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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

STF Ao Vivo: Julgamento do Mensalão






Brasília, STF Ao Vivo:


Acompanhe no Abra a Boca, Cidadão! o Julgamento do Mensalão, com imagens da TV Justiça, na parte inferior da página.


Proposta de desmembramento do processo feita pelo advogado de defesa Márcio Thomaz Bastos é derrotada por 9 a 2, no final da tarde, antes do intervalo às 18:05 h.


Diante do Supremo, cidadãos aproveitam para se manifestar e mandar recados ao Judiciário:


                    Dentista Francisco Lima, 52 anos, fixa faixa em frente ao STF reclamando 
                    do que chama de "abusos do Judiciário"  G1/Globo News



Encerrada a sessão às 19:35 h.


Amanhã haverá sessão extraordinária, com a palavra do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel.

É hoje: o Supremo Espetáculo do Julgamento do Século


"O foro privilegiado, que permite a um deputado, promotor ou juiz, se ver julgado por juízes especiais, é um atentado ao princípio da isonomia. Mais um sintoma da síndrome dos desiguais – como a prisão especial para diplomados ou a imunidade dos parlamentares. Tinha sentido na pré-história do direito, quando as diferenças entre nobres e plebeus, doutores e operários, vinha cravada na lei. Não em nossa época, em que a igualdade é promessa explícita da Constituição."



Fazer do mensalão processo político 
é grande erro judiciário

Marcelo Semer, juiz de direito

A grande imprensa está se deliciando com o espetáculo. A política partidária promete converter espectadores em membros de torcida organizada.

Até o ex-presidente Fernando Henrique deu o seu pitaco jurídico e disse que o STF deve ouvir a “opinião pública”, enquanto a corregedora Eliana Calmon, para não perder o hábito, advertiu os ministros que eles também seriam "julgados" por sua decisão.

Tudo está pronto na Corte, dizem os jornais. Mas há um grande perigo nessa empolgação: transformar o processo criminal em julgamento político é um enorme erro judiciário.

O julgamento político tem seus próprios campos: das comissões de inquérito às de ética, das demissões de ministros às cassações de mandatos.

No julgamento criminal, no entanto, não há espaço algum para se decidir “do jeito que a opinião pública espera”. Seja lá qual for a opinião que se diz pública.

Qualquer juiz que se atreva a julgar um réu, preocupado com o que outros podem estar pensando dele, abre mão do seu dever constitucional.

Todos os juízes se deparam, mais hora, menos hora, com um processo de réus conhecidos ou de crimes famosos. São processos trabalhosos, em geral difíceis e cansativos. Às vezes, até ingratos.

Mas são processos criminais que devem ser julgados como todos os demais: analisando os documentos e as perícias, ouvindo as testemunhas e os réus, confrontando alegações e estudando as doutrinas. Sobretudo, com base na lei e nos princípios da Constituição.

Jamais pensando: se eu decidir desta forma, o que é que vão achar de mim?

A independência judicial é um atributo do estado de direito. Não se restringe a impedir a pressão de outros poderes sobre o magistrado – juiz que atende “opinião pública” em processo criminal pode até decidir. Mas não julga.

Por isso, costuma-se dizer que a jurisdição penal é contramajoritária – não navega nas pesquisas ou preferências de eleitores. Não joga para a plateia, enfim.

Quem pensa o contrário não desconhece apenas a jurisdição. Desconhece também a democracia.

Condenar ou absolver alguém para atender a outros interesses ou vontades, por maiores que sejam, é simplesmente trair a jurisdição. Prevaricar.

A igualdade das partes também não é suficientemente compreendida pela imprensa, que não raro escolhe, sem hesitar, os papéis do bem e do mal em um tribunal.

Um parecer do Ministério Público recebe lastro oficial e se presta a virar manchete; mas arguições da defesa são reputadas apenas como manobras.

Em um processo criminal, no entanto, não há patamares entre as partes: promotor e advogados devem sempre estar no mesmo plano.

E os juízes não são responsáveis por “combater a impunidade” – mas julgar o conflito que se estabelece toda vez que alguém é acusado de um delito. Se os magistrados entrarem na “luta”, quem a estará mediando?

Há outro aspecto quase esquecido neste espetáculo de julgamento que se prenuncia.

Não fosse a arcaica e aristocrática previsão do foro privilegiado (que na verdade só atinge a um ou outro deputado, entre tantos réus), um julgamento como esse jamais estaria tomando a pauta de quase um mês do STF, no lugar de centenas de processos de repercussão que aguardam a decisão dos ministros.

O Supremo não é e nem pode se transformar em uma vara criminal.

Para que este julgamento pudesse acontecer, inúmeros juízes fizeram audiências pelo país afora, sem contar as dezenas de outros que deixaram de tocar os seus próprios processos para auxiliar ministros na produção dos votos.

Onde estará o CNJ para dar conta do atraso que isso provoca?

O foro privilegiado, que permite a um deputado, promotor ou juiz, se ver julgado por juízes especiais, é um atentado ao princípio da isonomia. Mais um sintoma da síndrome dos desiguais – como a prisão especial para diplomados ou a imunidade dos parlamentares.

