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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Stédile (MST): situação no campo é insustentável


"Uma política de reforma agrária não é apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode ser feito de forma emergencial para resolver problemas sociais localizados. Embora nem por isso o governo se interesse. No atual estágio do capitalismo, reforma agrária é a construção de um novo modelo de produção na agricultura brasileira. Que comece pela necessária democratização da propriedade da terra e que reorganize a produção agrícola com outros parâmetros. (...) É preciso que a agricultura seja reorganizada para produzir, em primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para toda a população brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas públicas que garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em cada bioma, produzindo com técnicas de agroecologia."



Presidente do MST diz que Dilma está cega



Em artigo publicado na Carta Capital, João Pedro Stédile expõe 
problemas do meio rural e faz duros ataques ao governo; 
líder diz que espera que a presidente, como leitora da revista, 
veja o artigo, já que "dificilmente algum puxa-saco que a cerca 
o colocaria no clipping do dia"

247 - Num artigo em que faz duras críticas à atuação do governo federal diante dos problemas vivenciados no campo, o presidente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, chama os membros do governo, inclusive a presidente Dilma Rousseff, de "cegos".

Segundo o líder rural, não há motivação do governo para tratar seriamente diversos temas, como a redistribuição de terras e o assentamento de famílias, e a chefe do Executivo estaria cega "pelo sucesso burro das exportações do agronegócio" que, em sua opinião, "não tem nada a ver com projeto de país".

Por fim, Stédile provoca a presidente, afirmando que espera que ela, como leitora da revista Carta Capital, veja esse artigo, que certamente não seria incluído por "algum puxa-saco que a cerca" no clipping diário.

Leia abaixo a íntegra do texto:


Conflito permanente

A sociedade brasileira enfrenta no meio rural problemas de natureza distintos, que precisam de soluções diferenciadas. Temos problemas graves e emergenciais que precisam de medidas urgentes. Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores sem-terra vivendo debaixo de lonas pretas, acampadas, lutando pelo direito que está na Constituição de ter terra para trabalhar. Para esse problema, o governo precisa fazer um verdadeiro mutirão entre os diversos organismos e assentar as famílias nas terras que existem, em abundância, em todo o País. Lembre-se de que o Brasil utiliza para a agricultura apenas 10% de sua área total.

Há no Nordeste mais de 200 mil hectares sendo preparados em projetos de irrigação, com milhões de recursos públicos, que o governo oferece apenas aos empresários do Sul para produzirem para exportação. Ora, a presidenta comprometeu-se durante o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto alegre, em 25 de janeiro de 2012, que daria prioridade ao assentamento dos sem-terra nesses projetos. Só aí seria possível colocar mais de 100 mil famílias em 2 hectares irrigados por família.

Temos mais de 4 milhões de famílias pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar fome. Isso é necessário, mas é paliativo e deveria ser temporário. A única forma de tirá-las da pobreza é viabilizar trabalho na agricultura e adjacências, que um amplo programa de reforma agrária poderia resolver. Pois nem as cidades, nem o agronegócio darão emprego a essas pessoas.

Temos milhões de trabalhadores rurais, assalariados, expostos a todo tipo de exploração, desde trabalho semiescravo até exposição inadequada aos venenos que o patrão manda passar, que exige intervenção do governo para criar condições adequadas de trabalho, renda e vida. Garantindo inclusive a liberdade de organização sindical.

Há na sociedade brasileira uma estrutura de propriedade da terra, de produção e de renda no meio rural hegemonizada do modelo do agronegócio, que está criando problemas estruturais gravíssimos para o futuro. Vejamos: 85% de todas as melhores terras do Brasil são utilizadas apenas para soja/ milho, pasto e cana-de-açúcar. Apenas 10% dos fazendeiros que possuem áreas acima de 200 hectares controlam 85% de todo o valor da produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a exportação. O agronegócio reprimarizou a economia brasileira. Somos produtores de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o mercado mundial. Se os fazendeiros tivessem consciência de classe, se dariam conta de que também são marionetes das empresas transnacionais,

