justas (como a defesa da dignidade dos animais) e para as suas causas duvidosas (como uma certa vontade, assumida ou não, de passar o trator na cracolândia). O meio é a mensagem e a mensagem é, no mínimo, estranha: por que vemos tanto espírito no pet e nenhum no marginal?

A verdade é que, juntos, o sentimento de revolta e o compartilhamento de simpatias pela barbárie deram outra dimensão à ideia de justiça. Em defesa dos animais, passamos a pedir a eliminação do ser humano, numa tentativa vã de extirpar do nosso convívio o elemento humano, aquele imprevisível, ingrato, incompreensível, que nos leva ao crime e à barbárie.

A indignação e a revolta nos ajudam a lembrar que somos humanos, e não máquinas indiferentes. Mas, como humanos, nos lembram que estamos sujeitos à mesma barbárie, seja como vítimas, seja como carrascos. Contra a covardia, respondemos com mais covardia. E assim a humanidade segue, no seu inevitável caminho de volta ao tempo em que ainda rastejava.



Matheus Pichonelli


CartaCapital 


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Triste Judiciário: o Tribunal da Cidadania



Vimos sempre falando aqui do Judiciário brasileiro e de como ele destoa dos outros dois poderes da República, uma vez que é o mais fechado, retrógrado, elitista, refratário a mudanças e seus membros não são escolhidos por eleições.


A corrupção é um mal que se alastra em todas as direções, nos três poderes e em todos os outros setores da sociedade. Onde estiver o ser humano, com seus interesses mesquinhos, haverá corrupção.


O que não quer dizer que se aceite e não se combata este malfeito. No poder criado exatamente para promover a legalidade e coibir ilícitos, é inadmissível que a corrupção corra solta, como parece acontecer.


A seguir, mais um artigo do professor Marco Antonio Villa sobre as mazelas do Judiciário. Desta vez no STJ, o chamado "Tribunal da Cidadania".




Triste Judiciário: um breve retrato do STJ

Marco Antonio Villa


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é formado por 33 ministros. Foi criado pela Constituição de 1988. Poucos conhecem ou acompanham sua atuação, pois as atenções nacionais estão concentradas no Supremo Tribunal Federal. No site oficial está escrito que é o tribunal da cidadania. Será?

Um simples passeio pelo site permite obter algumas informações preocupantes.

O tribunal tem 160 veículos, dos quais 112 são automóveis e os restantes 48 são vans, furgões e ônibus. É difícil entender as razões de tantos veículos para um simples tribunal. Mais estranho é o número de funcionários. São 2.741 efetivos.

Muitos, é inegável. Mas o número total é maior ainda. Os terceirizados representam 1.018. Desta forma, um simples tribunal tem 3.759 funcionários, com a média aproximada de mais de uma centena de trabalhadores por ministro!! Mesmo assim, em um só contrato, sem licitação, foram destinados quase R$2 milhões para serviço de secretariado.

Não é por falta de recursos que os processos demoram tantos anos para serem julgados. Dinheiro sobra. Em 2010, a dotação orçamentária foi de R$940 milhões. O dinheiro foi mal gasto. Só para comunicação e divulgação institucional foram reservados R$11 milhões, para assistência médica a dotação foi de R$47 milhões e mais 45 milhões de auxílio-alimentação. Os funcionários devem viver com muita sede, pois foram destinados para compra de água mineral R$170 mil. E para reformar uma cozinha foram gastos R$114 mil. Em um acesso digno de Oswaldo Cruz, o STJ consumiu R$225 mil em vacinas. À conservação dos jardins — que, presumo, devem estar muito bem conservados — o tribunal reservou para um simples sistema de irrigação a módica quantia de R$286 mil.

Se o passeio pelos gastos do tribunal é aterrador, muito pior é o cenário quando analisamos a folha de pagamento. O STJ fala em transparência, porém não discrimina o nome dos ministros e funcionários e seus salários. Só é possível saber que um ministro ou um funcionário (sem o respectivo nome) recebeu em certo mês um determinado salário bruto. E só. Mesmo assim, vale muito a pena pesquisar as folhas de pagamento, mesmo que nem todas, deste ano, estejam disponibilizadas. A média salarial é muito alta. Entre centenas de funcionários efetivos é muito difícil encontrar algum que ganhe menos de 5 mil reais.

Mas o que chama principalmente a atenção, além dos salários, são os ganhos eventuais, denominação que o tribunal dá para o abono, indenização e antecipação das férias, a antecipação e a gratificação natalinas, pagamentos retroativos e serviço extraordinário e substituição. Ganhos rendosos. Em março deste ano um ministro recebeu, neste item, 169 mil reais. Infelizmente há outros dois que receberam quase que o triplo: um, R$404 mil; e outro, R$435 mil. Este último, somando o salário e as vantagens pessoais, auferiu quase meio milhão de reais em apenas um mês! Os outros dois foram “menos aquinhoados”, um ficou com R$197 mil e o segundo, com 432 mil. A situação foi muito mais grave em setembro. Neste mês, seis ministros receberam salários astronômicos: variando de R$190 mil a R$228 mil.

Os funcionários (assim como os ministros) acrescem ao salário (designado, estranhamente, como “remuneração paradigma”) também as “vantagens eventuais”, além das vantagens pessoais e outros auxílios (sem esquecer as diárias). Assim, não é incomum um funcionário receber R$21 mil, como foi o caso do assessor-chefe CJ-3, do ministro 19, os R$25,8 mil do assessor-chefe CJ-3 do ministro 22, ou, ainda, em setembro, o assessor chefe CJ-3 do desembargador 1 recebeu R$39 mil (seria cômico se não fosse trágico: até parece identificação do seriado “Agente 86”).

Em meio a estes privilégios, o STJ deu outros péssimos exemplos. Em 2010, um ministro, Paulo Medina, foi acusado de vender sentenças judiciais. Foi condenado pelo CNJ. Imaginou-se que seria preso por ter violado a lei sob a proteção do Estado, o que é ignóbil. Não, nada disso. A pena foi a aposentadoria compulsória. Passou a receber R$25 mil. E que pode ser extensiva à viúva como pensão. Em outubro deste ano, o presidente do STJ, Ari Pargendler, foi denunciado pelo estudante Marco Paulo dos Santos. O estudante, estagiário no STJ, estava numa fila de um caixa eletrônico da agência do Banco do Brasil existente naquele tribunal. Na frente dele estava o presidente do STJ. Pargendler, aos gritos, exigiu que o rapaz ficasse distante dele, quando já estava aguardando, como todos os outros clientes, na fila regulamentar. O presidente daquela Corte avançou em direção ao estudante, arrancou o seu crachá e gritou: “Sou presidente do STJ e você está demitido. Isso aqui acabou para você.” E cumpriu a ameaça. O estudante, que dependia do estágio — recebia R$750 —, foi sumariamente demitido.

Certamente o STJ vai argumentar que todos os gastos e privilégios são legais. E devem ser. Mas são imorais, dignos de uma república bufa. Os ministros deveriam ter vergonha de receber 30, 50 ou até 480 mil reais por mês. Na verdade devem achar que é uma intromissão indevida examinar seus gastos. Muitos, inclusive, podem até usar o seu poder legal para coagir os críticos. Triste Judiciário. Depois de tanta luta para o estabelecimento do estado de direito, acabou confundindo independência com a gastança irresponsável de recursos públicos, e autonomia com prepotência. Deixou de lado a razão da sua existência: fazer justiça.


MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP).

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