Tinha sentido na pré-história do direito, quando as diferenças entre nobres e plebeus, doutores e operários, vinha cravada na lei. Não em nossa época em que a igualdade é promessa explícita da Constituição.

Quem sabe se ultrapassada essa página da história criminal, sossegados os ânimos políticos, os parlamentares não se animem em restaurar um mínimo de igualdade.

Nem que seja por um motivo didático, especialmente importante quando o assunto é moralidade: mostrar que todos, inclusive os membros do poder, se submetem às mesmas regras, às mesmas sanções e aos mesmos juízes que os homens do povo.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Caso Cachoeira: advogado abandona cliente na pior hora



Assim como há juízes e juízes, há advogados e advogados. Joio e trigo. O que pensar de um advogado (ou advogada) que abandona o cliente na hora mais difícil? E o pior: se recusa a devolver o dinheiro recebido...


Guardadas as devidas proporções, esta Blogueira já viu esse "filme"...


Na Bíblia diz-se que "Tudo é vaidade". Humildemente esta cidadã acrescenta: Tudo é Vaidade. E Interesses. Em alguns casos, inconfessáveis...



De Cachoeira a Corleone: deixamos MTB partir?




EX-MINISTRO DA JUSTIÇA LEVOU R$ 5 MILHÕES E SUA VARA MÁGICA 
EM FAVOR DO MAFIOSO NÃO FUNCIONOU; NA PIOR HORA PARA O CLIENTE, 
O ADVOGADO O ABANDONA; DECISÃO DE THOMAZ BASTOS FOI TEMERÁRIA 
NÃO SÓ POR TRANSFORMAR CACHOEIRA NUM PÁRIA JURÍDICO, 
MAS TAMBÉM PELO SINAL QUE TRANSMITE A OUTROS CLIENTES

247 – A charge da primeira página do jornal O Globo desta quarta-feira 1, assinada por Chico Caruso, é simplesmente fantástica. Carlos Cachoeira pergunta a Don Vito Corleone, o “Poderoso Chefão”, interpretado por Marlon Brando na trilogia de Francis Ford Coppola, se devem deixar Marcio Thomaz Bastos, que sai da cena com uma mala (de dinheiro?) nas mãos.

Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça que aceitou defender um notório contraventor, tomou uma decisão temerária. Abandonou o cliente na pior hora. Ofereceu seus serviços por R$ 15 milhões – o que, em tese, é preço de influência, e não de advocacia – e perdeu todos os habeas corpus que impetrou. No primeiro pretexto para sair, a ação tresloucada de Andressa Mendonça, que tentou chantagear um juiz ameaçando-o com a publicação de um dossiê na revista Veja, ele pulou fora antes mesmo de averiguar o que há de verdade ou mentira na história. Ou seja: transformou seu cliente num pária jurídico.

Ao abandonar Cachoeira, Thomaz Bastos praticamente sacramentou sua condenação. Sinalizou para sociedade que o bicheiro de Anápolis é uma figura tão reles e tão vil, que não merece seus serviços. No entanto, em momento algum, falou em ressarci-lo pelos R$ 5 milhões pagos até agora – a primeira parcela de um pagamento acordado R$ 15 milhões.

Para pagar os honorários de Thomaz Bastos – mais próximos da influência, do que da advocacia, repita-se – Cachoeira decidiu vender um de seus principais negócios limpos: o ICF, Instituto de Certificação de Fármacos, em Anápolis, que aprova medicamentos genéricos e era uma máquina de dinheiro. A participação do bicheiro, preso há cinco meses, foi comprada pelos sócios dos laboratórios União Química e Teuto.

Abandonado pelo advogado que até ontem falava do “desafio” de enfrentar o Estado, Cachoeira terá enormes dificuldades para sair da cadeia. Mas, mesmo preso, ele terá oportunidades de falar. No dia 8, por exemplo, estará na CPI criada pela Assembleia Legislativa de Goiás. Também em agosto, voltará a ser chamado pela CPMI da Operação Monte Carlo, no Congresso.

Era Thomaz Bastos quem vinha recomendando seu silêncio. Agora, mesmo preso, Cachoeira está livre. Até para dizer qual era sua expectativa ao contratar o ex-ministro da Justiça que vendeu seus serviços ao contraventor e o abandonou quando se deu conta de que não tinha força suficiente para resolver os problemas do cliente. Será esse o comportamento com outros clientes da banca mais cara do País?


Destaques do ABC!

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terça-feira, 31 de julho de 2012

Caso Cachoeira: Advogado do Diabo abandona o cliente



Há algo de muito podre no "Reino da Dinamarca"...



Só agora ele descobriu que Cachoeira é Cachoeira?





