Catástrofe, "Festa da Cocada", monstruosidade... Assim, respeitados juristas se referiram ao julgamento da Ação Penal 470, o chamado "Mensalão", no Supremo Tribunal Federal.
O Poder Judiciário e sua instância máxima saem bem "chamuscados" do julgamento.
É alarmante constatar que quase metade da alta corte se mostrou tecnicamente despreparada, emocionalmente desequilibrada, e até sem qualquer comprometimento com seu papel fundamental para a estabilidade institucional.
Lastimável.
As chances que o STF perdeu de se mostrar isento
O Escritor
Toda crítica baseia-se em parâmetros, critérios e valores que teriam sido desrespeitados por quem as recebe. Vamos explicitar esse conteúdo, então. Como deveria ter transcorrido o julgamento da AP 470?
1. Os ministros deveriam ter revelado autonomia na marcação do julgamento, escolhendo a data mais apropriada às suas conveniências. Ao contrário, cederam à imposição da mídia, que baseou sua pressão numa mentira: o processo correria o risco de prescrição se não fosse resolvido neste ano.
2. Aceita a pressão, os ministros deveriam ter disciplinado a transmissão pela TV para não transformar o julgamento em programa televisivo com torcidas contra e a favor. Liberaram a transmissão contínua, e o julgamento se transformou no maior reality show da história do Direito: mais de 250 horas de transmissão (53 sessões plenárias).
3. Consumado o cenário de show, deveriam ter se comportado como juízes, mantendo um comportamento digno de sua posição: os mais importantes magistrados do País. Não foi o que aconteceu com os principais protagonistas: vários agiram como celebridades ante os holofotes ligados, "jogando para a plateia", transformando intervenções para os autos em discursos para os espectadores, e enunciando juízos que extrapolaram em muito o conteúdo do processo – apenas porque tinham certeza de sua repercussão imediata. Quantas declarações dessas trouxeram o selo "Jornal Nacional"?
4. Durante o julgamento, deveriam ter firmado uma posição contra interferências externas, em especial a mais flagrante: a pressão da grande mídia. Ao contrário, o mais destacado membro da Corte demonstrava nervosismo toda vez que a programação (da mídia, não do tribunal) parecia atrasar um pouco. Quase se podia ler no seu comportamento: "As eleições se aproximam; vamos acabar logo com isso?"
5. Escancaradas as sessões, tinha-se uma grande oportunidade de mostrar ao País o funcionamento democrático de uma instituição. E o que se viu? Afirmações ríspidas, desrespeitosas e agressivas do relator contra o único membro que ousava divergir de suas posições. A demonização do colega oponente pela mídia e por parte da sociedade não recebeu nenhum comentário da parte daquele que a comandava, internamente. Coleguismo zero.
6. Outra grande oportunidade: reforçar na mente dos cidadãos os preceitos básicos da Justiça: todos têm direito a um duplo julgamento, ninguém será condenado sem prova conclusiva, o que vale para um caso também vale para casos semelhantes, réus e advogados merecem o respeito da Corte, o acesso a informações e processos decisivos para uma boa defesa será garantido com plenitude, as alegações dos defensores serão consideradas e refutadas, se for o caso, com propriedade. Qual a impressão geral deixada pelo julgamento? Se um juiz quiser, condena – basta ele querer.
7. Ao decidirem as penas dos condenados, os juízes deveriam ter avaliado a relação delas com penas de crimes muito mais graves, contendo o ímpeto inquisitorial, e deveriam refutar qualquer tentativa externa de impor alterações nessas penas. Ao contrário, fixaram penas que mesmo os seus admiradores consideraram excessivas e depois cederam à pressão orquestrada da mídia, que no último momento exigiu um benefício ao delator dos demais condenados.
8. Ao darem seus votos finais, os ministros deveriam aproveitar a oportunidade para deixar uma impressão positiva do funcionamento da Justiça, reafirmando seus valores e, no caso em questão, adiantando sugestões para que casos semelhantes fossem evitados. Intoxicados pela fama, alguns deles preferiram dar vazão à agressividade contra os réus e optaram por discursos de palanque em que a própria atividade política saiu criminalizada. A saideira? Chamar o Legislativo para o confronto aberto.
9. O iniciador do processo, o Procurador-Geral da República, deveria demonstrar em seus atos e falas a intenção de que a Justiça fosse feita, independentemente de suas conclusões, já que o caso estava nas mãos dos principais juízes do País. Mas logo no início do julgamento solicitou a prisão imediata dos condenados, fez declarações partidárias contra o PT, lançou uma inédita "cartilha do mensalão" (cuja existência ainda não estava provada) e depois, às vésperas das eleições, afirmou que desejaria que o resultado do julgamento influenciasse as eleições, politizando de vez a sua atuação.
10. Ele mesmo, o PGR, deveria respeitar a vontade majoritária do Supremo, conhecida de todos, quanto à questão da prisão dos condenados. O que fez? Deixou de lado pudores e valores, retirou o pedido ao final do julgamento e o reapresentou para decisão exclusiva do mais rígido de todos os magistrados. E baseou seu pedido na pressuposição (ou melhor, previsão) maldosa de que todos os recursos teriam mera função protelatória (sem ter acesso ao conteúdo de nenhum deles). Chocou, mais uma vez, a consciência jurídica do País, com um pedido para que houvesse prisões antes do trânsito em julgado das sentenças – mais uma possível violação de um direito constitucional do cidadão.
