Quando menina, meu pai, operário e partidário de Jânio Quadros, entretinha, após o jantar, longas conversas sobre política com meu avô Olímpio, ademarista fanático. Havia muitos comícios e esse pai progressista, de esquerda, sem que soubesse de ideologias, nos levava, a mim e a meus irmãos, para ouvir discursos inflamados de Carvalho Pinto, Franco Montoro, Ulysses Guimarães...
Dia de eleição, 15 de Novembro, era dia festivo. Comemorava-se a festa da democracia, mais ainda do que da República. Caçula, eu ia para a seção eleitoral com minha mãe, entrava com ela na "cabine indevassável", uma espécie de "tenda", e aí ela votava. Por vezes, ela deixava que eu fizesse o "xis" no quadrinho que ela indicava...
Essas foram minhas primeiras, queridas e inesquecíveis lições de democracia e cidadania, na periferia da cidade de São Paulo.
Tempos depois, já estudante da USP e da Cásper Líbero, nos anos de chumbo, a menina aprendiz de democracia se transformou numa ativista, indo pras ruas e praças do centro da cidade, em passeatas e atos públicos, lutando pela derrubada da ditadura e a volta do País ao Estado Democrático de Direito.
Muitos anos depois, é triste para a paulistana que desde muito cedo se acostumou a participar ativamente dessa festa e dessas lutas, ver no que se transformou esse momento tão importante para o País e para a sociedade.
Dói ver São Paulo amargando os efeitos de uma escolha equivocada e infeliz e sob o risco de trocar a "mediocridade imobiliária" por uma "nulidade messiânica", como se só tivéssemos merecimento para o caos e a empulhação.
O que aconteceu na maior e mais importante cidade brasileira?
Pra onde foram os brios do bravo povo de Piratininga?
Vamos nos permitir eleger novamente uma farsa, um engodo?
De cacareco em cacareco, aos trancos e barrancos, qual será o destino da triste Pauliceia Desvairada?
Praça da Sé, palco das Diretas-Já, marco
zero da cidade.
não produziu um plano de futuro para São Paulo, diretrizes
que tracem um rumo de qualidade de vida e não de
aprofundamento das desigualdades. Foto: Antônio Milena/ABr
Mais uma vez a cidade que movimenta o terceiro orçamento do País chega às urnas sem convicção de que modelo de desenvolvimento deseja. A polarização entre situação e oposição chegou a um ponto em que a maioria dos eleitores parece ter abandonado a vontade de avaliar propostas e pensar em como São Paulo pode vir a ser uma cidade mais humana, acolhedora, menos fechada em grades e muros, com mobilidade tranquila e serviços públicos de qualidade.
A escolha do próximo prefeito parece que vai seguir uma rota menos elaborada, menos propensa a reflexões, mais focada em um personalismo inconsistente, com discursos e propostas que cabem em 140 caracteres. Faz muitos anos que a cidade caminha através de sua própria institucionalidade, sem a liderança de um projeto de desenvolvimento, sem a normativa de um plano diretor, ou sem a qualidade de uma gestão menos focada em seu próprio umbigo.
As ideias de um prefeito de São Paulo não deveriam ser simplistas a ponto de caber em posts de redes sociais e uns parcos minutos de tevê. A capital paulista é uma cidade complexa, com demandas proporcionais à sua grandeza metropolitana e soluções que envolvem uma enorme multiplicidade de saberes. Mas estas coisas não estão em jogo no diálogo (ou seria monólogo) com os eleitores.
Os esquetes mostrados na tevê e as falas dos candidatos a vereador mostram uma realidade que já deveria ter sido esquecida em um tempo em que os eleitores elegiam “Cacareco”, um hipopótamo do zoológico paulistano que foi o candidato a vereador mais votado em seu tempo. O messianismo ou a crítica escarrada ao cenário político destoa com a firmeza com que a cidade enfrentou momentos críticos da história política, como a Revolução Constitucionalista, que exigia do governo federal uma Constituição e eleições livres, ou durante os 27 anos de regime militar, que entre outras manifestações teve de enfrentar mais de um milhão de paulistanos e brasileiros em comícios que exigiram eleições diretas no Brasil.
São Paulo é um dos importantes centros da mídia brasileira, discute o país, mas é incapaz de olhar para seus bairros, para sua periferia e para seu centro, abandonado a ruínas, tráficos de toda espécie, contrabandos e escravidão em oficinas clandestinas que produzem a felicidade de sacoleiros de todo o país.
Uma cidade não pode simplesmente ser um repositório de fracassos e contentar-se em ser apenas isso. Pesquisa realizada em parceria entre a Rede Nossa São Paulo e o IBOPE, no início de 2012, apontou que 56% dos moradores de São Paulo abandonariam a cidade e iriam viver em outro lugar se pudessem. Ou seja, mais da metade das pessoas que moram em São Paulo já estariam longe se pudessem. No quesito qualidade de vida a cidade teve média de 4,9 em uma escala que vai de zero a dez. A cidade mais rica do país não consegue transformar dinheiro em qualidade de vida.
Algumas notas que os paulistanos deram à cidade:
Honestidade e Participação Política – 3,5
Transporte público e mobilidade – 4,3
Segurança – 4,4
Habitação – 4,5
Educação – 5,0
Saúde – 5,1
Nenhuma nota conseguiu ultrapassar a metade da escala, mas o que os paulistanos pensam de seus políticos é ainda pior. Apenas 17% acreditam que o desempenho da Prefeitura é ótimo ou bom, enquanto só 11% diz que a Câmara dos Vereadores tem um desempenho ótimo ou bom. Essa pesquisa foi divulgada pouco antes de 25 de janeiro, aniversário da cidade.