EX-MINISTRO FEZ PROFISSÃO DE FÉ PELO SEU DIREITO DE DEFENDER 
CONTRAVENTOR; ALEGOU QUE SE SENTIA DESAFIADO A ENFRENTAR 
O ESTADO; E QUE NÃO TINHA QUALQUER IMPEDIMENTO ÉTICO, 
MORAL E ATÉ PSICOLÓGICO; MAS NO MOMENTO MAIS CRÍTICO DO CASO, 
PEDE O BONÉ E VAI PARA CASA AVISANDO 
QUE NÃO DEVOLVERÁ HONORÁRIOS JÁ PAGOS

247 – Para efeito de comparação, seria o mesmo que um ex-titular do Departamento de Justiça dos Estados Unidos advogar para Al Capone. Ou um ex-ministro da Justiça da Itália defender o chefe da Cosa Nostra Tomaso Buschetta. Estas associações seriam inconcebíveis naqueles países, e jamais ocorreram, mas no Brasil não apenas aconteceu, como ainda o ex-ministro recebeu um alto honorário para defender o equivalente verde-amarelo aos mafiosos internacionais. Foi assim entre Márcio Thomaz Bastos, titular de 2003 a 2007 do Ministério da Justiça do Brasil, e o contraventor Carlinhos Cachoeira, apontado como um dos maiores chefes do crime organizado no Brasil, com ramificações no jogo ilegal, no superfaturamento de obras públicas e na utilização da máquina do Estado para interesses pessoais, com ramificações em diferentes unidades da federação.

"Nada me proíbe, nesta altura da vida – como nunca antes, à exceçao do tempo do serviço público – de assumir a defesa de alguém com quem não me sinto impedido, legal, moral ou psicologicamente, cobrando ou não honorários", procurou justificar o ex-ministro, diante das inúmeras críticas e incompreensões à sua aceitação de defender Cachoeira, em artido publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 29 de maio (leia íntegra abaixo).

Ok, Thomaz Bastos desfiou seus argumentos, sentou-se ao lado de Cachoeira na sessão da CPI em que o orientou a boicotar as investigações e manter-se calado e, ainda, impetrou uma série de habeas corpus em favor de seu cliente – nenhum deles com sucesso. A chegar a seu quinto mês de prisão, deprimido e cada vez mais acuado, porém, Cachoeira que tinha no ex-ministro um advogado que considerava "fascinante enfrentar o Estado", como registrou em seu artigo, ficou sozinho. Sob a alegação de que seu contrato só iria até a primeira audiência em juízo, uma porta-voz da banca de Thomaz Bastos, sem dúvida uma das mais rentáveis do País, informou secamente, nesta terça-feira 31, que ele estava deixando o caso.

Este momento é aquele em que Cachoeira mais precisa de um advogado. A Thomaz Bastos, na confidencialidade das conversas com o defensor, é de se acreditar que muitos argumentos contrários às acusações de que ele é alvo tenham sido desfiados. Por este contato, e por todo o noticiário de mídia, não havia como o ex-ministro da Justiça não saber exatamente, e nos mínimos detalhes, com quem estava lidando. Cachoeira tornou-se famoso não apenas pela exploração de jogos ilegais, mas igualmente por fabricar dossiês, espionar, gravar, imiscuir-se na imprensa, traficar influência no Estado, corromper e dissimular. À volta de sua figura, no tempo em que está na cadeia, duas mortes ligadas ao caso já ocorreram – em Brasília, num cemitério, e nos arredores de Goiânia. Enquanto assumiu a postura, ditada pelo advogado, do "nada a declarar", Cachoeira só se complicou e, agora, já deve estar informado que também sua mulher Andressa Mendonça se enredou nas garras da Justiça ao, segundo o juiz federal Alderico Rocha, tentar chantageá-lo com um dossiê supostamente encomendado pelo marido ao jornalista Policarpo Jr.. Esse material seria publicado nas páginas da revista Veja, com quem Cachoeira tem longo histórico como informante de Policarpo, caso o magistrado não concedesse um alvará de soltura a Cachoeira.

É praticamente impossível, para quem acompanha o caso, acreditar na versão dada pelo escritório de Thomaz Bastos, segundo a qual o acordo entre ele e Cachoeira só teria vigência até a primeira audiência em juízo. Apenas para isso foram cobrados honorários de R$ 15 milhões, com a primeira parcela paga antes de qualquer gesto jurídico? Neste caso, Thomaz Bastos não seria mais o advogado mais caro do Brasil, mas sim o "muito mais caro". Causas desse tipo não custam tanto dinheiro junto a advogados famosos. Nesse mercado, os honorários poderiam ser, e ainda assim bem pagos, de cerca de 10 vezes menos. O custo de Thomaz Bastos está em seu passado de ex-ministro, de advogado brilhante, de sua influência nos meios jurídicos. O que Cachoeira comprou, o Dr. Márcio vendeu, mas resolveu agora não entregar. Existe mesmo ética em alguma das etapas desse processo?

Abaixo, o artigo de Márcio Thomas Bastos com sua defesa ao direito de defender Carlinhos Cachoeira, o cliente que hoje ele abandonou:

Advogado precisa de liberdade para defender liberdade

Márcio Thomaz Bastos

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo (29/5)

Em 1956, solicitador acadêmico — o equivalente então de estagiário —, comecei a advogar.

Exerci a atividade ininterruptamente, de forma intensa, conquanto modesta, até 2002. Parei em 2002 e assumi, extremamente honrado, o Ministério da Justiça, no governo Lula, onde fiquei por 50 meses.

Fiz uma quarentena, que não me era obrigatória, até final de 2007, quando voltei a me dedicar ao meu verdadeiro ofício, a prática legal. Ou seja, para terminar esta exposição cheia de datas, de 1956 a 2012 (56 anos) fui ministro por quatro anos. Os outros 52, devotei-os à advocacia.

