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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Yoani Sánchez ajuda a desmascarar a "burritzia" brasileira


OPINIÃO


Dá para acreditar que os "patetas fantasiados de Che Guevara" leem? E, se alguma vez o fizeram, se deram ao trabalho de ler o blog da blogueira cubana?

E os representantes da blogosfera suja, fomentando o ódio à blogueira? Alguns têm um texto sofrível. Outros acham que ser prolixo e enfadonho é escrever bem. E há os que nem escrevem. "Terceirizam", copiam e colam e por aí vai... Se apropriam de trabalho alheio, muitas vezes nem dando devidamente o crédito.

E essa gente, desculpem a má palavra, se acha no direito de "cagar" regras, promover "inquérito policialesco", condenar sumariamente, amordaçar uma cidadã cuja única arma são as palavras...

Botem um deles para falar, dar entrevistas, responder perguntas incômodas de improviso... e vocês verão a nulidade escancarada.


Twitter de Yoani    @yoanisanchez


YOANI SÁNCHEZ NO BRASIL
Uma voz crítica – e construtiva

Mauro Malin 

Um segmento minúsculo da burritzia brasileira, turbinado pela Embaixada de Cuba em Brasília, deu à Veja (datada de 27/2) material de primeira para editorializar (“Veja editorializar”: passe o pleonasmo) uma defesa de Yoani Sánchez. Foi parar na capa: “A blogueira que assusta a tirania. Por que a ditadura cubana e seus seguidores no Brasil têm tanto pavor de Yoani Sánchez, a ponto de tentar calar sua voz à força”.

É um segmento desorientado, e parece ter deixado a revista igualmente perdida no tiroteio. A ditadura cubana não tem pavor de Yoani, uma ativista individual, que não pertence a nenhum dos movimentos surgidos em Miami e no país após a revolução. Movimentos que recrudesceram no contexto do “período especial”, quando o país comeu menos do que o pão que o diabo amassou.

Yoani é a primeira a dizer que quem mais promoveu sua imagem em Cuba foi Fidel Castro, ao fazê-la alvo de diatribes. Sua programada viagem ao Brasil não era segredo para ninguém, muito menos para o serviço secreto cubano. Se ela fosse a inimiga do regime que alguns imaginam, estaria presa, ou, simplesmente, ter-lhe-iam negado o passaporte.

Mais sugestivo do que imaginar Raúl Castro mandando infernizar as aparições públicas de Yoani é pensar na luta interna no governo cubano. Toda vez que tem mudança à vista, a burocracia, travestida ou não de pureza ideológica, faz o que pode para tirar o processo dos trilhos. Ou, no mínimo, para garantir espaço no período vindouro.

A proposta de Yoani é conciliação, diálogo, entendimento. Sempre foi. Antes de aproveitar uma mudança tecnológica que a repressão cubana não entendia direito – e possivelmente não entende até hoje –, fundou uma revista chamada Consenso.


Sem guerra civil

O jornalista e historiador Richard Gott termina seu livro Cuba, uma nova história (2006) com a hipótese de que Fidel, depois de ter desistido do socialismo, começou a olhar para um futuro sem ditadura, uma possibilidade alimentada pelo fato de que a revolução não descambou em lutas fratricidas.

Durante o regime castrista, Cuba foi poupada da violência aberta em casa. Exportou soldados, revolucionários, instrutores, armas, para dezenas de lugares na América Latina e na África, mas em seu solo, por um período inigualado em sua história, não houve conflito armado, embora tenha havido muita repressão, espionagem, medo, terror. Mas a guerra civil é pior do que tudo isso. O epílogo do livro de Gott ficou datado: os “jovens” mencionados como possíveis substitutos dos irmãos Castro no poder foram todos varridos, quiçá por inconfiáveis. Mas a tese faz sentido. Há um novo “jovem” designado.

