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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Golpe em andamento: a "Marcha do Retrocesso"


Não ganham no voto...

"(...) temos homens e mulheres em campanha para que o Supremo passe por cima do artigo 55 da Constituição e casse o mandato de três parlamentares condenados pelo mensalão. (...)

Assim: o STF manda e o Congresso cumpre – mesmo que a Constituição diga outra coisa.

A desculpa é que estão preocupados com o decoro. Acham feio pensar que um deputado condenado a cumprir pena em regime fechado conserve suas prerrogativas de parlamentar. Concordo que é estranho. Muita gente acha que proibir a pena de morte é estranho. Mas está lá na Constituição. Muita gente acha que os índios e os negros não deveriam ter suas terras nem seus quilombos. Mas está lá.

Falta de decoro, que é sinônimo de falta de vergonha, de honradez, é defender que se desrespeite a Constituição."





Marchadeiras do retrocesso


PAULO MOREIRA LEITE

Em 1964, havia as marchadeiras do golpe militar. Eram aquelas senhoras que, de terço na mão, foram às ruas para denunciar a corrupção e a subversão, acreditando que iriam salvar a democracia.

Só ajudaram a instalar uma ditadura militar que o país até hoje não esqueceu.

Em 2012, temos uma marcha do retrocesso. Não há um golpe de Estado à vista.

Mas temos homens e mulheres em campanha para que o Supremo passe por cima do artigo 55 da Constituição e casse o mandato de três parlamentares condenados pelo mensalão.

Este número deve chegar a quatro em janeiro do ano que vem, quando José Genoíno deve assumir uma vaga como suplente.

A lei diz que, para cassar o mandato de um parlamentar, é preciso que a medida seja aprovada na Câmara ou no Senado, por maioria absoluta, em votação secreta, após ampla defesa.

Em vez de procurar votos no Congresso, como é obrigado a fazer todo cidadão interessado em mudanças de seu interesse, as novas marchadeiras querem uma cassação na marra.

Assim: o STF manda e o Congresso cumpre – mesmo que a Constituição diga outra coisa.

A desculpa é que estão preocupados com o decoro. Acham feio pensar que um deputado condenado a cumprir pena em regime fechado conserve suas prerrogativas de parlamentar. Concordo que é estranho. Muita gente acha que proibir a pena de morte é estranho. Mas está lá na Constituição. Muita gente acha que os índios e os negros não deveriam ter suas terras nem seus quilombos. Mas está lá.

Falta de decoro, que é sinônimo de falta de vergonha, de honradez, é defender que se desrespeite a Constituição.

Mas marchadeiros e marchadeiras são assim. Foram à rua em 64 para combater a corrupção e a subversão e jogaram o país numa ditadura que só iria encerrar-se com a nova Constituição, em 1988, aquela mesma que se ameaça agora.

Não custa lembrar que o debate sobre cassação de mandatos tem poucas consequências práticas. Mesmo que a Câmara, cumprindo uma prerrogativa que a Constituição lhe oferece, resolva preservar seus mandatos, eles sequer poderão voltar às urnas em 2014. Já estarão enquadrados na Lei do Ficha Limpa. O que se discute, acima de tudo, é um direito.

É isso que se pode atingir.

Em 1988, 407 parlamentares votaram a favor do artigo 55, que define quem tem poderes para cassar mandato de senadores e deputados. Deixaram lá, por escrito, explicitamente, para ninguém ter dúvida. A Câmara, no caso de Deputados. O Senado, no caso de senadores. Não há mas, porém, todavia.

É isso e ponto.

É como bomba atômica. O Brasil assumiu o compromisso constitucional de não desenvolver energia nuclear com fins militares. Está lá e não se discute.

Por que se considera vergonhoso que a Câmara queira definir o destino de seus membros?

Porque está em jogo um princípio: apenas representantes eleitos pelo povo podem cassar o mandato de um representante eleito. Foi essa a grande lição de um país que saía de uma ditadura, iniciada com a promessa de que iria salvar a democracia.

É uma regra coerente com a noção de soberania popular, de que todos os poderes emanam do povo “que o exerce através de representantes eleitos.” (Está lá, justamente no artigo 1).

Como recorda o deputado Marco Maia, em artigo publicado hoje na Folha de S. Paulo, o artigo 55 nasceu numa votação ampla e plural. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva votaram a favor.

Aécio Neves, apontado por FHC como candidato para 2014, também. Delfim Netto, que ainda exibia a coroa de tzar do milagre brasileiro da ditadura, também.

Isso quer dizer que havia um consenso político a respeito. Por quê?

Não se discutia o motivo das cassações passadas. A imensa maioria dos casos envolvia perseguição política notória contra adversários que a ditadura queria excluir da vida pública. Mas havia corruptos de verdade entre aqueles que perdiam o mandato. Teve um governador do Paraná que foi afastado depois que foi gravado fazendo um pedido de propina. A fita com a gravação chegou ao Planalto e ele foi degolado.

Os constituintes se encarregaram de definir um ritual democrático para garantir o cumprimento da lei em qualquer caso. Não se queria uma democracia à paraguaia, onde as regras são vagas e pouco claras, permitindo atos arbitrários, como a deposição de um presidente que só teve duas horas para defender-se.