Também servi à profissão como dirigente da OAB-SP e da OAB nacional. Na vida profissional, alguns momentos me orgulharam muito: as Diretas Já, a Constituinte, o julgamento dos assassinos de Chico Mendes, a fundação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e muitas centenas de defesas que assumi, tanto no júri como no juiz singular.

No Ministério da Justiça, a reestruturação da Polícia Federal, a construção do Sistema Penitenciário Federal, a reforma do Judiciário, a campanha do desarmamento, a reformulação da Secretaria de Direito Econômico, a implantação do Sistema Único de Segurança Pública, o pioneiro Programa de Transparência, a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol e a fundação da Força Nacional de Segurança Pública.

Foram duas fases bem distintas e demarcadas. Numa, o serviço público, trabalho balizado sob o signo de duas lealdades que nunca colidiram: às instituições e à Presidência.

Noutra (advocacia e OAB), primeiro a luta pelo estabelecimento de um Estado de Direito; depois, a prática profissional, que procurei marcar pelo respeito à ética, ao estatuto da OAB, às leis e, principalmente, à Constituição brasileira, entre cujos dogmas fundamentais estão assegurados o direito de ampla defesa, o devido processo legal, o contraditório, a licitude das provas, a presunção de inocência e, de forma geral, a proibição dos abusos.

Durante essa longa trajetória de advogado que vota no PT — não de petista que advoga —, tive muitas oportunidades de representar clientes vistos como inimigos figadais do partido. (Não cito nomes, para preservá-los.) Nenhum foi recusado por isso.

Desse modo, salvei minha independência como defensor, nunca a alienando a quem quer que fosse. A liberdade do advogado é condição necessária da defesa da liberdade.

Assim como representei centenas de clientes dos quais nunca recebi honorários, trabalhei para muitos que puderam pagar, alguns ricos, entre pessoas físicas e empresas.

Agora que aceitei representar, no campo criminal, o senhor Carlos Augusto Ramos, apelidado de Cachoeira, surgem comentários sobre a minha atuação, estritamente técnica.

Fora os costumeiros canibais da honra alheia — aos quais não dou atenção nem resposta —, pessoas que parecem bem intencionadas questionam se eu poderia (ou deveria) ter me incumbido dessa defesa, ou porque fui Ministro da Justiça, ou então porque sou ligado ao PT e ao ex-presidente Lula, ou, ainda, "porque não tenho necessidade de fazer isso".

A todas essas dúvidas, a resposta é negativa. Nada me proíbe, nesta altura da vida — como nunca antes, à exceção do tempo do serviço público — de assumir a defesa de alguém com quem não me sinto impedido, legal, moral ou psicologicamente, cobrando ou não honorários.

Entre tantos casos importantes em que venho trabalhando, dois chamaram muito a atenção pública: esse e o das cotas na UnB. No primeiro, estou recebendo honorários; no segundo, trabalhei pro honorem, ou seja, sem nenhuma remuneração.

Em matéria criminal, aumenta a responsabilidade do advogado, nos termos do nosso código de ética: "É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar a sua própria opinião sobre a culpa do acusado". Porque, como diz Rui Barbosa, indo nas raízes da questão:

"Quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais."

O fascinante da profissão é o seu desafio. Enfrentar o Estado — tão provido de armas, meios e modos de atingir o acusado — e ser, ao lado deste, a voz de seus direitos legais.

Há 12 anos, escrevi neste mesmo espaço um texto com o mesmo título: "Em defesa do direito de defesa". Não esperava ser convidado a escrever outro, sobre o mesmo tema, depois de tantos avanços institucionais que o Brasil viveu de lá pra cá.

Márcio Thomaz Bastos é advogado e foi ministro da Justiça (2003-2007).



Brasil 247


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Mulher de Cachoeira afronta Estado de Direito



"A ousadia da companheira de Carlinhos Cachoeira ao chantagear e ofertar vantagem ao juiz federal, somada às galhofas observadas durante a audiência, mostra o desprezo e a afronta de Carlos Augusto de Almeida Ramos e de pessoas ligadas ao capo do grupo criminoso aos órgãos de persecução e ao poder judiciário. A gravidade do fato é latente, uma vez que a chantagem a um magistrado, no exercício de suas atribuições, com o escopo de pressioná-lo a decidir conforme os interesses do preso, é uma afronta ao próprio Estado Democrático de Direito. É fato inadmissível e que deve ser neutralizado, de forma rigorosa, pelas agências formais de controle".
                                                                   Procuradores do MPF de Goiás


Juiz acusa: Veja fez dossiê para soltar Cachoeira

CHANTAGEM QUE MOTIVOU A PRISÃO DE ANDRESSA MENDONÇA SERIA 
DOSSIÊ PRODUZIDO PELO CHEFE DE VEJA EM BRASÍLIA, POLICARPO JÚNIOR, 
A PEDIDO DO BICHEIRO CARLOS CACHOEIRA; VEJA NEGA E ANUNCIA QUE TOMARÁ PROVIDÊNCIAS JUDICIAIS CONTRA O MAGISTRADO ALDERICO ROCHA SANTOS

247 – Esposa de Carlos Cachoeira, Andressa Mendonça, que foi detida hoje [ontem] pela Polícia Federal, em Goiânia, e solta no início da tarde, terá três dias para pagar uma fiança de R$ 100 mil. Caso contrário, sua prisão preventiva será decretada. O motivo é uma suposta tentativa de chantagem contra o juiz Alderico Rocha Santos, responsável pelo caso.