A matriz produtiva imposta pelo modelo do agronegócio é socialmente injusta, pois ela desemprega cada vez mais pessoas a cada ano, substituindo-as pelas máquinas e venenos. Ela é economicamente inviável, pois depende da importação, anotem, todos os anos, de 23 milhões de toneladas (s/ç) de fertilizantes químicos que vêm da China, Uzbequistão, Ucrânia etc. Está totalmente dependente do capital financeiro que precisa todo ano repassar: 120 bilhões de reais para que possa plantar. E subordinada aos grupos estrangeiros que controlam as sementes, os insumos agrícolas, os preços, o mercado e ficam com a maior parte do lucro da produção agrícola. Essa dependência gera distorções de todo tipo: em 2012 faltou milho no Nordeste e aos avicultores, mas a Cargill, que controla o mercado, exportou 2 milhões de toneladas de milho brasileiro para os Estados Unidos. E o governo deve ter lido nos jornais, como eu... Por outro lado, importamos feijão-preto da China, para manter nossos hábitos alimentares.

Esse modelo é insustentável para o meio ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a biodiversidade existente na natureza, usando agrotóxicos de forma exagerada. E isso desequilibra o ecossistema, envenena o solo, as águas, a chuva e os alimentos. O resultado é que o Brasil responde por apenas 5% da produção agrícola mundial, mas consome 20% de todos os venenos do mundo. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelou que a cada ano surgem 400 mil novos casos de câncer, a maior parte originária de alimentos contaminados pelos agrotóxicos. E 40% deles irão a óbito. Esse é o pedágio que o agronegócio das multinacionais está cobrando de todos os brasileiros! E atenção: o câncer pode atingir a qualquer pessoa, independentemente de seu cargo e conta bancária.

Uma política de reforma agrária não é apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode ser feito de forma emergencial para resolver problemas sociais localizados. Embora nem por isso o governo se interesse. No atual estágio do capitalismo, reforma agrária é a construção de um novo modelo de produção na agricultura brasileira. Que comece pela necessária democratização da propriedade da terra e que reorganize a produção agrícola com outros parâmetros. Em agosto de 2012, reunimos os 33 movimentos sociais que atuam no campo, desde a Contag até o movimento dos pescadores, quilombolas, MST etc., e construímos uma plataforma unitária de propostas de mudanças. É preciso que a agricultura seja reorganizada para produzir, em primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para toda a população brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas públicas que garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em cada bioma, produzindo com técnicas de agroecologia. E o governo precisa garantir a compra dessa produção por meio da Conab.

A Conab precisa ser transformada na grande empresa pública de abastecimento, que garante o mercado aos pequenos agricultores e entregue no mercado interno a preços controlados. Hoje já temos programas embrionários como o PAA (programa de compra antecipada) e a obrigatoriedade de 30% da merenda escolar ser comprada de agricultores locais. Mas isso atinge apenas 300 mil agricultores e está longe dos 4 milhões existentes.

O governo precisa colocar muito mais recursos em pesquisa agropecuária para alimentos e não apenas servir às multinacionais, como a Embrapa está fazendo, em que apenas 10% dos recursos de pesquisa são para alimentos da agricultura familiar. Criar um grande programa de investimento em tecnologias alternativas, de mecanização agrícola para pequenas unidades e de pequenas agroindústrias no Ministério de Ciência e Tecnologia.

Criar um grande programa de implantação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para que os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do Brasil, possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando mercado aos produtos locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as grandes empresas com projetos bilionários e concentradores de renda, deveria criar um grande programa de pequenas e médias agroindústrias para todos os municípios brasileiros.

Já apresentamos também ao governo propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e um programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas e beira de rios nas pequenas unidades de produção, sob controle das mulheres camponesas. Seria um programa barato e ajudaria a resolver os problemas das famílias e da sociedade brasileira para o reequilíbrio do meio ambiente.

Infelizmente, não há motivação no governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão cegos pelo sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a ver com projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de técnicos bajuladores que cercam os ministros, sem experiência da vida real, que apenas analisam sob o viés eleitoral ou se é caro ou barato... Ultimamente, inventaram até que seria muito caro assentar famílias, que é necessário primeiro resolver os problemas dos que já têm terra, e os sem-terra que esperem. Esperar o quê? O Bolsa Família, o trabalho doméstico, migrar para São Paulo?

Presidenta Dilma, como a senhora lê a CartaCapital, espero que leia este artigo, porque dificilmente algum puxa-saco que a cerca o colocaria no clipping do dia.


