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sábado, 11 de dezembro de 2010

Depois do WikiLeaks, o mundo nunca mais será o mesmo


Grandes descobertas ou inventos nos suportes da escrita fizeram balançar as estruturas de sustentação da sociedade, provocando verdadeiras revoluções na Comunicação e nas relações de Poder.

Foi assim quando Gutenberg inventou a prensa e os tipos móveis na Alemanha de 1450. Está sendo assim agora, no novo milênio, com a internet.

Para desespero de muitos que defenderam, raivosamente, a "reserva de mercado" no trabalho de imprensa, agora cada cidadão pode se tornar, a qualquer momento, jornalista.

Com o furor WikiLeaks, então, nada mais será como antes. Nas relações de poder, no jornalismo, na mídia impressa e eletrônica, na comunicação.

Sobre esta revolução que se desenrola diante de nossos olhos e da qual participamos com nossos monitores, mouses e teclados, o Abra a Boca, Cidadão! publica um texto do jornalista Mauro Santayana, a partir de um post do blogue Com Texto Livre (http://contextolivre.blogspot.com), do jornalista, blogueiro e cidadão ZCarlos.  



O mundo, depois de Julian Assange

Todos os que sabem escrever e manipular um computador são cidadãos, e ser cidadão é muito mais do que ser jornalista.


O presidente Lula e o primeiro-ministro Putin tiveram o mesmo discurso, ontem, em defesa de Julian Assange, embora com argumentos diferentes. Lula foi ao ponto: Assange está apenas usando do velho direito da liberdade de imprensa, de informação. Não cabe acusá-lo de causar danos à maior potência da História, uma vez que divulga documentos cuja autenticidade não está sendo contestada. Todos sabem que as acusações de má conduta em relacionamento consentido com duas mulheres de origem cubana, na Suécia, são apenas um pretexto para imobilizá-lo, a fim de que outras acusações venham a ser montadas, e ele possa ser extraditado para os Estados Unidos.

O que cabe analisar são as conseqüências políticas da divulgação dos segredos da diplomacia ianque, alguns deles risíveis, outros extremamente graves. Ontem, em Bruxelas, o chanceler russo Sergei Lavrov comentava revelações do WikiLeaks sobre as atitudes da Otan com relação ao seu país: enquanto a organização, sob o domínio de Washington, convidava a Rússia a participar da aliança, atualizava seus planos de ação militar contra o Kremlin, na presumida defesa da Polônia e dos países bálticos. Lavrov indagou da Otan qual é a sua posição real, já que o que ela publicamente assume é o contrário do que dizem seus documentos secretos. Moscou foi além, ao propor o nome de Assange como candidato ao próximo Prêmio Nobel da Paz.

O exame da história mostra que todas as vezes que os suportes da palavra escrita mudaram, houve correspondente revolução social e política. Sem Gutenberg não teria havido o Renascimento; sem a multiplicação dos prelos, na França dos Luíses, seria impensável o Iluminismo e sua consequência política imediata, a Revolução Francesa. A constatação do imenso poder dos papéis impressos levou a Assembléia Constituinte aprovar o artigo XI da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, logo no início da Revolução, em agosto de 1789. O dispositivo do núcleo pétreo da Constituição determina que todo cidadão tem o direito de falar, escrever e imprimir com toda a liberdade. As leis punem os que, mentindo, atingem a honra alheia. A liberdade de imprensa, sendo dos cidadãos, é da sociedade. Das sociedades nacionais e, em nossa época de comunicações eletrônicas e livres, da sociedade planetária dos homens.

É surpreendente que, diante desta realidade irrefutável, jornalistas de ofício queiram reivindicar a liberdade de imprensa (vocábulo que abarca, do ponto de vista político, todos os meios de comunicação) como monopólio corporativo. A internet confirma a intenção dos legisladores franceses de há 221 anos: a liberdade de expressão é de todos, e todos nós somos jornalistas. Basta ter um endereço eletrônico. As pesadas e, relativamente caras, máquinas gráficas do passado são hoje leves e baratíssimos note-books, e de alcance universal.

É sempre citável a observação de Isidoro de Sevilha, sábio que marcou o sétimo século, a de que “Roma não era tão forte assim”. Bradley Manning e Julian Assange estão mostrando que Washington – cujo medo é transparente em seus papéis diplomáticos – não é tão poderosa assim. É interessante registrar que o nome de Santo Isidoro de Sevilha está sendo sugerido, por blogueiros católicos, como o padroeiro da internet.

Os jornalistas devem acostumar-se à ideia de renunciar a seus presumidos privilégios. Todos os que sabem escrever e manipular um computador são cidadãos, e ser cidadão é muito mais do que ser jornalista. São esses cidadãos que, na mesma linha de Putin e Lula, se mobilizam, na ágora virtual, para defender Assange, da mesma forma que se mobilizaram em defesa da mulher condenada à morte por adultério. O mundo mudou, mas nem todos perceberam essa mudança.

Mauro Santayana
Jornal do Brasil
10.12.2010