O objeto da chantagem, segundo relata o juiz, é surpreendente. Santos relatou ao portal G1 que o jornalista Policarpo Júnior, chefe da revista Veja em Brasília, produziu um dossiê a seu respeito, a pedido do bicheiro. E que este relatório seria publicado em Veja, caso Cachoeira não fosse libertado. Eis o que Andressa teria dito:

- “Doutor, tenho algo muito bom para o senhor. O senhor conhece Policarpo Júnior? O Carlos contratou o Policarpo para fazer um dossiê contra o senhor. Se o senhor soltar o Carlos, não vamos soltar o dossiê”.

Em nota, a revista Veja se posicionou contra a acusação “absurda” contra seu editor e disse que tomará providências judiciais contra seus caluniadores.

De todo modo, a parceria editorial entre Cachoeira e Policarpo vem de longa data e produziu várias reportagens. Há um grampo, por exemplo, em que ambos tratam da demissão do ministro Alfredo Nascimento, dos Transportes.



Brasil 247


"Andressa afrontou estado democrático"

QUEM AFIRMAM SÃO OS PROCURADORES LÉA BATISTA (ESQ.), MARCELO 
RIBEIRO E DANIEL DE RESENDE SALGADO, DO MPF-GO, SOBRE TENTATIVA 
DA COMPANHEIRA DE CARLOS CACHOEIRA DE CHANTAGEAR JUIZ; 
ELA É INVESTIGADA EM DOIS INQUÉRITOS QUE APURAM CRIMES DE 
LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO, INCLUSIVE ATIVA

Goiás 247 - Andressa Alves Mendonça, a atual companheira do contraventor Carlinhos Cachoeira, seria mensageira do grupo criminoso. É assim que o Ministério Público Federal em Goiás (MPF-GO) classifica o comportamento da musa da CPMI que pode ter interrompido o rápido estrelato que galgou seu nome entre os mais comentados do País. Ela foi conduzida de maneira coercitiva para a sede da Superintendência da Polícia Federal hoje de manhã [ontem], após cumpridos mandados de busca e apreensão em sua residência. De acordo com os documentos encaminhados pela Justiça Federal aos procuradores da República Léa Batista, Marcelo Ribeiro e Daniel de Resende Salgado (foto), ela teria chantageado o juiz federal Alderico Rocha, responsável pelo julgamento do caso.

"A ousadia da companheira de Carlinhos Cachoeira ao chantagear e ofertar vantagem ao juiz federal, somada às galhofas observadas durante a audiência, mostra o desprezo e a afronta de Carlos Augusto de Almeida Ramos e de pessoas ligadas ao capo do grupo criminoso aos órgãos de persecução e ao poder judiciário. A gravidade do fato é latente, uma vez que a chantagem a um magistrado, no exercício de suas atribuições, com o escopo de pressioná-lo a decidir conforme os interesses do preso, é uma afronta ao próprio Estado Democrático de Direito. É fato inadmissível e que deve ser neutralizado, de forma rigorosa, pelas agências formais de controle", asseveram os procuradores da República em reportagem publicada no site do órgão.

Inquéritos

Em coletiva concedida nesta segunda-feira, 30, pelos procuradores do caso, foi informado que Andressa Mendonça é investigada em dois inquéritos policiais. O primeiro apura o crime de lavagem de dinheiro e corrupção. A intenção da quadrilha era pôr no nome da companheira de Cachoeira a fazenda Santa Maria, no município goiano de Luziânia, adquirida pela organização criminosa e avaliada em R$ 22 milhões. A segunda investigação é por corrupção ativa. Pelos crimes, se condenada, ela pode pegar até 22 anos de prisão (pena máxima prevista para o primeiro caso é de 12 anos e para o segundo é de 10 anos).

Na ativa

Para o MPF, a investigação feita pelo grupo criminoso sobre a vida do juiz só vem a demonstrar que o grupo continua ativo, continuando a desenvolver ações de enfrentamento ao próprio Estado. "É mais um método utilizado por organizações criminosas para tentar garantir a impunidade de seus membros", esclarecem.

Medidas Cautelares

Diante dessa situação, o MPF protocolizou na última sexta-feira, em caráter sigiloso, pedido de busca e apreensão, além de medidas cautelares pessoais em face de Andressa Mendonça. O juiz plantonista deferiu o pedido dos procuradores da República e a Polícia Federal cumpriu, na manhã desta segunda-feira, as ordens judiciais.

Na quinta-feira passada, 26, um dia após a realização da audiência de instrução processual, Andressa Mendonça compareceu ao prédio da Justiça Federal em Goiânia e pediu para falar com o juiz Alderico Rocha. Após muito insistir, ela foi recebida no gabinete do magistrado. Na ocasião, além de chantagear o juiz, ofereceu-lhe vantagem visando a obter a revogação da prisão preventiva e a absolvição de Carlinhos Cachoeira.