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O escândalo da mídia e a "revolução" possível


Entrevista com Noam Chomsky







Linguista, filósofo e ativista político fala da velha e da nova mídia, das redes sociais e das alternativas possíveis para a democratização dos meios de comunicação



"A situação dos media na América Latina é praticamente um escândalo. Estão enormemente centralizados, sob controle privado, são muito reacionários e muito danosos para os países. Dão uma imagem muito distorcida do mundo." 

"Tem muitas críticas sobre os media que são justificadas, mas há muito pouco trabalho em tratar de criar alternativas. E pode ser feito, como sucedeu com Democracy Now, que funciona. Mas se os grupos de esquerda utilizassem estas possibilidades que estão ao seu alcance poderiam fazer mais. Há muito para fazer."

"Estive uma vez no Brasil, antes de Lula ser eleito presidente, e uma tarde ele levou-me aos subúrbios do Rio, onde vi algo muito interessante dos media populares que não sei se ainda funcionam. O que acontecia era que um grupo de profissionais dos media do Rio ia a uma praça no meio de uma cidade às nove da noite, prime-time [horário nobre], e punha um caminhão com um ecrã [telão]. Aí passavam programas que eram apenas para as pessoas que estavam sentadas na praça ou nos bares ao redor. Os conteúdos tinham sido escritos por pessoas da zona, apresentados por eles e eram interessantes. Não podia entender tudo o que diziam, mas dei-me conta de que alguns eram comédia, outros eram mais sérios e falavam sobre a crise da dívida ou sobre o HIV, por exemplo. Depois dos programas, uma das atrizes ia com o microfone e uma câmera pedir um comentário às pessoas que tinham assistido. Essas opiniões eram passadas no ecrã gigante e outras pessoas vinham juntar-se. Gerava interação comunitária e essas pessoas não viam a televisão prime-time, e em vez disso preferiam estes programas. Tudo era feito pela comunidade, salvo o equipamento, que vinha da cidade. Coisas como essas podem ser feitas."


Chomsky e as alternativas midiáticas



Nesta entrevista a Tiempo Argentino, Chomsky reflete sobre o problema da concentração da mídia na América Latina, sobre os movimentos (Occupy e outros) que vêm dando sinais de potencial mudança na sociedade dos EUA, sobre a importância relativa das “redes sociais”.

Até que ponto terá o desenvolvimento dos países da América Latina a ver com os Estados Unidos terem estado concentrados noutros temas?

– Quanto menor atenção prestem os EUA ao continente, melhor para este último. Mas não deve dar-se por assente que seja isso que tem ocorrido. De fato, creio que têm estado a prestar bastante atenção. Quando alguma coisa sucede na América Latina, os EUA estão lá. Nos anos 80 estiveram muito ativos na América Central. Nos primeiros anos das ditaduras sul-americanas, os EUA apoiavam todas. Na Argentina, por exemplo. Nos anos 90, a América Latina estava bastante sob controle com a estrutura dos programas de ajustamento, pelo que os EUA não tiveram que se empenhar muito. Mas na última década os EUA têm sido afastados e têm tratado com muito afinco de reconstruir a sua posição. Creio, definitivamente, que tratam de aplicar mais ou menos a mesma política que antes, mas têm menos capacidade para a implementar.

Vários dos governos da América Latina que têm assumido uma posição mais dura na sua relação com os Estados Unidos também se têm defrontado com as corporações midiáticas e têm promovido novas medidas para regular o poder da mídia. Como analisa isso?

– A situação dos media na América Latina é praticamente um escândalo. Estão enormemente centralizados, sob controle privado, são muito reacionários e muito danosos para os países. Dão uma imagem muito distorcida do mundo. Entretanto, não creio que a resposta correta seja que os governos os constranjam, mas sim que ajudem o surgimento de alternativas comunitárias. Em certo ponto isso começou a fazer-se na Venezuela. Por outro lado, quando ocorreu ali o caso do canal RCTV, que não foi encerrado mas sim remetido para a difusão por cabo, escrevi que estava de acordo com os protestos ocidentais e também com o fato de que algo semelhante não podia suceder nos EUA. Mas acrescentei algo que tornou impublicável aqui a minha opinião. Não poderia suceder neste país por uma boa razão: se algo semelhante acontecesse cá, se a CBS, por exemplo, apoiasse um golpe de Estado contra o governo e passados alguns dias esse golpe tivesse sido derrotado, não haveria nenhum julgamento dos diretores e a cadeia não continuaria a transmitir. Simplesmente, os donos e os diretores dessa estação seriam assassinados sem julgamento prévio por um esquadrão especial.