Para quem pouco entende dessa sopinha de siglas (STF, PGR, MPF), a discrepância entre o que deveria ter acontecido e o que aconteceu trouxe somente uma certeza: a Justiça que merecemos não é a Justiça que temos.
Toda crítica baseia-se em parâmetros, critérios e valores que teriam sido desrespeitados por quem as recebe. Vamos explicitar esse conteúdo, então. Como deveria ter transcorrido o julgamento da AP 470?
1. Os ministros deveriam ter revelado autonomia na marcação do julgamento, escolhendo a data mais apropriada às suas conveniências. Ao contrário, cederam à imposição da mídia, que baseou sua pressão numa mentira: o processo correria o risco de prescrição se não fosse resolvido neste ano.
2. Aceita a pressão, os ministros deveriam ter disciplinado a transmissão pela TV para não transformar o julgamento em programa televisivo com torcidas contra e a favor. Liberaram a transmissão contínua, e o julgamento se transformou no maior reality show da história do Direito: mais de 250 horas de transmissão (53 sessões plenárias).
3. Consumado o cenário de show, deveriam ter se comportado como juízes, mantendo um comportamento digno de sua posição: os mais importantes magistrados do País. Não foi o que aconteceu com os principais protagonistas: vários agiram como celebridades ante os holofotes ligados, "jogando para a plateia", transformando intervenções para os autos em discursos para os espectadores, e enunciando juízos que extrapolaram em muito o conteúdo do processo – apenas porque tinham certeza de sua repercussão imediata. Quantas declarações dessas trouxeram o selo "Jornal Nacional"?
4. Durante o julgamento, deveriam ter firmado uma posição contra interferências externas, em especial a mais flagrante: a pressão da grande mídia. Ao contrário, o mais destacado membro da Corte demonstrava nervosismo toda vez que a programação (da mídia, não do tribunal) parecia atrasar um pouco. Quase se podia ler no seu comportamento: "As eleições se aproximam; vamos acabar logo com isso?"
5. Escancaradas as sessões, tinha-se uma grande oportunidade de mostrar ao País o funcionamento democrático de uma instituição. E o que se viu? Afirmações ríspidas, desrespeitosas e agressivas do relator contra o único membro que ousava divergir de suas posições. A demonização do colega oponente pela mídia e por parte da sociedade não recebeu nenhum comentário da parte daquele que a comandava, internamente. Coleguismo zero.
6. Outra grande oportunidade: reforçar na mente dos cidadãos os preceitos básicos da Justiça: todos têm direito a um duplo julgamento, ninguém será condenado sem prova conclusiva, o que vale para um caso também vale para casos semelhantes, réus e advogados merecem o respeito da Corte, o acesso a informações e processos decisivos para uma boa defesa será garantido com plenitude, as alegações dos defensores serão consideradas e refutadas, se for o caso, com propriedade. Qual a impressão geral deixada pelo julgamento? Se um juiz quiser, condena – basta ele querer.
7. Ao decidirem as penas dos condenados, os juízes deveriam ter avaliado a relação delas com penas de crimes muito mais graves, contendo o ímpeto inquisitorial, e deveriam refutar qualquer tentativa externa de impor alterações nessas penas. Ao contrário, fixaram penas que mesmo os seus admiradores consideraram excessivas e depois cederam à pressão orquestrada da mídia, que no último momento exigiu um benefício ao delator dos demais condenados.
8. Ao darem seus votos finais, os ministros deveriam aproveitar a oportunidade para deixar uma impressão positiva do funcionamento da Justiça, reafirmando seus valores e, no caso em questão, adiantando sugestões para que casos semelhantes fossem evitados. Intoxicados pela fama, alguns deles preferiram dar vazão à agressividade contra os réus e optaram por discursos de palanque em que a própria atividade política saiu criminalizada. A saideira? Chamar o Legislativo para o confronto aberto.
9. O iniciador do processo, o Procurador-Geral da República, deveria demonstrar em seus atos e falas a intenção de que a Justiça fosse feita, independentemente de suas conclusões, já que o caso estava nas mãos dos principais juízes do País. Mas logo no início do julgamento solicitou a prisão imediata dos condenados, fez declarações partidárias contra o PT, lançou uma inédita "cartilha do mensalão" (cuja existência ainda não estava provada) e depois, às vésperas das eleições, afirmou que desejaria que o resultado do julgamento influenciasse as eleições, politizando de vez a sua atuação.
10. Ele mesmo, o PGR, deveria respeitar a vontade majoritária do Supremo, conhecida de todos, quanto à questão da prisão dos condenados. O que fez? Deixou de lado pudores e valores, retirou o pedido ao final do julgamento e o reapresentou para decisão exclusiva do mais rígido de todos os magistrados. E baseou seu pedido na pressuposição (ou melhor, previsão) maldosa de que todos os recursos teriam mera função protelatória (sem ter acesso ao conteúdo de nenhum deles). Chocou, mais uma vez, a consciência jurídica do País, com um pedido para que houvesse prisões antes do trânsito em julgado das sentenças – mais uma possível violação de um direito constitucional do cidadão.
Para quem pouco entende dessa sopinha de siglas (STF, PGR, MPF), a discrepância entre o que deveria ter acontecido e o que aconteceu trouxe somente uma certeza: a Justiça que merecemos não é a Justiça que temos.
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