Contra Andressa Mendonça foi expedido mandado de condução coercitiva, fixada fiança no valor de R$ 100 mil, proibição de acesso e frequência na justiça federal em Goiás, com o escopo de evitar risco de prática de novas infrações (artigo 319, II, do CPP); proibição de manter contatos com Lenine Araújo de Souza, José Olimpio de Queiroga Neto, Raimundo Washigton de Souza Queiroga, Giovani Pereira da Silva, Idalberto Matias de Araújo, Gleyb Ferreira da Cruz e Wladimir Garcez Henrique (nos termos do artigo 319, III, do Código de Processo Penal) e proibição de contatos com o juiz federal Alderico Rocha Santos.

Andressa Mendonça também está proibida de visitar Carlinhos Cachoeira na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, além de ter qualquer outro tipo de contato, seja por mensagens escritas ou de quaisquer espécies. Em caso de descumprimento, poderá ser decretada a sua prisão preventiva. Além dessas medidas cautelares pessoais, foram cumpridos ainda mandados de busca e apreensão na residência de Andressa Mendonça.



Brasil 247

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segunda-feira, 30 de julho de 2012

"Judiciário não cumpre seu papel", diz juíza


Há juízes e juízes. Há que separar joio e trigo. Felizmente, nem tudo é iniquidade no Judicário brasileiro e ainda há magistrados dos quais podemos sentir orgulho. A doutora Kenarik Boujikian Felippe, cuja entrevista publicamos aqui, é daTurma do Bem, da Banda Boa, magistrada combativa, exemplo de dignidade.

Acho que o Judiciário não cumpre seu papel. Há um buraco no acesso à Justiça, ela não resolve. E a reforma avançou muito pouco nesse sentido. O Judiciário é um poder que não pertence aos juízes. Eu estou aqui a mando do povo soberano. Temos que defender, acima de tudo e de acordo com os fundamentos da nossa Constituição, a dignidade da pessoa humana.

Os juízes precisam saber quais são as normas existentes em direitos humanos, inclusive tratados internacionais, para cumprir o seu principal papel que é o de garantidor da dignidade humana.



O Judiciário é um poder que não pertence aos juízes

Para a juíza Kenarik Boujikian Felippe, da 16º Vara Criminal de São Paulo, a lei deve ser interpretada de acordo com os direitos do povo e os fundamentos da dignidade humana

Há 90 anos, os armênios foram vítimas do primeiro genocídio do século 20. Dos aproximadamente 2 milhões de armênios, 1,5 milhão foram vítimas do massacre promovido pelo Império Turco-Otomano contra a independência daquele povo. Dentre os milhões de mortos estavam os bisavós da juíza e ex-procuradora do Estado Kenarik Boujikian Felippe, magistrada conhecida por sua atuação, muitas vezes considerada polêmica, em defesa dos direitos humanos. Recebeu em 2002 – Ano da Paz – o 19º Prêmio Franz de Castro Holzwarth de Direitos Humanos, da OAB/SP, considerada a maior premiação do Estado de São Paulo nessa área de atuação.



Nascida na Síria, Kenarik veio para o Brasil aos 3 anos, estudou em colégio salesiano – onde iniciou seu trabalho com crianças carentes –, formou-se em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1984, quando atuou como voluntária no Carandiru. Atuou na PAJ durante nove meses, em 1988.

Casada com o ex-procurador-geral do Estado Marcio Sotelo Felippe e mãe de três filhos – um menino de 14 anos e duas meninas, uma de 12 e outra de 8 anos de idade –, Kenarik acredita que todos esses fatos somados resultaram no seu maior pleito: a luta em favor da dignidade humana. A prisão é considerada por ela um recurso extremo, um lugar para onde ninguém deveria ir.

Mas, se for o caso... A juíza foi responsável, em fevereiro passado, pela sentença que mandou para a cadeia, por 12 anos e seis meses, dez policiais militares acusados de tortura contra um casal suspeito de tráfico de drogas na zona Sul paulistana. O homem foi assassinado na prisão, após ter suas sobrancelhas raspadas pelos policiais – sinal usado para marcar estupradores, que têm fim conhecido nas cadeias brasileiras. A mulher foi violentamente agredida e sofreu ameaças de violência sexual.

O caso foi parar nas manchetes dos principais jornais do país por condenar, de uma única vez, o maior número de PMs no Estado de São Paulo. Também impressiona pela conduta exemplar: entre os anos 2000 e 2004, o Estado apurou 58 processos por tortura; houve somente cinco condenações. "Essa é uma ilegalidade consentida, os operadores do Direito fingem, fazem de conta que não é real. O Estado, por sua vez, não se aparelhou para enfrentar a tortura e há uma cultura de admissibilidade em relação a ela", afirma Kenarik.

Não por acaso, em sua sala no Fórum Criminal de São Paulo, figuram belíssimas imagens do destemido Dom Quixote – cuja história completa 400 anos em 2005. Lutando contra reais e perigosos moinhos de vento ou contra injustiças como as que abateram seus antepassados há quase um século, Kenarik não sente medo. Acredita que o sono da razão é que produz os piores monstros, como mostra a figura de Goya que decora o gabinete da única juíza titular de vara criminal central da Capital.

O Procurador – Como é ser mulher e juíza no Brasil?

