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segunda-feira, 17 de junho de 2013

Hoje: mais um capítulo da "Rebelião das Massas"


Cidadania é processo. Construção. 

Não espetáculo de televisão.

E manifestações de rua não constituem qualquer novidade para quem viveu os anos de chumbo, sem se acovardar, ou conhece um pouco da história recente do Brasil, quando fomos para o embate público contra a feroz ditadura militar, na luta pela redemocratização do País.


Comício das Diretas Já, Praça da Sé, São Paulo, 16 de abril de 1984. 
Um milhão e meio de manifestantes. 

Hoje está programado mais um capítulo da "Rebelião das Massas" versão 2013, contra o aumento das tarifas dos transportes, ato que deve ser transmitido ao vivo pela Globo News, emissora da mesma organização que apoiou a ditadura militar nos anos 60 e 70 e ignorou as manifestações pelas Diretas Já nos anos 80, inclusive o maior comício da história política brasileira, em São Paulo.

Por uma Revolução da Cidadania, contra o oportunismo midiático!




Opinião



Um processo lento e doloroso

A cidadania é possível apenas como resultado de uma longa e complexa trajetória histórica


Aurélio Munhoz 
                                                                                
Manifestantes no Estádio Mané Garrincha, em Brasília
Manifestantes no Estádio Mané Garrincha, em Brasília
Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Ícone da Sociologia Política Brasileira, o jurista Raymundo Faoro (1925-2003) foi um dos melhores intérpretes da alma nacional nas últimas décadas.

Da sua mente lúcida e privilegiada emergiu uma obra primorosa sobre o patronato político brasileiro: “Os donos do poder” - dois encorpados livros nos quais o autor esmiúça, lastreado por uma sólida base histórico-cultural, a gênese do modus operandi arcaico, autoritário e fisiológico da fauna política verde e amarela.

É possível dizer que o fio condutor do pensamento de Faoro em “Os donos do Poder” foi basicamente o mesmo que o inspirou a cunhar uma frase lapidar sobre a democracia brasileira: “A conquista da cidadania é um processo lento e doloroso”.


Foi este o jeito de dizer aos incautos que não se constroem verdadeiras democracias sobre os escombros de rupturas drásticas, pontuais e indolores. Nem unicamente por meio do voto ou da verborragia desenfreada e contundente.

A cidadania é possível apenas como resultado de uma longa e complexa trajetória histórica, muitas vezes permeada de medo e violência, na qual uma densa rede de fatores interage para produzir as mudanças que a sociedade deseja.

Possivelmente não há frase que traduza melhor o Brasil do recente protesto contra a tarifa do transporte coletivo em São Paulo ou das vexatórias vaias à presidenta Dilma Rousseff na abertura da Copa das Confederações, sábado passado, no agora renomeado e portentoso Estádio Nacional de Brasília. Não faltou quem tenha enxergado conexões inexistentes entre as duas manifestações, contrapondo-se aos bordões que identificam a indolência política da Nação, como os manjados “O Brasil é um gigante adormecido” ou “O povo não sabe a força que tem”.

O que Faoro nos ensina sobre estas manifestações, transportando-se sua frase para o Brasil de junho de 2013, são duas coisas essenciais para se compreender o Brasil de hoje. Mas, por favor, entenda-se: elas servem não para desqualificar as citadas manifestações, mas para nos mostrar o quanto nosso entusiasmo com certas iniciativas espontâneas da massa pode levar a avaliações precipitadas e reducionistas sobre a realidade.

A primeira é que, na verdade, o “gigante” já acordou e o está fazendo há décadas, bem antes da ocorrência do protesto sonoro contra o governo Dilma ou da manifestação reprimida pela bestialidade imposta pela PM de São Paulo.

Ele já dava o ar da sua graça nos anos 60, quando o Brasil que pensava reagiu - porém, tardiamente e sem sucesso - à entronização dos homens da caserna no poder, em março de 1964. E prosseguiu assim na década seguinte, apoiado pelos sonhos e as atitudes da moçada que curtia liberdade, mas também rock, Tropicália e uma boa dose de rebeldia, embalados pela célebre máxima “é proibido proibir”.

O mesmo ocorreu nos anos 80, quando milhões de brasileiros pediram (e conseguiram) transformar as Diretas Já no início da abertura política brasileira. E ainda nos anos 90, quando, sob a pressão dos caras-pintadas, o Congresso Nacional mandou o ex-presidente Fernando Collor de Mello de volta para sua mansão, no belo estado de Alagoas.

O corajoso movimento que pede tarifas de ônibus mais baratas país afora merece respeito, aplausos, admiração, apoio e solidariedade, especialmente os inocentes que foram agredidos pela Polícia Militar paulista. Assim como merecem respeito os torcedores que emprestaram suas vozes ao coro de vaias à presidenta Dilma Rousseff.



