247 – “É um fato histórico tão importante quanto a eleição do Lula”, diz o advogado Humberto Adami, do Instituto de Advocacia Racial. “As crianças negras vão ter um espelho ao ver no jornal a foto de um negro que é presidente da mais alta corte e vem dando exemplos seguidos de combate à corrupção”. No Dia da Consciência Negra, e a 48 horas da posse de Joaquim Barbosa como presidente do Supremo Tribunal Federal, os afrodescendentes têm, no Brasil, um exemplo de superação. Ao olhar para Joaquim Barbosa, no comando de um dos três poderes da República, poderão sentir o que os norte-americanos experimentaram ao eleger Barack Obama pela primeira vez, em 2008, e reelegê-lo agora: “yes, we can”, ou “sim, nós podemos”.
Festejado na data que marca a morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695, o Dia da Consciência Negra celebra o personagem que resistiu à escravidão e que guarda paralelos com Joaquim Barbosa. “Não sou de abaixar a crista em hipótese alguma”, disse ele, numa entrevista recente, em que falou sobre racismo. Segundo o ministro, a mídia brasileira, que hoje o cultua, em razão de seu papel na Ação Penal 470, é “racista e conservadora”. “A imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora. O empresariado, idem. Todas as engrenagens de comando no Brasil estão nas mãos de pessoas brancas e conservadoras", afirmou. “O racismo parte da premissa de que alguém é superior. O negro é sempre inferior. E dessa pessoa não se admite sequer que ela abra a boca. 'Ele é maluco, é um briguento' ", disse Barbosa, afirmando que o racismo apareceu em sua "infância, adolescência, na maturidade e aparece agora".
Nos últimos meses, Barbosa tem, de fato, sido alvo de vários ataques de conotação racista. É chamado frequentemente de “capitão do mato”, como se fosse um dos negros usados por senhores de engenho para caçar escravos fugitivos. Parte da esquerda o enxerga como um traidor por ter supostamente se curvado à pressão da mídia conservadora – e também racista – condenando, sem provas (na visão dos críticos), lideranças do Partido dos Trabalhadores, que teriam sido responsáveis por um projeto de inclusão social no Brasil. Por essa lógica, Joaquim Barbosa, cantado em prosa e verso pela revista Veja como “O menino pobre que mudou o Brasil”, em breve será descartado pelas elites às quais supostamente se curvou, quando não tiver mais serventia.
Impossível prever o futuro, mas o fato é que a Ação Penal 470, processo judicial mais emblemático da história política brasileira, também será julgada e escrutinada por muito tempo. Com punições inéditas na história penal brasileira, até que ponto este julgamento foi influenciado pela personalidade de Joaquim Barbosa e pela pressão exercida pelos meios de comunicação, convertidos em braço de uma oposição derrotada nas urnas? O julgamento foi também um processo de vingança política? Representa uma espécie de reparação social? Terá sido o Judiciário convertido no novo Pelourinho? Como condutor do espetáculo, Joaquim Barbosa deverá ser julgado como juiz, e não como negro.
Diversos ministros da suprema corte, entre eles o futuro presidente, têm destacado que o divisor de águas representado pela Ação Penal 470 é a fato de poderosos não serem mais inimputáveis e inalcançáveis. Ayres Britto, que se aposentou, falou em “breque na impunidade”. Barbosa, que assume sua vaga, afirmou que “o Brasil condena à beça... pessoas comuns”.
A questão é que, no comando do Judiciário, Barbosa terá a missão de fazer justiça – o que não se confunde, necessariamente, com reparação. Menos ainda com a imagem do vingador, encarnada no personagem que vem sendo chamado de “nosso Batman”. A realidade do juiz, em qualquer processo, independentemente de sua origem e de seus (pré) conceitos, deve ser aquela circunscrita nos autos. E a prova dos nove, colocada por um leitor do 247 num comentário, é uma pergunta básica e direta. Você gostaria de ser julgado por Joaquim Barbosa? Sim ou não?
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