Ao contrário do que ocorre numa ditadura, quando o governo improvisa soluções ao sabor das conveniências e a Constituição é um enfeite para fazer discurso na ONU, numa democracia existem regras, que devem ser cumpridas por todos.

Isso permitiu que, em 1992, o Senado tivesse cassado os direitos políticos de Fernando Collor que, em 1994, julgado pelo Supremo, foi absolvido por falta de provas válidas. Era contraditório? Claro que era.

Mas era o que precisava ser feito, em nome da separação entre poderes. Coubera ao Congresso fazer o julgamento político de Collor. Ao Supremo, coube o julgamento criminal.

No mais prolongado período de liberdades de nossa história moderna, o Brasil aprendeu que a única forma de livrar-se de uma lei errada é 
apresentar um projeto de mudança constitucional, reunir votos e ir à luta no Congresso.

Vários artigos da carta de 1988 foram reformados, emendados e até extintos de lá para cá. Quem acha que o artigo 55 está errado, pode seguir o exemplo e tentar modificá-lo. Vamos lembrar quantas mudanças foram feitas nos últimos anos. Mudou-se o caráter de empresa nacional, permitiu-se a reeleição para mandatos executivos e muitas outras coisas mais, não é mesmo?

O caminho democrático é este.

Quem quiser cassar mandato dos deputados só precisa reunir uma maioria de votos, no Congresso. Se conseguir, leva. Se não conseguir, paciência.


Época

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O Supremo "pode tudo"?


"O que está em jogo é a democracia. Só a discussão já é gravíssima, pois essa questão é absolutamente simples. E os ministros do Supremo sabem disso, mas eles não estão se importando com argumentos jurídicos, só políticos. Eles querem passar por cima das regras constitucionais para transformar o Supremo no protagonista da República, enfraquecendo assim os poderes do Congresso."





Supremo despotismo: cadê a liberdade de expressão?


"O Supremo Tribunal Federal distancia-se da condição de exemplo de instituição democrática. Não por questionamento, aqui incabível, ao seu nível jurídico. Mas, dito de uma vez, a liberdade de pensamento e de expressão da divergência já não são direitos com reconhecimento imediato, pleno e ininterrupto no tribunal incumbido de protegê-los."




Jânio: com Barbosa, não há liberdade de expressão 
no STF
247 – Joaquim Barbosa ficou marcado pelo seu autoritarismo nos calorosos debates com o colega Ricardo Lewandowski. Como presidente do Supremo Tribunal Federal, nada mudou. Para Jânio de Freitas, a sessão de ontem ilustra que a liberdade de pensamento e de expressão da divergência já não são direitos com reconhecimento imediato na casa. Leia:


No lugar dos direitos

O SUPREMO Tribunal Federal distancia-se da condição de exemplo de instituição democrática. Não por questionamento, aqui incabível, ao seu nível jurídico. Mas, dito de uma vez, a liberdade de pensamento e de expressão da divergência já não são direitos com reconhecimento imediato, pleno e ininterrupto no tribunal incumbido de protegê-los.

A relutância em admitir a divergência e a pressão para confrontá-la tornam-se práticas aceitas ali.

Um momento particularmente ilustrativo na sessão de ontem, entre vários possíveis, foi a abrupta interrupção sofrida pela ministra Cármen Lúcia no instante em que, concluída sua argumentação, expressaria o voto.

Foi cortada por cobrança rude do ministro Joaquim Barbosa, que desejava dela - "antes do seu voto!" - respostas a "duas perguntas" dele. (A primeira, ao lhe dar determinado apoio até então no mínimo incerto, levou à dispensa da segunda).

Ato arbitrário e injustificável. Mas não inovador no que se passa com os ritos próprios do tribunal.

As interrupções não mais se dão só pelas exigências do debate jurídico, das complementações argumentativas e dos questionamentos enriquecedores.

É sempre esperável uma interrupção áspera do relator, quando se insinua uma discordância com sua posição.

Ou o oposto, quando a interrupção viria de um ministro para provável discordância com o relator. Caso assim ilustrativo: em sessão da semana passada, o ministro Ricardo Lewandowski pede um aparte ao ministro Joaquim Barbosa, que fazia uma de suas argumentações.

O pedido foi negado e despachado para depois de concluída a exposição.

Logo em seguida o ministro Luiz Fux interrompeu-a - com assentimento e aprovação de Joaquim Barbosa, que receberia mais um argumento de apoio do colega.

A aspereza está incorporada à linguagem do tribunal há tempos. É uma decorrência de maneiras e relações pessoais. O novo problema vai além, e não adianta fingir-se que inexiste.

O autoritarismo se mostra no Supremo que deve ser o mais sólido baluarte a impedi-lo.

E, em lugar de refutação, o que transparece diante dele é pior do que acomodação: o que a aparência sugere são situações de intimidação da discordância.


À VISTA

A respeitabilidade da Câmara foi posta em questão várias vezes, na sessão de ontem do Supremo.

Não sem que a Câmara negasse motivos para tanto, mas as dúvidas sobre sua disposição de cassar deputados condenados foram feitas no lugar e na hora errados. Já bastariam para agravar o clima entre Câmara e Supremo. E ainda vieram os votos que encaminham a cassação dos deputados pelo STF.


Brasil 247

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