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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A Corrupção Policial


Tratar de corrupção no Brasil é correr o risco de repetir chavões e clichês já dominados pelo senso comum. “Todo político é corrupto”, dizem cotidianamente os brasileiros, ou mesmo “o Brasil é um país corrupto”, numa generalização que, apesar de sua razão de existir, escurece o panorama de possibilidades e existências dignas neste país de dezenas de milhões de habitantes. No tema de nosso interesse, o enunciado que precisamos discutir é: “a polícia é corrupta”.

O primeiro passo para sanar um problema é reconhecer sua existência. Defesas corporativas extremadas, em que são exaltadas paixões e escondidas as inconsistências, são o primeiro passo para a evolução e crescimento dos desacertos. Fingir que não há corrupção nas polícias brasileiras, ou minimizar os danos que ela traz para o desempenho das instituições, é uma tarefa cômica, trágica e lamentável.

E aqui não me refiro apenas às entrevistas em que os gestores frisam que a “polícia não admite condutas irregulares em seus quadros”, e que “iremos apurar e punir com o máximo de rigor possível”, um discurso repetido que apenas tem servido para nutrir a mídia em sua sede sensacionalista. O problema da corrupção policial existe, sim, e ele vai muito além de punir “doa a quem doer”.

As corporações policiais têm se esforçado em criar processos seletivos rigorosos para evitar o ingresso de mal intencionados em seus quadros. As investigações sociais e testes psicológicos são fundamentais para evitar que o mal combatido pelas polícias estejam dentro delas. Mas, claro, apesar de sua importância, a seleção é só o começo do combate complexo contra a corrupção.

O tipo de formação é outro fator a ser observado. O discurso utilizado nas academias é ferramenta indispensável para manter ou modificar a cultura organizacional, e esta, por sua vez, acaba modificando os discursos nas academias. Pequenas práticas enraizadas nos costumes das instituições são determinantes na incidência da corrupção, e mudá-las exige esforços titânicos, pois estão imunizadas contra mudanças.

Apurar e punir desvios é preciso, mas aqui já estamos falando de uma postura reativa, que as corregedorias policiais, principalmente as militares, já fazem de modo intenso. Dois pontos espinhosos precisam ser ressaltados neste momento. Primeiro, punir a base da pirâmide é indispensável, mas as cúpulas, as chefias, precisam ser ainda mais vigiadas e questionadas quanto à probidade de suas ações. Segundo, a correição interna é limitada e insuficiente. Os integrantes de uma mesma força policial se conhecem e interagem cotidianamente, de modo que as punições podem ser contraproducentes, e gerar riscos reais para o autor da punição – mesmo que justa. Sem “caça às bruxas”, é importante se pensar em controle externo, sim.

É preciso premiar os honestos. As polícias já vinculam a percepção de alguns benefícios à ausência de punições na ficha dos policiais. Empregar bons policiais em funções relevantes, resistindo ao corporativismo e às influências políticas que às vezes estão por trás de homens corruptos, é ao mesmo tempo uma motivação para os dedicados ao bem e uma demonstração aos maus de qual filosofia está vigente na corporação.

O bolo da corrupção é formado por ingredientes complexos e, cada um deles, de composição intrincada. Este texto é uma provocação, nem tão completa como a feita pelo filme Tropa de Elite 2, nem tão ingênua a ponto de ignorarmos a corrupção enquanto problema urgente na agenda da segurança pública brasileira. Admitir esta urgência é interesse da sociedade, a boa sociedade que se recusa a pagar propina a um policial numa blitz de trânsito, e dos policiais honestos, principais beneficiados com a redução do aviltamento a sua profissão.


Danillo Ferreira

A sociedade psicopática e os perseguidos


Amigos leitores: hoje devo comparecer, mais uma vez, a distrito policial para esclarecimentos. Meus agressores continuam vivendo tranquilamente dentro da minha casa. Mais tarde, compartilho com vocês o que for possível.

Abaixo, republico o sempre atual texto do filósofo antigo Sêneca, que trata da inveja, de perseguições e injustiças.


Lucius Annaeus Sêneca, que nasceu em Córdoba, Espanha, alguns anos antes da era cristã, é o primeiro representante do estoicismo romano. Era filho do retórico Sêneca, o Velho, e foi educado em Roma, onde estudou retórica e filosofia. Ficou famoso como advogado. Como político, chegou ao Senado, sendo depois nomeado questor, magistrado da justiça criminal.

O sucesso de Sêneca na política provocou a inveja do imperador Calígula, que pretendia assassiná-lo, mas quem acabou morrendo mesmo foi Calígula. Anos depois, sob acusação de adultério, Sêneca foi exilado na Córsega, onde sofreu grandes privações de ordem material.

De volta a Roma depois de longo período, assumiu a educação de Nero, sendo seu principal ministro e conselheiro quando este se torna imperador. Alcançou sucesso e fortuna, provocando então a hostilidade de Nero. Perseguido, acaba condenado ao suicídio.

Com serenidade estoica, no ano 65 da nossa era, cortou os pulsos diante de amigos, cumprindo a condenação determinada pelo despótico imperador.