Mas, com o devido pedido de perdão aos milhões de otimistas e revolucionários virtuais do Facebook, as manifestações de São Paulo e de Brasília estão longe de ser um divisor de águas na cidadania brasileira, uma conjugação única e inédita de fatores histórico-sociais que resultará em uma drástica e urgente ruptura da exploração existente no carcomido modelo político-econômico nacional brasileiro. É puro exagero dizer que o povo, agora unido, finalmente começa a se rebelar nas ruas para cobrar os seus direitos e a cabeça dos poderosos em bandejas de prata.

É preciso muito mais que um conjunto de manifestações contra o transporte coletivo ou os excessos nas obras da Copa para que isto ocorra. É preciso que decorra um longo (e, como sempre, sofrido) processo histórico de construção da nossa consciência política e da cidadania, como nos ensina Faoro em sua segunda lição, para que a exploração seja banida da vida nacional. Não é o que ocorre nos protestos em análise, por mais respeitáveis que sejam.

As manifestações que ocorrem nas ruas do Brasil são muito mais a indicação de um desejo que todos nós acalentamos no nosso imaginário de libertários (o da revolução nas ruas, pelas mãos do povo) do que a tangibilização de um incipiente e irreversível movimento social de caráter nacional destinado a questionar a fundo as mazelas da sociedade brasileira.

Por enquanto, o que as pessoas fazem é protestar com veemência. Mas ainda sem a aspiração de derrubar governos ou prender empresários. E não todo o povo. Nem em todos os cantos. Nem por todas as causas, aliás. A unanimidade em torno da tarifa do transporte coletivo ou dos gastos da Copa do Mundo de 2014 ainda permanece distante no horizonte.

A manifestação de São Paulo foi tão sublime, em seu escopo, quanto o gesto dos milhões de manifestantes que pediram o impeachment do presidente do Senado, Renan Calheiros, em fevereiro deste ano. Mas não pode ser classificada de estopim de uma generalizada e vigorosa rebelião das massas, até porque não ocorreram protestos similares em situações recentes da vida nacional que justificariam uma revoada de indignações país afora.

Por exemplo, os assaltos chancelados pela economia de mercado praticados por muitos supermercados nos recentes aumentos de preços dos alimentos, que são provavelmente os principais responsáveis pela volta da inflação. Não custa dizer o óbvio: que, tanto quanto as tarifas do transporte coletivo, alimentos são produtos essenciais às vidas de todos nós. A despeito disso, porém, não se viu grupos organizados ocupando as ruas em protesto contra os supermercados ou os grandes atacadistas de alimentos. O mesmo ocorreu em relação a outros problemas mais óbvios, graves e contundentes da vida nacional.

Já o coro anti-Dilma foi prova de repúdio aos gastos exorbitantes do contribuinte na construção do Estádio Nacional de Brasília. Tem razão esta gente barulhenta de reclamar do desperdício. A construção de um novo estádio Mané Garrincha jamais poderia mesmo custar 1 bilhão de reais, embora o palco do futebol mais caro da Copa do Mundo de 2014 seja a Fonte Nova, em Salvador, que beira bizarros 2,2 bilhões.

O problema é que, ainda que corretos no mote do seu protesto, os autores das vaias perderam a oportunidade única de também satanizar gente que tem tanta responsabilidade pelas excrescências pré-Copa do Mundo quanto Dilma. Poderiam ter direcionado seu brado de revolta também a Joseph Blatter, presidente da Fifa, que fez vistas grossas aos abusos cometidos não apenas no Estádio Nacional de Brasília, mas em todos os palcos da Copa. Ou a José Maria Marin, presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), igualmente cúmplice dos exacerbados derrames de dinheiro da viúva no antigo estádio Mané Garrincha e comandante de uma das instituições esportivas mais corruptas do planeta.

É de se perguntar ainda por que os autores das vaias, quando frequentam os estádios dos seus times do coração, não dedicam o mesmo tratamento aos quadrilheiros que conduzem muitos dos clubes nacionais - uma gente que tem muito a esconder do Judiciário e que não hesita em perpetrar maracutaias fora dos gramados para manter seus clubes. Nem se constrange de sonegar impostos. Ou de usar sua voracidade para sugar o dinheiro dos governos e das grandes empresas estatais no patrocínio das suas camisas. Ou seja: se Dilma errou na condução dos preparativos para a Copa, está longe de ser a única.

É desejo de todos nós que as manifestações contra os abusos nas tarifas do transporte coletivo e nas obras da Copa do Mundo não só continuem, mas se expandam, e o façam sem a repressão de trogloditas fardados. É preciso, porém, que o foco da revolta popular seja ampliado e direcionado não só a governos (do PT, do PSDB ou de qualquer outro partido), mas também a todos os empresários facínoras - e seus prepostos - que se apropriam do aparato estatal para encher as burras de dinheiro, em todos os campos da atividade econômica, inclusive no esporte. Não apenas no quesito transporte coletivo, portanto.