Crê que o confronto aberto entre os governos e os media concentrados ajuda a conscientizar as pessoas acerca dos interesses que estão por detrás da mídia?

– Na maior parte dos países, os governos apoiam os media concentrados. E nos casos em que não é assim, creio que a melhor forma de responder não é pressionando mas desenvolvendo alternativas, que é algo que o governo pode fazer. Alguma coisa de semelhante está querendo desenvolver-se aqui, em pequena escala. Por exemplo, quando o sistema de cabo apareceu nos EUA no início dos anos 70, o Congresso aprovou uma lei que impedia as companhias de cabo de deter monopólios em algumas áreas particulares. Por exemplo na zona onde estamos, Cambridge. Qualquer rede de cabo que quisesse operar aqui devia incluir um sinal comunitário. É uma grande falha da esquerda nos EUA que esta oportunidade não seja aproveitada. Há aqui uma estação da comunidade e se lá fores terás a surpresa de verificar que o equipamento é bastante bom. Não é a CBS, mas é melhor que outros que são propriedade de movimentos políticos. E muitas vezes são dirigidos por lunáticos porque a esquerda não os usa. Chegam a muita gente e poderiam ser usados como uma base alternativa de media.

O que é que falta aos grupos de esquerda para tirar partido dessa possibilidade?

– Isso é o que eu venho discutindo há 40 anos. Tem muitas críticas sobre os media que são justificadas, mas há muito pouco trabalho em tratar de criar alternativas. E pode ser feito, como sucedeu com Democracy Now, que funciona. Mas se os grupos de esquerda utilizassem estas possibilidades que estão ao seu alcance poderiam fazer mais. Há muito para fazer.

E não seria importante apenas o conteúdo, mas também a forma como se concretiza…

– Estive uma vez no Brasil, antes de Lula ser eleito presidente, e uma tarde ele levou-me aos subúrbios do Rio, onde vi algo muito interessante dos media populares que não sei se ainda funciona. O que acontecia era que um grupo de profissionais dos media do Rio ia a uma praça no meio de uma cidade às nove da noite, prime-time [horário nobre], e punha um caminhão com um ecrã [telão]. Aí passavam programas que eram apenas para as pessoas que estavam sentadas na praça ou nos bares ao redor. Os conteúdos tinham sido escritos por pessoas da zona, apresentados por eles e eram interessantes. Não podia entender tudo o que diziam, mas dei-me conta de que alguns eram comédia, outros eram mais sérios e falavam sobre a crise da dívida ou sobre o HIV, por exemplo. Depois dos programas, uma das atrizes ia com o microfone e uma câmera pedir um comentário às pessoas que tinham assistido. Essas opiniões eram passadas no ecrã gigante e outras pessoas vinham juntar-se. Gerava interação comunitária e essas pessoas não viam a televisão prime-time, e em vez disso preferiam estes programas. Tudo era feito pela comunidade, salvo o equipamento, que vinha da cidade. Coisas como essas podem ser feitas.

Processos políticos como a Primavera Árabe, o movimento Occupy ou o dos indignados comoveram sociedades com as suas posições. Crê que estes grupos têm potencial revolucionário?

– Creio que são importantes, mas há muitas outras coisas também revolucionárias que estão a suceder. Por exemplo, os desenvolvimentos comunitários e o trabalho em empresas. Alguma coisa dessa iniciativa, de fato, veio da Argentina pós-colapso. Gar Alperovitz trabalha sobre isso e informa sobre lugares como Cleveland, onde há uma rede de empresas cujos proprietários são os seus próprios trabalhadores. Cooperativas que começam a estabelecer ligações a nível internacional com outras empresas em Espanha. Hoje isso existe em vários lugares do país e é revolucionário. Não sei se alcançará uma escala capaz de mudar a sociedade, mas é uma das coisas mais importantes que estão a acontecer.