O traço marcante de Cuba é ter se livrado, no espaço de 100 anos, de três potências colonizadoras: Espanha, Estados Unidos e União Soviética. Existe um orgulho nacional. É uma das bases de sustentação do regime, ao lado de subsídios à população para sobreviver. Foi a retirada dos subsídios que moveu jovens egípcios a desafiar a ditadura de Mubarak. Os irmãos Castro sabem que em seu país não é preciso forçar muito a barra para a tampa da panela saltar longe.


Suplicy brilhou intensamente

No material da Veja, eriçado de adjetivos e advérbios, a “turba ignara” está adequadamente caracterizada como “patetas fantasiados de Che Guevara”. Nesse plano de baixarias retóricas, os antagonistas, Veja e manifestantes anti-Yoani, se entendem. Seria o que Proust chamou “consanguinidade de espíritos”, mais forte do que a “comunidade de opiniões”.

A reportagem faz uma correta homenagem à participação do senador Eduardo Suplicy no episódio da visita de Yoani ao Brasil. Nenhum gesto político e humano foi mais grandioso neste verão brasileiro.

A visita teria sido apenas uma sucessão preocupante de atos de força contra a palavra caso a mídia jornalística não tivesse dado à ativista a possibilidade de se expressar – mesmo em contexto algo hostil, como no Roda Vida da TV Cultura (25/2), onde alguns (algumas) jornalistas procuraram explorar mais seus (deles/delas) instintos de detetives de araque do que o potencial cultural, político, literário e comunicativo da entrevistada.


Fala como escreve

Quem tiver prestado atenção à maneira como Yoani fala entenderá uma das razões de sua proeminência. Fala como quem lê um texto, fala como escreve (infelizmente, muita gente escreve como fala). E é capaz de escrever com simplicidade, organização conceitual e riqueza de vocabulário. É uma leitora. Como dizia o velho cartaz da editora Civilização Brasileira na Rua Sete de Setembro: “Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê.” Yoani lê o tempo todo.

No Brasil, pouca gente consegue falar assim, sem falsas vírgulas, sem cacos para atravessar a hesitação do pensamento. Antônio Carlos Villaça (1928-2005) foi uma dessas pessoas. Leonel Brizola (1922-2004), grande comunicador na televisão, usava “não é verdade?” o tempo todo para pontuar suas frases. Quem tiver curiosidade pode checar a oratória de Yoani assistindo a uma entrevista dela a Demétrio Magnoli na Globo News e comparando a fluidez dos discursos dos interlocutores.

A Época (25/2) fez algo melhor do que a Veja: deu a palavra a Yoani numa entrevista, mas as perguntas incluíram barretadas inquisitoriais aos donos de Cuba.

Yoani é boa frasista. Na TV Cultura disse preferir que suas palavras sejam manipuladas se a alternativa for o silêncio. Que não é suficientemente cínica para entrar na política convencional.


Filha do castrismo

Entre as explicações para o fenômeno Yoani é preciso apontar que ela é uma filha da Revolução (Reforma?) Cubana, no que ela teve de melhor (e de mais frustrante): a importância dada à educação, como a própria jornalista destacou no Roda Viva.

Não é mascarada. Apresenta-se de cara lavada, cabelos fora da moda, roupa singela. Fascinada pela informática, montou com peças disparatadas compradas no onipresente mercado negro seu primeiro computador. Estava pronta para a chegada das redes sociais.

Mais importante, talvez, do que tudo isso: Yoani não tem como perder tempo navegando na internet: em Cuba, para os comuns dos mortais, isso é muito caro. Então, circula pela cidade, ouve muito, pensa muito, escreve o necessário, usa uma hora de conexão por semana para programar vários tópicos sucessivos de seu blogue.

A observadora crítica, como muita gente em Cuba, tem vasto repertório e aprendeu a se virar. Chamá-la de agente da CIA é uma homenagem imerecida à agência americana, atribuindo-lhe um grau de sofisticação – e de inteligência – que ela jamais sonhou ter.

Yoani quer fazer política com P maiúsculo por meio de um jornal sério, capaz de botar o dedo nas feridas do cotidiano da Ilha, portador de alentada seção cultural, o que faria jus às melhores tradições do país. Nem sabe direito como isso será possível. Mas é otimista.


Destaques do ABC!

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