Nada como um dia depois do outro.
Em 2003, incomodado com as sucessivas aparições midiáticas de Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa entreteve um bate-boca com Mendes, acompanhado ao vivo por todo o Brasil na tela da TV Justiça.
“Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário”, proclamou um indignado Joaquim Barbosa.
Agora, quase 10 anos depois, é Barbosa que ocupa a cadeira de presidente do Supremo, e parece cada vez mais deslumbrado diante de câmeras, microfones e holofotes e com o poder quase infinito que desfruta, respaldado pela idolatria auferida nas redes sociais, onde virou o "Nosso Batman"...
Como lembra a sabedoria bíblica: "Vaidade das vaidades. Tudo é vaidade."
A transmissão de julgamentos
Dalmo de Abreu Dallari*
A transmissão dos julgamentos dos tribunais feita ao vivo, pela televisão, tem grande possibilidade de influir sobre a atitude dos julgadores e, em última análise, sobre o próprio resultado do julgamento, podendo ser responsável pelo comprometimento da justiça da decisão.
E aqui pesa o fator humano, a circunstância de que na formação de suas convicções e na tomada de suas decisões a pessoa humana pode sofrer múltiplas influências. E entre estas tem relevância, óbvia e inevitável, o fato de que o julgador sabe que está sendo visto e avaliado por milhões de pessoas, na maioria pessoas sem formação jurídica, sem conhecimentos teóricos do direito e muitas vezes influenciadas por uma persistente e tendenciosa campanha de imprensa, que transmite a ideia de que só será justa decisão condenatória que atinja direta ou indiretamente os personagens de determinado espectro político.
A par disso, a experiência tem deixado muito evidente que a grande publicidade provoca deslumbramento. Assim é que muitas pessoas, homens e mulheres, fazem e dizem coisas absolutamente ridículas, até mesmo expondo-se ingenuamente, em busca de publicidade, aplicando-se aqui o velho brocardo “falem mal, mas falem de mim”.
Isso tem sido atribuído a políticos em busca de notoriedade a qualquer custo, mas o que se tem visto é que pessoas das mais diversas atividades sociais, mesmo pessoas consideradas cultas e bem situadas na escala das autoridades públicas, são suscetíveis dessa verdadeira “armadilha psicológica”. E não é raro que pessoas muito rigorosas na condenação de outras que se deixaram pegar na armadilha da publicidade acabem sucumbindo à mesma armadilha, reproduzindo os comportamentos que antes condenaram com grande veemência.
Excessos e desvios
Um exemplo bem atual e evidente dessa dualidade tem por atores dois personagens altamente situados no Poder Judiciário brasileiro. Em abril de 2003, quando ocupava o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes era presença constante no noticiário da imprensa, na maioria das vezes por puro exibicionismo, sem nada de relevante para transmitir, às vezes fazendo críticas e acusações grosseiras a outros agentes públicos, inclusive a membros do Judiciário, sem continência verbal e sem qualquer compromisso com o interesse público.
Esse comportamento, muito reiterado, foi severamente criticado em declarações à imprensa feitas por outro ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Naquela ocasião, esses dois personagens travaram, em público, um áspero diálogo, que foi reproduzido pela imprensa. Depois de acusar Gilmar Mendes de excesso publicitário, disse textualmente Joaquim Barbosa: “Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário”.
O que se viu mais recentemente foi o acusador daquela época sucumbindo ao mesmo deslumbramento, caindo na mesma armadilha, agredindo com palavras exageradamente ásperas outros integrantes do Supremo Tribunal que discordaram de algumas de suas posições. E depois deixando evidente sua grande satisfação pela grande popularidade resultante da divulgação de suas diatribes pela imprensa.
Por tudo isso – e por muito mais que poderia ser acrescentado – é absolutamente necessário que a mídia reavalie seu papel e sua responsabilidade quanto ao Poder Judiciário e aos magistrados em geral, mas, sobretudo, quanto aos julgamentos dos Tribunais Superiores, para que os excessos e desvios da imprensa não acabem comprometendo a serenidade, o equilíbrio e a prudência que devem ser preservados quando se busca a realização da Justiça.
Discreta e imparcial
Vem a propósito relembrar as palavras do ministro Teori Zavascki, o mais novo integrante do Supremo Tribunal Federal. Falando especificamente da transmissão dos julgamentos pela televisão, disse o eminente magistrado que, a par de alguns pontos que podem ser considerados positivos, essa transmissão tem importantes pontos negativos que é preciso considerar. “Um ponto negativo é o excesso de exposição que às vezes não colabora para um julgamento tranquilo, sereno.” E concluiu dizendo não ser contrário à publicidade dos atos judiciais, que é imposição constitucional, mas recomendando que seja repensada essa prática, considerando que “entre publicidade e transmissão ao vivo tem um meio caminho”, que deve ser considerado a bem da Justiça (O Estado de S. Paulo, 20/11/2012, pág. A6).