Kenarik Boujikian Felippe – Só a partir da década de 80 as mulheres foram aceitas na magistratura de São Paulo. Ingressei na carreira em 1989, após minha gestação na PAJ – brinco assim porque fiquei exatos nove meses na Procuradoria. A primeira cidade em que atuei como juíza foi Piracicaba e as pessoas me viam com curiosidade. Tinha gente que aparecia na minha porta, eu perguntava se queriam despachar e elas respondiam que não, que estavam ali só para olhar.

O Procurador – A senhora participou de uma missão na Bolívia sobre a questão da violação dos direitos humanos. Como foi essa experiência

Kenarik – Foi um soco no estômago, uma lição de América Latina. É impressionante como, apesar de todas as dificuldades, mantêm sua cultura, sua identidade. Constatei que a criminalização dos movimentos sociais não acontece só no Brasil. Essa missão resultou num relatório entregue ao relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Leandro Despuy, que ressaltou a importância da atuação das defensorias públicas no sistema de Justiça.

O Procurador – Como a senhora encara a Justiça no Brasil? A reforma do Judiciário foi um avanço?

Kenarik – Acho que o Judiciário não cumpre seu papel. Há um buraco no acesso à Justiça, ela não resolve. E a reforma avançou muito pouco nesse sentido. O Judiciário é um poder que não pertence aos juízes. Eu estou aqui a mando do povo soberano. Temos que defender, acima de tudo e de acordo com os fundamentos da nossa Constituição, a dignidade da pessoa humana.

O Procurador – Além de uma atuação diferenciada como magistrada, a senhora participa de outras organizações em defesa dos direitos humanos.

Kenarik – Sim, fui co-fundadora e presidente da Associação dos Juízes pela Democracia. Tivemos grandes atuações, mas não faço parte do atual Conselho. Também participo do Grupo de Estudo e Trabalho Mulheres Encarceradas. Graças à atuação desse grupo, há dois anos as mulheres conquistaram o direito a visitas íntimas. Isso é uma demonstração de como o perfil de exclusão da mulher presa é muito maior, pois os homens faziam uso desse direito há mais de duas décadas. Em 2004 – cerca de 100 entidades assinaram um projeto, a Apesp inclusive – para que fosse levado em consideração o diferencial de perfil das mulheres presas, quando da concessão do indulto de Natal. O projeto foi vitorioso e isso também é uma forma de fazer justiça. Mais da metade das mulheres presas costumam gastar sua remuneração com a família, 87% são responsáveis pela guarda dos filhos: são diferenças que precisam ser levadas em conta na elaboração de políticas públicas criminais.

O Procurador – Como a senhora concilia tantas atividades, além de ser mãe de três filhos?

Kenarik – É preciso ser feliz e se não fizer essas coisas todas, não dá para ser feliz. Então, tenho que fazer. Um juiz tem que estar atento à realidade que o cerca. Se me fechar no meu gabinete, não vejo o mundo. Quanto aos meus filhos, não fazem parte das minhas atribuições, mas dos meus prazeres. Temos a rotina de todas as famílias e também as nossas diversões, como assistir a filmes em família, todos juntos na cama comendo pipoca. São coisas deliciosas, que me fazem muito bem. Gostamos de ir à praia, sair para conversar com amigos, ir ao cinema. Tudo tem seu tempo.




Na sala da juíza Kenarik, cuidados com detalhes que revelam
o desejo por um mundo melhor


O Procurador – E sua fama de polêmica? A imprensa usa esse termo quando se refere a algumas de suas sentenças.

Kenarik – Acho que a cobertura da imprensa em geral, em relação aos crimes, é unilateral e punitiva. Por exemplo, os debates sobre pena de morte, redução da idade penal, não passam de discursos que não vão resolver a questão da criminalidade. Além disso, são cláusulas pétreas da nossa Constituição, não podem ser alteradas. O mesmo serve para a questão dos crimes hediondos: a lei foi apresentada como fator de redução da criminalidade, mas todos sabemos que nenhuma norma tem este poder. O que resolve são políticas públicas, sociais. E a atuação da imprensa seria importante para alterar um certo quadro de preconceitos, que ela só reforça. Por isso, faço parte do conselho editorial do jornal Brasil de Fato, acho fundamental criar espaço para uma imprensa que possa ser alternativa ao que temos, uma imprensa que contribua para o processo de democratização dos direitos no país.

O Procurador – Sua mais recente "polêmica" refere-se à condenação de dez policiais militares por crime de tortura. Também enfrentou a opinião pública quando julgou os sequestradores do publicitário Washington Olivetto por crime de motivação política. A senhora não teme represálias?

Kenarik – Acho que é uma questão de coerência. Não me importa quem seja a vítima ou o réu. No crime, me interessa o fato e a pessoa. Além disso, nunca fui ameaçada, nunca sofri nenhum gesto nesse sentido. Deve ser a minha cara de brava (risos). A polêmica está relacionada ao fato de que a tortura é uma ilegalidade consentida no país, há uma cultura de admissibilidade em torno dela. As pessoas não acreditam em punição e têm medo de denunciar. O Estado, por sua vez, não está aparelhado para enfrentar a tortura. Se toda delegacia tivesse um defensor público atuante, talvez isso não acontecesse. A tortura é dirigida geralmente ao preso pobre, que não tem voz.