Este é o cenário que serve como pano de fundo para as eleições municipais de 2012 na cidade de São Paulo. Uma sequência de governos personalistas e messiânicos não produziu um plano de futuro para São Paulo, diretrizes que tracem um rumo de qualidade de vida e não de aprofundamento das desigualdades.
As opções postas para esta eleição mantêm as características do “eu resolvo” e as injunções políticas são as mais esdrúxulas possíveis, com inimigos declarados de décadas em pose de “melhores amigos”, antagonismos sem nexo de modelos muito parecidos de governar e soluções na linha do “prendo e arrebento”, no melhor estilo militarista do século passado.
Uma forma de arrancar a cidade dessa caminhada rumo a mais quatro anos de abandono é fortalecer a Câmara Municipal. Mas isso não vai acontecer se elegermos novos cacarecos. Não importa quem vencerá a eleição majoritária, São Paulo precisa de vereadores bem preparados e comprometidos com o desenvolvimento sustentável da cidade.
A própria Câmara Municipal deveria ter como meta recuperar a credibilidade diante da população, dando transparência a seu trabalho e propondo mais do que mudar nomes de ruas.
Dal Marcondes
Mais uma vez a cidade que movimenta o terceiro orçamento do País chega às urnas sem convicção de que modelo de desenvolvimento deseja. A polarização entre situação e oposição chegou a um ponto em que a maioria dos eleitores parece ter abandonado a vontade de avaliar propostas e pensar em como São Paulo pode vir a ser uma cidade mais humana, acolhedora, menos fechada em grades e muros, com mobilidade tranquila e serviços públicos de qualidade.
A escolha do próximo prefeito parece que vai seguir uma rota menos elaborada, menos propensa a reflexões, mais focada em um personalismo inconsistente, com discursos e propostas que cabem em 140 caracteres. Faz muitos anos que a cidade caminha através de sua própria institucionalidade, sem a liderança de um projeto de desenvolvimento, sem a normativa de um plano diretor, ou sem a qualidade de uma gestão menos focada em seu próprio umbigo.
As ideias de um prefeito de São Paulo não deveriam ser simplistas a ponto de caber em posts de redes sociais e uns parcos minutos de tevê. A capital paulista é uma cidade complexa, com demandas proporcionais à sua grandeza metropolitana e soluções que envolvem uma enorme multiplicidade de saberes. Mas estas coisas não estão em jogo no diálogo (ou seria monólogo) com os eleitores.
Os esquetes mostrados na tevê e as falas dos candidatos a vereador mostram uma realidade que já deveria ter sido esquecida em um tempo em que os eleitores elegiam “Cacareco”, um hipopótamo do zoológico paulistano que foi o candidato a vereador mais votado em seu tempo. O messianismo ou a crítica escarrada ao cenário político destoa com a firmeza com que a cidade enfrentou momentos críticos da história política, como a Revolução Constitucionalista, que exigia do governo federal uma Constituição e eleições livres, ou durante os 27 anos de regime militar, que entre outras manifestações teve de enfrentar mais de um milhão de paulistanos e brasileiros em comícios que exigiram eleições diretas no Brasil.
São Paulo é um dos importantes centros da mídia brasileira, discute o país, mas é incapaz de olhar para seus bairros, para sua periferia e para seu centro, abandonado a ruínas, tráficos de toda espécie, contrabandos e escravidão em oficinas clandestinas que produzem a felicidade de sacoleiros de todo o país.
Uma cidade não pode simplesmente ser um repositório de fracassos e contentar-se em ser apenas isso. Pesquisa realizada em parceria entre a Rede Nossa São Paulo e o IBOPE, no início de 2012, apontou que 56% dos moradores de São Paulo abandonariam a cidade e iriam viver em outro lugar se pudessem. Ou seja, mais da metade das pessoas que moram em São Paulo já estariam longe se pudessem. No quesito qualidade de vida a cidade teve média de 4,9 em uma escala que vai de zero a dez. A cidade mais rica do país não consegue transformar dinheiro em qualidade de vida.
Algumas notas que os paulistanos deram à cidade:
Honestidade e Participação Política – 3,5
Transporte público e mobilidade – 4,3
Segurança – 4,4
Habitação – 4,5
Educação – 5,0
Saúde – 5,1
Nenhuma nota conseguiu ultrapassar a metade da escala, mas o que os paulistanos pensam de seus políticos é ainda pior. Apenas 17% acreditam que o desempenho da Prefeitura é ótimo ou bom, enquanto só 11% diz que a Câmara dos Vereadores tem um desempenho ótimo ou bom. Essa pesquisa foi divulgada pouco antes de 25 de janeiro, aniversário da cidade.
Este é o cenário que serve como pano de fundo para as eleições municipais de 2012 na cidade de São Paulo. Uma sequência de governos personalistas e messiânicos não produziu um plano de futuro para São Paulo, diretrizes que tracem um rumo de qualidade de vida e não de aprofundamento das desigualdades.
As opções postas para esta eleição mantêm as características do “eu resolvo” e as injunções políticas são as mais esdrúxulas possíveis, com inimigos declarados de décadas em pose de “melhores amigos”, antagonismos sem nexo de modelos muito parecidos de governar e soluções na linha do “prendo e arrebento”, no melhor estilo militarista do século passado.
Uma forma de arrancar a cidade dessa caminhada rumo a mais quatro anos de abandono é fortalecer a Câmara Municipal. Mas isso não vai acontecer se elegermos novos cacarecos. Não importa quem vencerá a eleição majoritária, São Paulo precisa de vereadores bem preparados e comprometidos com o desenvolvimento sustentável da cidade.
A própria Câmara Municipal deveria ter como meta recuperar a credibilidade diante da população, dando transparência a seu trabalho e propondo mais do que mudar nomes de ruas.
Dal Marcondes
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