COPA DO MUNDO 2014
OPINIÃO
Copa, oportunismo e Aécio Neves
Aldo Fornazieri
A Copa do Mundo começou sem o apocalipse em estádios e aeroportos, anunciado por vastos setores da imprensa. Independentemente de quem for o campeão, a primeira rodada indica que o evento tende a se firmar como um sucesso mundial. As manifestações anticopa, direito democrático, ocorreram, mas sem a envergadura que se projetava. A polícia militar de São Paulo agiu de forma violenta, constatação feita pela imprensa internacional, pela Defensoria Pública e pela Anistia Internacional. A polêmica que ainda segue, e é salutar que siga, diz respeito aos gastos da Copa e às prioridades do país.
A outra polêmica instalada se refere aos xingamentos recebidos pela presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa. Antes de tudo, convém assinalar que vaiar e xingar os governantes e os políticos em geral é um direito vinculado à liberdade de expressão e, para o bem ou para o mal, constitui um elemento irredutível da democracia. Por serem servidores do povo, os governantes e os políticos devem estar sujeitos ao seu crivo, à sua crítica da opinião pública. Sem a garantia da liberdade de expressão a democracia não sobrevive. Hoje, esse direito é protegido pelas cláusulas pétreas da Constituição. Mas o fato de as vaias e xingamentos dirigidos aos políticos serem direito irredutível, isto não implica que não possam ser atos criticados e contestados no debate público. Aliás, só o debate público, e não leis ou punições, pode dar conta desse problema que é inerente à natureza da democracia.
Ressalvado o direito à vaia e ao xingamento, o ato ocorrido na abertura da Copa deve ser submetido à crítica pública através do exame de seu conteúdo, da sua forma e da sua oportunidade. Partido da ala VIP do Estádio, o xingamento foi inconveniente e expressou, pelo seu conteúdo de baixo calão, uma manifestação clara de má educação e de falta de civilidade. Foi inconveniente porque maculou a imagem do Brasil perante o mundo num evento de natureza global. Neste sentido, os que proferiram os impropérios não foram tolerantes. Mesmo supondo que odeiem Dilma, a virtude da tolerância, que deve ser exercida nos momentos adequados, recomendava que naquele momento as hostilidades não fossem manifestas daquela forma por estar em jogo um bem maior, que é a imagem do Brasil perante o mundo.
O xingamento, por ter sido a expressão de uma grosseria, de uma má educação e de uma falta de civilidade, dirigido contra a chefe de Estado e contra uma mulher, revela a ausência da virtude do respeito. O respeito, segundo as melhores definições, se refere ao reconhecimento da dignidade própria e alheia e é a atitude que se inspira nesse reconhecimento. O filósofo antigo Demócrito proferiu uma formulação acerca do respeito da qual derivou a máxima “não faça aos outros o que não queres que façam a ti mesmo”. Para Platão, respeito e justiça eram componentes fundamentais à arte política, pois via neles princípios ordenadores das cidades (polis) e do convívio humano. Aristóteles e Kant identificaram o respeito como um sentimento moral referido sempre às pessoas. Em síntese, o respeito é o reconhecimento da dignidade das outras pessoas e de si mesmo que se tem o dever de salvaguardar. Foi essa ausência de reconhecimento da dignidade alheia que incorreram aqueles que xingaram a presidente Dilma.
O Duplo Oportunismo de Aécio Neves
Aécio Neves e Eduardo Campos procuraram, de imediato, tirar proveito político e eleitoral dos xingamentos proferidos contra Dilma. Imputaram a culpabilidade dos xingamentos à própria presidente, o que revela uma falta de ética. O homem público, principalmente alguém que alimenta a pretensão de ser presidente do Brasil, tem o dever político e moral de dar o bom exemplo. O bom exemplo dos governantes é fundamental para a constituição de uma adequada moralidade social. Tentar tirar proveito de atitudes desrespeitosas, antes de tudo, também revela uma falta de respeito. Percebendo que esta atitude poderia voltar-se contra ele mesmo, Aécio emitiu uma desaprovação envergonhada aos xingamentos na sua página no Facebook.
A conduta do candidato tucano revela um duplo oportunismo: nos dois casos, não foi ditada pelo dever moral, mas pela conveniência de extrair vantagem eleitoral de uma atitude, moral e politicamente condenável. O oportunismo político é avesso à moralidade política ou à chamada ética da responsabilidade de Weber. Ele desvincula a necessária adequação entre meios e fins para fazer pontificar a tese de que todos os meios são justificados pelo fim. O oposto do oportunismo pode ser definido como o dever moral da honestidade. Esta ensina que, mesmo na ação política, deve haver limites tanto nos meios, quanto nos fins. Somente assim se pode conciliar a ética das convicções com a ética da responsabilidade. Se não existissem limites morais na ação política não existiriam crimes políticos e nem mesmo crimes de guerra.
Ao conduzir-se dessa forma oportunista, Aécio Neves desmente na prática aquilo que vem prometendo em entrevistas: resgatar a dignidade da política, unir o Brasil e abandonar a política do ódio. Os xingamentos de baixo calão à Dilma são a pura expressão do ódio. Partindo de onde partiram, tudo indica que as suas motivações foram os méritos de Dilma e do PT e não as suas falhas, que são muitas e merecem ser debatidas e criticadas. Sabe-se que a chamada “elite branca paulista”, no dizer de Cláudio Lembo, odeia o Bolsa Família, o Prouni, o salário mínimo e as demais políticas sociais que, de alguma forma ou de outra, contribuem para a redução da desigualdade no país.
Essa mesma “elite branca”, que condena a corrupção, mas a atribui apenas ao PT e se recusa em ver a corrupção do PSDB e de outros partidos, é bastante dada à prática da sonegação fiscal. Corrupção e sonegação se equivalem e provocam danos irreparáveis ao bem público e à moralidade social. Mas os danos causados pela sonegação são muito mais graves: estimativas indicam que a corrupção promove o desvio de R$ 85 bilhões anuais dos cofres públicos. Nos primeiros cinco meses de 2014, a sonegação já atingiu os R$ 200 bilhões. Dessa forma, espera-se que todos os candidatos se pronunciem também sobre a sonegação durante a campanha eleitoral.
Se os candidatos não tiverem a coragem de conduzir política e moralmente seus adeptos nenhuma dignidade da política será resgatada e a campanha corre o risco de descambar para o superficialismo e para a vulgaridade. O fato é que existe uma crise de representação e uma deslegitimação dos políticos. Os índices de rejeição de Aécio e de Eduardo Campos não são tão diferentes dos de Dilma. A dignidade da política será minimamente resgatada se tanto os candidatos quanto os eleitores se esforçarem no sentido de promover um debate qualificado e respeitoso acerca dos problemas, dos desafios e do futuro do Brasil.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.
Jornal GGN
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