Flagrante da reprodução de um cretino fundamental.
Observem que eles se dividem por simples meiose.
A revolução dos cretinos fundamentais está aí. E chegou para cagar tudo de vez. Para quem não sabe, “cretino fundamental” ou “imbecil fundamental” é um conceito elaborado por Nelson Rodrigues, para descrever um tipo de pessoa que é muito fácil de reconhecer, embora seja difícil de descrever senão com qualificativos óbvios, sempre ditos em certo tom de desabafo, como “idiota”, “imbecil”, e “medíocre”. Pessoalmente, acho a definição de Nelson lapidar: para ele,cretino fundamental é aquela pessoa capaz de deturpar o que é óbvio. Fantástico, só um imbecil fundamental teria a coragem de distorcer a obviedade com plena convicção. Por exemplo, é óbvio que, a par qualquer consideração ideológica sobre direita e esquerda, uma estrutura econômica de acumulação de capital dependente do crescimento contínuo e infinito baseado no consumo acabará esgotando os recursos finitos do planeta dentro de algumas gerações – porém, o imbecil fundamental consegue, se por ventura tem alcance para entender o tema, deturpar essa evidência através de discursos e racionalizações de toda ordem.
Mas Nelson Rodrigues não parou por aí. Na verdade, ele fez uma previsão apocalíptica. Em sua opinião, os cretinos fundamentais dominariam o mundo em breve, possivelmente oprimindo os “não-cretinos”, graças a um fator bem simples: sua mera vantagem numérica.
Esse vaticínio é bem retratado pelo filme Idiocracy. Trata-se de uma comédia americana, puro besteirol que, para minha surpresa, recebeu nota 7,9 no Rotten Tomatoes (o melhor site compilador de críticas cinematográficas). A premissa do filme é boa: um americano médio do século XX, um pouco tapado mesmo para os padrões atuais, é congelado vivo e só acorda 500 anos depois, quando então descobre que a publicidade e a alimentação fastfood provocaram, com o passar dos séculos, uma diminuição radical da inteligência humana, de modo que ele se tornou o homem mais inteligente do planeta, para seu desespero.
Como toda distopia, esse filme fantasia sobre o futuro para, na verdade, analisar a sociedade atual. No fundo, ridiculariza a Revolução dos Cretinos Fundamentais que estamos testemunhando neste exato momento. E se você, leitor, ao assistir a Idiocracy, pegar-se pensando “Pô, mas é exatamente assim que eu me sinto no dia-a-dia!”, isso não é um mero acaso. Trata-se do que eu chamarei de “efeito cretinatório”.
O “efeito cretinatório” é um fenômeno cada vez mais frequente: você sabe que não é particularmente inteligente, mas cada vez mais tem a impressão de que é o cara mais esperto da Terra, ao menos na experiência cotidiana. Essa ilusão ocorre porque a população tem aumentado e o número de cretinos fundamentais cresce de forma exponencial, a ponto de a distância entre duas pessoas medianamente inteligentes ampliar-se de modo significativo. Isolada em um mar de cretinice, a vítima pode ter a impressão de que realmente é um prodígio de genialidade, quando não passa de um cara “normal”.
Não é difícil concluir que nós, vítimas do efeito cretinatório, estamos diante de uma luta em doisfronts. De um lado, temos de lutar contra a tola vaidade de acreditar que somos realmente muito inteligentes, pois isso não passa de um, por assim dizer, truque de ótica. De outro, precisamos lutar para não sermos oprimidos pelos cretinos fundamentais. Claro, a saída mais fácil é também a mais covarde. Quem quiser que se deixe levar pelo fluxo e se misture com os cretinos.Felizmente, temos a nosso favor um grande recurso: a internet, caótica tal como ela é (ao menos até que algum cretino fundamental decida regulamentá-la) une as vítimas da revolução silenciosa dos cretinos fundamentais, que podem solidarizar-se mutuamente por suas mazelas através de blogs, sites, twitters, grupos de discussão e fóruns. Claro, esses mesmos instrumentos são utilizados pelos cretinos fundamentais para enviar power points com mensagens de auto-ajuda e coisas do gênero. Porém, não fosse a internet, nós, indivíduos quiçá não muito espertos mas certamente distantes da cretinice fundamental, teríamos de estabelecer comunicação por meio de sinais de fumaça, sob pena de enlouquecermos esmagados pela mediocridade operante ou por nossas presuções arrogantes.
Portanto, conclamo meus 865.216.649 leitores (percebam que diminui o número em uma unidade desde o post anterior, pois descobri que minha tia visita escondida este blog) a levantar barricadas para que nos aquartelemos contra os bárbaros de hoje. De certa forma, é nossa alma que está em jogo.