O Procurador – Sob seu ponto de vista, qual é a maior das injustiças?

Kenarik – A fome. É assustador pensar que uma criança morre de fome a cada segundo e que são pelo menos 5 milhões de crianças no ano. O Brasil precisa enfrentar este flagelo e reduzir o número de pessoas famintas. Não é de hoje que a FAO diz que não basta cuidar da consequência, mas tratar da causa e uma das vias que aponta para o combate inclui uma intervenção para melhorar a renda e a disponibilidade de alimentos. O problema do Brasil, como disse em algum tempo o presidente, não é de seca, mas de cerca. Somente se o governo fizer uma reforma agrária massiva, poderemos alterar este quadro tenebroso que atinge todas as regiões do país. O que se gasta com a fome é infinitamente superior ao necessário para combatê-la. Para onde vai esse dinheiro? A quem interessa? O superávit primário do Brasil em 2003 foi de cerca de 66 bilhões de reais; a dívida externa brasileira daria para assentar quase 10 milhões de famílias e investir dez vezes mais em educação; 650 latifundiários nordestinos possuem uma dívida de 11 bilhões com o Banco do Nordeste. Como se vê é um caso de prioridade, de vontade política. Como dizia Betinho: não queremos um país onde não é ético viver, onde não se pode gozar plenamente a condição humana. Com a miséria, a democracia é uma farsa.

O Procurador – Qual a próxima batalha pela frente?

Kenarik – A capacitação dos operadores do Direito em relação aos direitos humanos: essa deveria ser matéria obrigatória nos concursos de ingresso para a carreira da Magistratura e de todos os operadores do Direito, assim como já foi em concurso de ingresso da Procuradoria do Estado de São Paulo. Os juízes precisam saber quais são as normas existentes em direitos humanos, inclusive tratados internacionais, para cumprir o seu principal papel que é o de garantidor da dignidade humana.

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domingo, 29 de julho de 2012

A Mistificação da Grande Mídia


Marcio Sotelo Felippe*

Ontem a Carta Capital publicou uma matéria bombástica.

Tratou do chamado “mensalão mineiro”. Consta que Gilmar Mendes (entre outros próceres da República) teria recebido alguns milhares de reais em 1998 em um esquema mais uma vez organizado por Marcos Valério.

Há indícios razoáveis para uma investigação.

O problema é que Gilmar Mendes vai julgar o “mensalão”, que envolve o mesmíssimo Marcos Valério. Neste momento a situação ultrapassa perigosamente os limites do surrealismo, ou, talvez, do realismo fantástico que a literatura latino-americana criou para falar adequadamente deste continente insano do hemisfério sul.

O que causa, no entanto, a mais profunda repulsa (ou asco, ou nojo) é o comportamento da assim chamada “grande imprensa”, que cada vez mais faz jus à alcunha PIG. A Folha de São Paulo ignora a matéria da Carta Capital. Sua manchete de hoje, sábado, 28 de julho, porém, explora de forma sensacionalista uma peça processual do procurador-geral da República encartada no processo do “mensalão”: “Mensalão foi o mais atrevido ‘esquema’, afirma Procurador”. Mas não informa que um dos ministros que irá julgar o caso pode ter recebido dinheiro ilicitamente do réu que vai julgar, Marcos Valério, o que circulava na internet desde a noite de quinta-feira.

Inacreditável. A grande imprensa está fazendo do Brasil uma pálida cópia do que Alice encontrou no País das Maravilhas.

Reparem que quando o PIG se refere aos blogs progressistas, hoje praticamente a única fonte de informação isenta e honesta de que dispõe a sociedade, invariavelmente usa a expressão “militantes”, ou “militantes petistas” das redes sociais. Nunca são veículos legítimos de expressão, nunca são parte da imprensa. São desprezíveis “militantes”. Claro que as famílias Genovese, Bonanno, Gambino, Lucchese e Colombo, etc. (ops, Civita, Marinho, Frias, etc.) não têm qualquer interesse político-partidário. Só os outros é que são “militantes”. Eles não são militantes de coisa alguma, embora até as pedras das ruas saibam quais partidos e candidatos eles apoiam e saibam que usam seus veículos despudoradamente para tentar elegê-los.

O partido notoriamente beneficiado pela grande imprensa acaba de entrar com uma representação contra os blogs de Nassif e Paulo Henrique Amorim. A tese é que tais blogs recebem patrocínios de verbas públicas para apoiar o governo. Eu, como cidadão, quero então saber qual o volume do dinheiro que a grande imprensa recebe dos orçamentos públicos para desinformar a sociedade, defender seus interesses empresariais e apoiar partidos e candidatos.

Chamar esses senhores da grande imprensa de militantes é uma demasia. São militontos. Imaginam que nada disso terá consequências, que não está ficando cada vez mais nítido para a parte lúcida da sociedade o papel ignóbil que eles desempenham e que, afinal de contas, vai ficar por isso mesmo.

Sempre chega o dia do acerto de contas. Quem deve para o diabo sempre paga. Esse pacto nunca foi um bom negócio.

* Marcio Sotelo Felippe é jurista, ex-Procurador Geral do estado de São Paulo (1995-2000), autor do livro Razão Jurídica e Dignidade Humana, publicado pela editora Max Limonad.

A rês pública

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