Uma jovem espanhola que participou do movimento de indignados em Espanha dizia que admirava a experiência de Occupy Wall Street porque no seu país reclamavam direitos que tinham perdido e nos EUA por direitos que nunca tiveram…

– É que aqui luta-se pelos direitos de outras pessoas. Nenhum dos que está no movimento Occupy e passa o tempo no parque Zuccoti é pobre. Todos têm, pelo menos, um prato de comida na mesa e não vêm dos bairros mais desprovidos. Essa gente não tem tempo para estas coisas. No entanto, creio que estão a conseguir chamar a atenção dos media em muitos aspectos. Os elementos que Occupy trouxe colocaram-se no centro da agenda nacional. Antes falava-se muito pouco da desigualdade, da fraude bancária, da compra das eleições. Estas coisas agora estão a ser discutidas. De fato, o slogan de “somos os 99% vs. o 1%” pode ler-se na imprensa de negócios e todos falam dele. Para além disso, estão a fazer coisas. Por exemplo, com o furacão Sandy de há um par de semanas, os primeiros a sair para ajudar foram os jovens de Occupy. Também estão a ajudar as pessoas que estão a ser desalojadas das suas casas pelos bancos: apoiam-nos para resistir ao desalojamento ou vão ao tribunal protestar. Por isso, pode transformar-se em algo muito construtivo. De fato, creio que o mais importante que fizeram, que a maioria da imprensa não reconhece e de que ninguém fala, é que romperam a atomização da sociedade. Esta é uma sociedade em que as pessoas estão sós. É quase sociopático. As pessoas não se juntam para falar, ficam presos na televisão, no consumo de bens. Mas Occupy reuniu pessoas, pô-las a fazer algo de forma cooperativa. Abriu um espaço de discussão, interação. As pessoas estão a aprender a fazer coisas juntas e isso é muito importante, em especial numa sociedade como esta. Se durar, pode ser importante para inspirar mais grupos.

Pensa que deste movimento pode decorrer uma mudança mais profunda na sociedade?

– É um elemento entre outros. Há muitas coisas a acontecer no país. Este foi uma espécie de faísca e isso é visível. Foi visível no fato de que no dia seguinte a Zuccoti havia movimentos Occupy em todo o país e, na realidade, em outras partes do mundo. E passou apenas um ano, não pode dizer-se mais, mas foi muito bem sucedido. E se puderem associar-se a outros movimentos, como o das empresas recuperadas, pode ser muito interessante.

Um olhar sobre as redes sociais

O gabinete de trabalho de Noam Chomsky está repleto de livros. Entre duas estantes em forma da letra L que ocupam dois dos lados do compartimento, há apenas um espaço livre para alguns porta-retratos familiares. Não surpreende que Chomsky admita não ver muita televisão e que se informa a partir de “toneladas de leitura”. “Leio a imprensa nacional, a imprensa de negócios, a internacional. Um sem-fim de periódicos com um amplo espectro de perspectivas, inclusive conservadoras”, descreve. O cronista confessa então que antes deste encontro reviu os seus dados biográficos na Wikipedia.

“Eu uso a Wikipedia para algumas coisas. Se queres saber sobre matemática ou história medieval, está bem. Mas se se trata de algum tema contemporâneo e controverso, então há que ser muito cauteloso.”

E as redes sociais?

- Não tenho uma opinião porque estou fora de moda. Dizem-me que tenho uma conta de Facebook, mas não fui eu que a abri.

Atribuem-lhes um papel importante na Primavera Árabe.

– Aqui também têm um papel importante. Qualquer grupo ativista anuncia o que faz nas redes sociais para atrair pessoas para as suas atividades. Acho bom, não tenho nenhuma objeção contra isso. Mas o máximo que faço é ler ocasionalmente blogues. Creio que é uma grande coisa que qualquer um possa dizer o que quiser na Internet, mas significa que 99% são coisas sem importância.

Costuma fazer-se a crítica de que afetam o jornalismo acelerando os processos e contribuindo para a perda de análises e de verificação de dados…

Por isso leio os diários e não as redes sociais. Mas na Primavera Árabe sucedeu algo de interessante. Em dada altura (o presidente do Egipto Hosni) Mubarak encerrou a Internet. A interação cresceu porque em vez de tuitar as pessoas falavam entre si e a organização avançou mais rapidamente. Quer dizer, aceleram as coisas, mas não tanto.


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