Acima de tudo, contudo, é preciso compreender que a rebelião popular que alavancará as mudanças que o Brasil deseja não é exatamente um fato novo. Já ocorreu e continua ocorrendo em vários momentos da nossa história. Ainda é muito cedo para se dizer se as manifestações contra a tarifa do ônibus serão suficientes para alavancar mudanças mais significativas, mas o que parece é que - se prosseguir - este movimento só atingirá seus objetivos a longo prazo e, assim mesmo, apenas se adquirir um nível de maturidade política elevado, além de uma amplitude bem maior, envolvendo um conjunto significativo de cidadãos e de instituições representativas da sociedade civil organizada.

Ainda não é o que ocorre na sociedade brasileira de junho de 2013. Não há sinais de engajamento popular realmente massivo e rebelde, em escala nacional, nestas duas causas nobres. Em boa parte, os cidadãos permanecem inertes diante destes problemas e se contentam apenas em acompanhar as notícias pela grande mídia, junto com o lixo cultural despejado por boa parte das rádios, TVs e veículos impressos nacionais.

Os heróicos manifestantes de São Paulo e os barulhentos autores das vaias em Brasília ganharam visibilidade, o que é ótimo, mas ainda não são milhões - e, como se viu, são frágeis. A revolução da cidadania que queremos tarda a aparecer no horizonte.

*Aurélio Munhoz é graduado em Jornalismo e em Sociologia. Pós-graduado em Sociologia Política e em Gestão da Comunicação Corporativa, foi repórter, editor e colunista na imprensa do Paraná. É assessor governamental e de comunicação e presidente da ONG de educação ambiental Pense Bicho.

CartaCapital

Destaques do ABC!

Vaias a Dilma: elite tosca e sem educação


OPINIÃO 



Tem coisa que o dinheiro não compra.

Educação formal, diploma, o tal do "canudo de papel", tudo isso pode ser adquirido em módicas prestações mensais nas espeluncas universitárias que pululam em cada esquina, depois da vertiginosa expansão do ensino superior privado no governo FHC.

Mas elegância interna, respeito, educação, civilidade, boas maneiras... o tal de "berço", não está à venda em lugar algum. Ou você tem ou você não tem. Isso vem em geral da família, dos ascendentes, daqueles que nos criam e nos transmitem valores imperecíveis. E deve ser também cultivado na escola, com bons professores, professores dignos, que detenham estes valores.

Exatamente por isto esta escritora e blogueira que vos fala não concorda com o peso exagerado que os governos (todos) costumam dar à economia na gestão de um país. 

Claro que é desejável e até imprescindível a estabilidade econômica, o acesso das classes despossuídas a emprego, salários, escolas, bens de consumo, mas um governo (qualquer um) deveria se ocupar mais com o "índice de felicidade" de um povo, do que com o índice inflacionário, por exemplo. E deveria ir além, se preocupando prioritariamente com políticas que promovessem o SER, mais do que o TER.

Tem coisa que o dinheiro não compra.

Os que vaiaram a presidenta Dilma no estádio de Brasília não eram despossuídos. Era gente privilegiada, diplomada, com dinheiro no banco, casa equipada com os mais modernos eletrodomésticos, carros na garagem (até de luxo!), gente que compra em shopping, se veste com grifes famosas etc. etc. Mas não sabe se portar num evento internacional, não aprendeu a respeitar autoridades e, pior, não se deu conta de que a presidenta Dilma Rousseff, ali, representava todos nós, representava o Brasil.

Elite tosca e mesquinha.

Endinheirada, diplomada. 

Mas sem educação.






Vaia revela apenas a deselegância da elite
O Brasil, para ficar como Dilma Rousseff deseja, precisa trocar de torcida. Essa que compareceu ao Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é inteiramente inadequada. Uma legião de Velhos do Restelo. Vindo da Suíça, terra onde o leite já sai das vacas pasteurizado, o companheiro Joseph Blatter, da Fifa, ralhou: “Onde está o respeito, onde está o fair play?”. As vaias aumentaram.

Até o desafeto José Maria Marin, da CBF, tentou salvar a cena puxando uma salva de
palmas. Os apupos prevaleceram. Bons tempos aqueles em que o futebol era o ópio do povo. Hoje, gasta-se R$ 1,2 bilhão num estádio para que ele seja usado como amplificador do pio do povo. Quanta ingratidão! O Planalto deveria considerar a hipótese de trocar a torcida brasileira por torcedores terceirizados vindos da Suíça de Blatter. São pessoas muito mais respeitosas. E que fair play!