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terça-feira, 29 de julho de 2014

Campanha do Santander contra Dilma: imperial, antidemocrata


ELEIÇÕES 2014



"Um banco é uma concessão pública e não pode valer-se dessa situação para atuar numa eleição".
                                                            Senador Wellington Dias (PT-PI)


"Há instituições que colocam-se acima de qualquer dever com o futuro do país, o bem estar dos cidadãos e obrigações com o país que os acolhe.

É falta de respeito.

Pouco caso com o regime democrático."

                                                                 Paulo Moreira Leite, jornalista


Banco imperial

Paulo Moreira Leite*



Campanha do Santander contra Dilma demonstra pouco caso com regras da democracia

O senador Wellington Dias (PT-PI) acha que o Congresso precisa investigar o Santander depois que o banco foi flagrado em campanha contra o governo Dilma. Para o senador, que fez a vida profissional como funcionário da Caixa Econômica Federal, não custa lembrar:

“Um banco é uma concessão pública e não pode valer-se dessa situação para atuar numa eleição,” lembra Wellington.

A gravidade da questão reside aí.

A legislação eleitoral brasileira não impede que uma instituição financeira – ou qualquer outra empresa privada – retire uma parte de seus lucros para fazer uma contribuição a determinado partido político. Eu acho errado e condenável pois ajuda a criar eleitores que valem 1 voto e outros que valem 1 bilhão de reais. Mas a lei permite – e é por isso que a regra de financiamento de campanha precisa ser modificada.

Mas a orientação a seus gerentes voltados a clientela de renda mais alta tem outra natureza. Implica em usar o negócio – que deve obedecer a regras específicas do Banco Central – para pedir votos. E isso não é aceitável, explica o senador.

Da mesma forma que ninguém desautorizado pode sair por aí emprestando dinheiro sem correr o risco de ser acusado de agiotagem, nem comprar ou vender dólares sem ser chamado de doleiro, um banco não pode transformar-se num comitê eleitoral. Como qualquer outra empresa privada, tem sua função social a cumprir.

A lembrança de que, em 2002, tivemos a campanha do Lulômetro, estimulado por executivos do Goldman Sachs, um dos grandes bancos de investimento do mundo, não diminui a gravidade do que ocorre em 2014. Apenas confirma um mesmo fenômeno.

Há instituições que colocam-se acima de qualquer dever com o futuro do país, o bem estar dos cidadãos e obrigações com o país que os acolhe.

É falta de respeito.

Pouco caso com o regime democrático.

É um comportamento ainda mais impressionante quando se recorda que os clientes brasileiros oferecem, ao Santander, uma bolada de 20% ou mais dos lucros que a instituição obtém em suas operações no mundo inteiro. É mais do que o dobro daquilo que o banco obtém no mercado da Espanha, seu país de origem. Pelo menos uma vez os lucros assegurados pela filial brasileira chegaram a 28% do total do banco.

O Santander deu um salto no Brasil – tornando-se um dos principais bancos europeus - depois que participou da privatização do Banespa, o maior entre os bancos estaduais.

Foi pela compra dessa carteira de clientes, que lhe dava acesso a folha de salários dos funcionários púbicos do Estado mais rico da federação, que o Santander conseguiu um lugar entre as cinco maiores do país. A operação, que desfalcava São Paulo de um lastro respeitável para investimentos futuros, enfrentou a oposição do governador Mário Covas, e não custou pouco.

O Santander pagou R$ 7 bilhões pelo Banespa e essa quantia foi usada como argumento favorável a operação. O que pouco se divulgou é que o Santander teve direito a abater quase 3 bilhões a título de ágio contábil. Embora esse desconto fosse previsto por uma lei de 1997, o fato do deságio ser concedido a um grupo estrangeiro chamou a atenção de quem acompanhou a privatização de perto, encontrando grande resistência, por exemplo, quando o caso chegou a Receita.

A seu favor, o Santander poderia dizer em 2014 que o comunicado lamentável apenas deixou claro, em voz alta e letras de forma, aquilo que outras instituições fazem em voz baixa e sem assinar recibo.

A verdade é que os bancos privados tem praticado uma política sinuosa depois que, em função da crise de 2008, o governo Lula decidiu abrir os cofres dos bancos estatais para garantir o crédito e impedir o desmonte da economia.

A primeira reação dos bancos privados foi abandonar o mercado de crédito por anos seguidos, permitindo que os estatais ganhassem terreno um ano após o outro – para chegar a 47% do mercado, um número recorde, em 2012.

Pressionado, o governo federal iniciou uma política de retirada do mercado, para abrir espaço para o retorno das instituições privadas. Mas isso não aconteceu. A marcha-a-ré dos estatais coincidiu com a alta nos juros, que permitiu ao sistema retornar ao conhecido universo rentista, de quem acumula fortunas bilionárias sem fazer força – pois o Tesouro paga a conta.

O crédito público recuou e o privado não apareceu, situação que ajuda a entender – ao menos em parte – os números decepcionantes do crescimento recente. Os bancos seguem cobrando juros altíssimos, sem relação sequer com aumentos da Selic, sem serem incomodados pela concorrência dos bancos públicos.

Prevê-se, a partir de setembro, uma retomada do crédito nos bancos públicos. Será seguido, como se sabe, por um coralzinho contra a presença do estado na economia. E ninguém vai lembrar que um banco que já esteve ligado ao desenvolvimento de São Paulo agora é usado para fazer campanha presidencial junto a seus clientes.


* Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".




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