Noticia-se agora cedo na internet que a presidenta Dilma, voltando de Porto Alegre onde passou o fim de semana, teria se encontrado no final da tarde de domingo em São Paulo com o ex-presidente Lula. E que teriam conversado por cerca de duas horas sobre a tragédia provocada pelas chuvas no Rio de Janeiro e sobre problemas que a presidenta enfrenta com a divisão de cargos no segundo escalão do governo. Não vemos qualquer problema da presidenta Dilma encontrar um grande amigo, trocar ideias com um ex-presidente tão bem-sucedido no governo, pedir aconselhamento. Se é que o encontro houve e se o conteúdo da conversa foi o que divulgaram na internet.
Outro fato que vale destacar agora cedo é um editorial do Estadão, favorável no geral a essas duas semanas da presidenta no poder, mas que aproveita também para atacar e alfinetar. O Estadão faz parte da velha mídia que há séculos apoia governos elitistas, oligarcas, em detrimento de governos populares como os de Lula e Dilma.
Apesar do tom por vezes de descrédito e do comedimento nos elogios, o artigo é um "bom sinal". Sinal de que a presidenta Dilma tem tomado medidas acertadas que nem jornal tradicionalmente oposicionista, fazendo esforço como sempre faz para encontrar problemas e deslizes, consegue outra coisa senão aplaudir.
Reproduzimos abaixo o editorial, destacando os trechos que parecem mais significativos.
O bom início do governo Dilma
Com uma exceção - a recusa da presidente Dilma Rousseff a se engajar, pelo menos no início do seu mandato, na promoção inevitavelmente onerosa de reformas estruturais, como a da Previdência e do sistema político -, a linha geral do novo governo parece apontar para a direção certa. Anunciadas na primeira reunião ministerial, que se alongou por quatro horas na última sexta-feira, as intenções da presidente representam, em alguns casos, uma virada de página em relação ao passado recente.
Um chefe de governo claramente empenhado em manter sob o seu controle as agências reguladoras dos setores estratégicos da atividade, por exemplo, é sucedido por uma defensora assumida da autonomia dessas entidades, para não serem capturadas nem pelos interesses econômicos nem pela fisiologia ou o preconceito ideológico. No lugar de um presidente sempre pronto a ceder às pressões dos aliados para nomear afilhados de caciques políticos para o cobiçado segundo escalão da administração direta e indireta, emerge uma governante que afirma dar prioridade ao currículo técnico dos eventuais candidatos e não apenas ao poderio de seus patrocinadores.
"Eficiência e ética são faces da mesma moeda", ensinou Dilma aos 37 membros de sua equipe. É bem verdade que ela tem no seu passivo ter dado corda a quem viria a substituí-la no comando da Casa Civil, com as consequências de todos conhecidas, a sua auxiliar mais próxima, Erenice Guerra. Foi igualmente constrangedor vê-las confraternizando na festa da posse no Planalto. Mas conceda-se à nova presidente o benefício da dúvida, tomando pelo valor de face as suas promessas - e advertências - de rigor ético. É animadora a associação que ela fez entre a retidão de conduta dos agentes públicos e a qualidade do seu desempenho, embora não haja necessariamente uma relação de causa e efeito entre as duas coisas (afinal, pode-se ser honesto e incompetente). Valeu como sinalização.
Já antes da reunião ministerial se atribuiu a Dilma uma frase sintomática de sua percepção do nexo entre a corrupção e as facilidades proporcionadas aos corruptos em potencial pelas deficiências da própria máquina administrativa, os proverbiais ralos por onde escorrem os recursos públicos. "Não quero a virtude dos homens, mas a das instituições", teria dito. A virtude gerencial dos homens e mulheres da presidente terá o seu primeiro teste na definição dos programas e projetos prioritários de cada Pasta - a sua "lição de casa" inaugural - sob o guante dos cortes da ordem de R$ 40 bilhões nos gastos do Executivo, determinados por Dilma. A partir de 4 de fevereiro, quando os ministros terão dito a que vieram, a tesoura começará a cortar.
Embora o titular da Fazenda, Guido Mantega, tenha inventado um eufemismo - "consolidação fiscal" - para evitar o termo apropriado, "ajuste", ele avisou aos colegas que o governo espera que levem a sério o "esforço duro" cobrado pela presidente. A nova palavra de ordem, diz a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, é "fazer mais com menos". Para economizar também tempo, Dilma dividiu o Gabinete em quatro grupos, pelo critério de afinidade: desenvolvimento econômico; infraestrutura; erradicação da miséria; e direitos humanos; coordenados, respectivamente, por Mantega, Belchior, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo, e o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Os dois primeiros e, naturalmente, o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, terão assento em todos os grupos.
A preocupação da presidente com ações palpáveis em época de contenção acentuada de despesas contrasta com a sua relutância em aproveitar o patrimônio herdado das urnas para afinal regulamentar a legislação sobre a aposentadoria do funcionalismo e avançar na integração geral do sistema - ainda que para alcançar apenas os futuros participantes do mercado de trabalho. Assim como nesse caso, delegar ao Congresso a reforma política, sob uma atitude de negligência benigna, é garantia de que tudo continuará tal e qual. O zelo administrativo evidenciado por Dilma não a exime da coragem de ousar. É o que transforma os gestores em estadistas.
do Portal O Estado