Entre seus Ensaios Morais contam-se Sobre a Clemência, onde adverte Nero sobre os perigos da tirania, Da Brevidade da Vida, em que analisa as frivolidades nas sociedades corruptas e Sobre a Tranquilidade da Alma, que trata da participação na vida pública.

Para Sêneca, a filosofia é uma arte da ação humana, uma pedagogia que educa os homens para o exercício da virtude, uma medicina da alma. No centro da reflexão filosófica, portanto, deve estar a ética, os valores imperecíveis.

Não é de hoje que a inveja é muitas vezes o motor das injustiças.



Os perseguidos


Maus não são os que parecem ser, os que apenas parecem ser. E o que tu chamas de asperezas, adversidades, abominações, são coisas até proveitosas às pessoas que as têm de suportar, e mesmo a todos os homens, pelos quais velam os deuses, os sofrimentos, injustamente impostos, acabam tornando-se merecimento para os que os recebem e castigo para os que se livram deles a qualquer preço.

Em geral, as perseguições atingem os bons, exatamente porque são bons. Não chores sobre o sofrimento dos bons, para que não se tenha a idéia de que eles são desventurados. Não te espantes, se te digo que ser esmagado pela perseguição não é, geralmente, uma desgraça para o homem, mas antes uma felicidade e uma honra.

"Mas será proveitoso - perguntas - ser lançado ao exílio, reduzido à indigência, ter de enterrar a esposa e os filhos, ser vilipendiado pela ignomínia e mutilado pela tortura?" Se te parece estranho que isso seja proveitoso, também te há de parecer estranho que alguns sejam curados com ferro e fogo, como pela fome ou pela sede. Mas se considerares que a alguns, por remédio heroico, lhes quebram e arrancam os ossos, lhes extraem veias e amputam determinados membros, que não poderiam ficar unidos ao resto do corpo sem prejudicá-lo, também hás de reconhecer, forçosamente, que certos males beneficiam aos que os suportam.

Da mesma forma certas vantagens, certos prazeres, certas recompensas e honrarias aviltam e desfiguram aos que delas se beneficiam. Entre muitas e magníficas sentenças de nosso Demétrio, há uma de que sempre me lembro, e que diz que nada parece mais infeliz do que o homem que nunca sofreu contrariedades, pois, assim, nunca foi provado. Os deuses o desprezam, não lhe dando oportunidade de construir sua fortaleza de ânimo e vencer as injustiças.

É próprio dos pouco dignos não sofrer perseguições, pois estão sempre de acordo com os poderosos, como se dissessem: "Para que vou me opor a um adversário temível?" Sobre estes, o opressor nem precisará descer sua mão pesada. Acovardam-se com um simples olhar. O próprio opressor os despreza, e respeita mais aqueles que o enfrentam com valor, mesmo quando são esmagados. O próprio opressor gosta de medir suas forças com quem também tem força, e tem vergonha de lutar contra um homem resignado à derrota e à submissão. O gladiador considera uma ignomínia combater com um inferior e sabe que o vencido sem perigo é um vencido sem glória.

Assim também procede a fortuna: busca os mais fortes, os que não têm medo, os mais tenazes. Prova a Múcio com o fogo, o Fabrício com a pobreza, a Rutilo com o desterro, a Régulo com a tortura, a Sócrates com o veneno, a Catão com a morte. Só na adversidade se encontram as grandes lições de heroísmo. Será que Múcio foi um infeliz ao segurar na mão direita a tocha acesa e ao infligir-se a si mesmo o castigo de seu erro, pondo em fuga com a mão queimada o rei que não pudera afugentar com a mão armada? Teria alcançado glória maior se estivesse acalentando a mão no seio de uma amiga? E Fabrício, ao lavrar seu pequeno campo, nas horas de folga do exercício do governo, no qual fazia a guerra tanto a Pirro como às riquezas, e porque, à luz da lamparina de sua casa modesta, não come outra coisa senão as raízes e as ervas que plantou e colheu com suas próprias mãos?

E Rutilo, será um infeliz por ter sofrido uma condenação da qual os juízes que o condenaram se envergonharão através dos tempos, e por ela responderão ao longo dos séculos? O que o honra, exatamente, é a grandeza com que se portou diante dos juízes perversos, e preferiu perder o direito de viver na própria pátria, negando-se sempre a negociar sua consciência com Sila, o ditador, a quem respondeu viajando ainda mais longe de Roma, quando o tirano o convidava a voltar. Sua resposta altiva ao ditador era que ficasse ele com os que se compraziam na submissão e contemplavam sem revolta o sangue derramado na rua e as cabeças dos senadores do povo no lado serviliano e as hordas de assassinos rondando soltos a cidade, e os milhares de cidadãos romanos degolados num mesmo lugar, depois de haverem jurado fidelidade, e até exatamente por isto. Fiquem com tudo isso - dizia o exilado - os que preferem a desonra ao desterro. E a Régulo, a quem torturaram, arrancaram a pele, encheram-lhe o corpo de feridas, obrigaram-no a não dormir - quem era superior: ele, ou os torturadores? Seu tormento foi grande, mas sua glória foi maior. Porque sofria pela causa do povo romano.

(Do Tratado sobre a Providência)












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