Pode-se concluir que a imprensa presta um serviço relevante quando dá notícia dos julgamentos, sintetiza a argumentação dos julgadores e informa sobre as conclusões. Mas além de ser necessário o tratamento desses temas por profissionais adequadamente preparados e verdadeiramente independentes para a seleção e exposição dos argumentos de todas as partes envolvidas e para a síntese das conclusões, é absolutamente necessária a divulgação discreta e imparcial, para que o julgamento pelo Judiciário não seja tratado como uma competição esportiva, comentada sob o ângulo que privilegie o competidor preferido pelos dirigentes da imprensa.
* Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Observatório da Imprensa
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E aqui pesa o fator humano, a circunstância de que na formação de suas convicções e na tomada de suas decisões a pessoa humana pode sofrer múltiplas influências. E entre estas tem relevância, óbvia e inevitável, o fato de que o julgador sabe que está sendo visto e avaliado por milhões de pessoas, na maioria pessoas sem formação jurídica, sem conhecimentos teóricos do direito e muitas vezes influenciadas por uma persistente e tendenciosa campanha de imprensa, que transmite a ideia de que só será justa decisão condenatória que atinja direta ou indiretamente os personagens de determinado espectro político.
A par disso, a experiência tem deixado muito evidente que a grande publicidade provoca deslumbramento. Assim é que muitas pessoas, homens e mulheres, fazem e dizem coisas absolutamente ridículas, até mesmo expondo-se ingenuamente, em busca de publicidade, aplicando-se aqui o velho brocardo “falem mal, mas falem de mim”.
Isso tem sido atribuído a políticos em busca de notoriedade a qualquer custo, mas o que se tem visto é que pessoas das mais diversas atividades sociais, mesmo pessoas consideradas cultas e bem situadas na escala das autoridades públicas, são suscetíveis dessa verdadeira “armadilha psicológica”. E não é raro que pessoas muito rigorosas na condenação de outras que se deixaram pegar na armadilha da publicidade acabem sucumbindo à mesma armadilha, reproduzindo os comportamentos que antes condenaram com grande veemência.
Excessos e desvios
Um exemplo bem atual e evidente dessa dualidade tem por atores dois personagens altamente situados no Poder Judiciário brasileiro. Em abril de 2003, quando ocupava o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes era presença constante no noticiário da imprensa, na maioria das vezes por puro exibicionismo, sem nada de relevante para transmitir, às vezes fazendo críticas e acusações grosseiras a outros agentes públicos, inclusive a membros do Judiciário, sem continência verbal e sem qualquer compromisso com o interesse público.
Esse comportamento, muito reiterado, foi severamente criticado em declarações à imprensa feitas por outro ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Naquela ocasião, esses dois personagens travaram, em público, um áspero diálogo, que foi reproduzido pela imprensa. Depois de acusar Gilmar Mendes de excesso publicitário, disse textualmente Joaquim Barbosa: “Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário”.
O que se viu mais recentemente foi o acusador daquela época sucumbindo ao mesmo deslumbramento, caindo na mesma armadilha, agredindo com palavras exageradamente ásperas outros integrantes do Supremo Tribunal que discordaram de algumas de suas posições. E depois deixando evidente sua grande satisfação pela grande popularidade resultante da divulgação de suas diatribes pela imprensa.
Por tudo isso – e por muito mais que poderia ser acrescentado – é absolutamente necessário que a mídia reavalie seu papel e sua responsabilidade quanto ao Poder Judiciário e aos magistrados em geral, mas, sobretudo, quanto aos julgamentos dos Tribunais Superiores, para que os excessos e desvios da imprensa não acabem comprometendo a serenidade, o equilíbrio e a prudência que devem ser preservados quando se busca a realização da Justiça.
Discreta e imparcial
Vem a propósito relembrar as palavras do ministro Teori Zavascki, o mais novo integrante do Supremo Tribunal Federal. Falando especificamente da transmissão dos julgamentos pela televisão, disse o eminente magistrado que, a par de alguns pontos que podem ser considerados positivos, essa transmissão tem importantes pontos negativos que é preciso considerar. “Um ponto negativo é o excesso de exposição que às vezes não colabora para um julgamento tranquilo, sereno.” E concluiu dizendo não ser contrário à publicidade dos atos judiciais, que é imposição constitucional, mas recomendando que seja repensada essa prática, considerando que “entre publicidade e transmissão ao vivo tem um meio caminho”, que deve ser considerado a bem da Justiça (O Estado de S. Paulo, 20/11/2012, pág. A6).
Pode-se concluir que a imprensa presta um serviço relevante quando dá notícia dos julgamentos, sintetiza a argumentação dos julgadores e informa sobre as conclusões. Mas além de ser necessário o tratamento desses temas por profissionais adequadamente preparados e verdadeiramente independentes para a seleção e exposição dos argumentos de todas as partes envolvidas e para a síntese das conclusões, é absolutamente necessária a divulgação discreta e imparcial, para que o julgamento pelo Judiciário não seja tratado como uma competição esportiva, comentada sob o ângulo que privilegie o competidor preferido pelos dirigentes da imprensa.
* Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Observatório da Imprensa
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