Haja cadeia!...
Ações anticorrupção aumentam prisões por crimes contra gestão pública no País
Dados do Ministério da Justiça apontam para o crescimento de 133%, em quatro anos, do número de detentos por delitos como corrupção ativa e passiva e peculato
José Roberto de Toledo e Rodrigo Burgarelli
O número de detentos no sistema penitenciário brasileiro por crimes contra a administração pública, como corrupção e peculato, cresceu 133% entre dezembro de 2008 e dezembro de 2012 - sete vezes mais que o aumento da população carcerária total. Atualmente, 2.703 pessoas cumprem pena no Brasil por esses motivos, entre funcionários públicos e particulares sem ligação com o governo. Ainda assim, ocupam menos de 1% das celas do País.
Os dados são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça que compila dados prisionais das 27 unidades federativas. Entre todos os crimes contra a administração pública, o que registrou maior crescimento foi o peculato - cometido por servidor que se apropria de bem público no exercício do cargo. O aumento de prisões por esse crime foi de 220% desde 2008.
Segundo o Depen, os números levam em conta apenas condenações, e não prisões temporárias. A série histórica começa em 2005, mas foi só em 2008 que os registros começaram a ser informados com detalhes pelo órgão. Antes disso, o número só havia ultrapassado a barreira dos 2 mil presos em 2007.
No ano seguinte, as prisões desabaram, mas voltaram a crescer constantemente até chegar aos atuais valores.
"É nítido que houve um aumento no número de condenações por esse tipo de crime", afirma o professor de Direito Público da Universidade de São Paulo (USP) Floriano de Azevedo Marques. Para ele, houve um aprimoramento nas técnicas de investigação e uma mudança na postura do Judiciário. "Você tem identificado mais as condutas criminosas contra a administração pública. Além disso, o Judiciário passou a ser mais rigoroso contra esses delitos."
Cerco. Dados de outros órgãos federais reforçam a tese de aumento nas punições de funcionários públicos. A Controladoria-Geral da União (CGU) expulsou 564 servidores acusados de irregularidades em 2011, mais que o dobro que no início da década passada. E as prisões de servidores feitas pela Polícia Federal atingiram o auge entre 2006 e 2008, quando quase 400 pessoas por ano foram presas nas operações do órgão.
"Vários desses processos podem estar chegando agora aos tribunais superiores e rendendo condenações. O próprio Judiciário está se cobrando para que os processos não fiquem estacionados sem julgamento", afirma a coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Rita de Cássia Biason.
Entre as mudanças apontadas por especialistas como responsáveis pelo aumento nas punições, estão a criação de novos órgãos de controle, como a própria CGU (nascida em 2001), além de aprovação de leis mais rígidas, como a da Ficha Limpa e a da compra de votos. Além disso, há novas técnicas para descobrir crimes, como o monitoramento do patrimônio dos servidores para detectar enriquecimentos incompatíveis com a renda, adotado na cidade de São Paulo.
Para Rita, porém, o mais importante foi a criação do Conselho Nacional de Justiça, em 2004. "Uma das principais metas do CNJ determina que todos os processos de crimes contra a administração pública distribuídos antes de 2011 sejam julgados até o fim deste ano", diz. Em 2012, metade das 27 mil ações que esperavam decisões foram julgadas. "A tendência é que o número de presos aumente."
Se há avanços, também existem desafios para combater a corrupção endêmica no Brasil. "Ainda temos muito o que fazer na área das licitações, no financiamento das campanhas e no funcionamento de órgãos de controle, principalmente os Tribunais de Contas", afirma ela.
Entrevista com Bruno Speck, professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Hoje o combate à corrupção funciona melhor no Brasil?
O caso do Mensalão é emblemático em todos os sentidos. Você tem sinais de que as coisas estão mudando, pois um julgamento como esse não teria ocorrido dez anos atrás. Mas você tem dentro desses resultados sinais do atraso também. A possibilidade de o julgamento ser retomado depois de meses, ou ter seus resultados revertidos, é algo pouco comum para um sistema de Justiça que esteja funcionando.
Mas o Mensalão é um caso emblemático, e que chegou direto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas e nos casos pequenos, como o fiscal corrupto ou o policial que pede propina no dia a dia?
Eu diria que sim, o combate também aumentou nos pequenos crimes. Aí entram os dados do Depen que mostram um aumento no número de prisões. Temos poucos dados comparativos no âmbito municipal, mas sei que alguns municípios são mais atuantes que outros. E nem sempre são prisões. Podem ser demissões do serviço público, ressarcimento dos danos, enfim, há uma gama de sanções que podem ser aplicadas, e os municípios têm demonstrado uma eficiência diferenciada em relação a essa atividade.
Como o Brasil está nesse quesito se comparado a outros países?
Eu acho que o Brasil, em uma comparação internacional, é um país onde o combate à corrupção está acontecendo com grande sofisticação, principalmente nos Estados ou municípios onde há vontade política e capacidade técnica. Isso não acontece em alguns outros países latino americanos, por exemplo, onde, além da falta de vontade política e de capacidade técnica, há menos presença desse termo na disputa política. Você também não tem tantos dados quanto no Brasil. Aqui, existe hoje uma boa base, um bom ponto de partida para fazer um combate eficiente à corrupção, quando o governante está bem intencionado.
Na sua opinião, qual é o maior entrave que ainda temos em relação ao combate à corrupção?
Eu creio que um dos maiores problemas é a morosidade da Justiça. Isso é o mais crucial hoje no desafio de implementar o Estado de Direito no Brasil. Essa ênfase que a discussão brasileira entre os juristas dá para a ampla defesa dos direitos do acusado é realmente muito difícil para um leigo ou um estrangeiro entender. Ela leva a um sistema judicial que é muito processual, com foco na protelação das decisões. Quem estuda Direito no Brasil estuda Direito processual, e não estuda jurisprudência. A discussão sobre a Justiça se concentra nos procedimentos e não nos resultados.
Em relação aos órgãos incumbidos da investigação, há um debate no Congresso sobre qual papel o Ministério Público e a polícia devem ocupar. Qual é a opinião do senhor?
Isso é um debate importante, saudável, e tem de ser esclarecido. Não tomaria parte de nenhum dos lados, mas esse sim é um debate substancial. A legislação precisa esclarecer qual é o alcance do poder de cada um dos órgãos. Não tenho muita opinião se o MP seria o órgão mais adequado ou a polícia. Mas um conflito ou uma sobreposição desses dois órgãos importantíssimos é certamente negativo para o combate à corrupção.
Esses órgãos hoje não têm tanta responsabilidade quanto a Justiça nas nossas falhas que ainda temos nesse campo?
Eu acho que a Justiça, em um contexto mais amplo, é o ponto chave para garantir a existência dos valores liberais, que são os valores de defesa do cidadão. É uma instância importante para solucionar conflitos. Se a Justiça não funciona, o mais forte leva a vantagem. O não funcionamento da Justiça resulta em injustiça, no sentido de que os que têm menos levam desvantagem. Por isso considero seu papel tão essencial.