O JUDICIÁRIO NOSSO DE CADA DIA
"Num modelo estratégico de ação política democrática como o adotado por nossas forças trabalhistas, progressistas e de esquerda, em que a vontade eleitoral da maioria da população é o mecanismo de poder utilizado para conquistas de avanços no território da distribuição de riquezas e direitos sociais – e também como veículo de modernização de nosso capitalismo 'feudal' e plutocrático – não ocupar espaço na Corte que define os limites dessa soberania popular é entregar nas mãos das elites a palavra final sobre a validade, real extensão e continuidade dessas conquistas obtidas pela maioria democrática."
"O papel protagonista da Corte Suprema na definição dos limites da soberania popular é e será uma realidade enquanto houver no país um Estado democrático de Direito. Esse é seu mister como Judiciário democrático.
Cabe aos setores progressistas ter a coragem de trazer a público o debate sobre o perfil ideológico e político de seus candidatos a ministros. Como aliás é feito na maioria das nações democráticas do mundo.
Este é um debate que deve sair dos corredores palacianos e chegar às ruas. É no debate público que mora a transformação e a justiça real e é nele que a democracia se fortalece."
As nomeações para o STF
Pedro Estevam Serrano
Será anunciado em breve, pela presidenta Dilma Rousseff, o nome do ministro do Supremo Tribunal Federal que substituirá o recém-aposentado Carlos Ayres Brito.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
O fato enseja a oportunidade do debate sobre o papel e o perfil que a Suprema Corte deve ter em nosso sistema.
Até o começo de nosso atual período democrático, com a exceção de breves períodos históricos, nossa Corte teve a tradição de comportar-se como quase um apêndice do Poder Executivo, o mais tíbio e menos relevante de nossos poderes. Nossa herança e cultura autoritária de organização estatal certamente contribuíram para isso.
Que ditadura ou ditador convive bem com uma jurisdição realmente livre e autônoma? Certamente nenhum.
Com o correr do período democrático, contudo, nossa Corte maior foi exercendo de forma cada vez mais plena e autônoma seu papel de intérprete e guardiã de nossa Constituição.
Mesmo setores progressistas de nossa vida política recebem com surpresa o exercício desta autonomia.
Estranham o papel protagonista do Judiciário no trato de grandes temas regulados por nossa Constituição, chegando a confundir com ativismo judiciário o que muitas vezes é meramente um exercício pleno da intepretação constitucional.
Novo por aqui, esse papel está mais do que consolidado nas democracias de primeiro mundo.
Provavelmente por conta do período ditatorial, quando Constituição e a Jurisdição eram apenas perfumarias de um regime autoritário, nossa esquerda democrática nunca promoveu análises e debates sobre as questões jurídicas, a jurisdição e mesmo a própria Teoria do Estado.
São agora surpreendidos por fatos pelos quais não possuem a tradição de uso de instrumentos de análise adequados à sua compreensão. Mais que isso, em conjunto com a chamada "governabilidade" e um certo “republicanismo” de fundo elitista e autoritário, essa falta de relevância dada às análises e propostas de esquerda ao tema são os fatores que levam a uma inusitada situação: passados 10 anos de gestão de esquerda democrática no Poder Executivo e realizadas numerosas nomeações para o STF, essa Corte continua com o perfil conservador que, de uma forma ou outra, sempre teve.
Erro estratégico da esquerda democrática, vitória de nossas elites conservadoras.
Um dos aspectos positivos dos debates havidos em torno do julgamento do “mensalão” foi a consolidação nas opiniões pública e publicada no papel político que o STF tem na conformação do Estado brasileiro.
Embora tenha tal papel político reivindicado como forma inconstitucional de flexibilizar-se a presunção de inocência num processo crime, a consequência é que fica inegável por esses mesmos interlocutores o papel de protagonismo político que a Corte tem no exercício da jurisdição constitucional, como no julgamento de grandes temas regulados por nossa Constituição diretamente, como foram o caso do uso indevido de algemas, a união estável gay, o aborto de anencéfalos, a regulação do mercado de comunicação social, etc.
Ao representar a garantia contra-majoritária dada aos direitos humanos fundamentais individuais e coletivos previstos em nossa Constituição, a Suprema Corte, no exercício de seu papel interpretativo da Constituição, conforma também de fato e nas situações concretas o papel da soberania popular em nosso sistema.
Ao julgar temas constitucionais, o STF determina onde, quando e em quais limites devem se dar as decisões adotadas pela maioria da população; e, uma vez adotadas, se são válidas ou não e em qual extensão.
Num modelo estratégico de ação política democrática como o adotado por nossas forças trabalhistas, progressistas e de esquerda, em que a vontade eleitoral da maioria da população é o mecanismo de poder utilizado para conquistas de avanços no território da distribuição de riquezas e direitos sociais – e também como veículo de modernização de nosso capitalismo “feudal” e plutocrático – não ocupar espaço na Corte que define os limites dessa soberania popular é entregar nas mãos das elites a palavra final sobre a validade, real extensão e continuidade dessas conquistas obtidas pela maioria democrática.
Decisões estratégicas eventualmente adotadas por lei majoritária, como a aplicação das determinações constitucionais de fim do monopólio de meios de comunicação social e a chamada lei de meios, imposto sobre grandes fortunas e outras conquistas progressistas que podem se realizar dependerão sempre da decisão final de nossa Corte. O mesmo se diga com relação a conquistas já obtidas como o Prouni ou Bolsa Família.
Isso sem contar as tentativas judicionalizadas de desmonte político da imagem de líderes como o ex-presidente Lula, sempre engendradas por alianças não declaradas entre os veículos da mídia conservadora e agentes estatais incumbidos de investigar e julgar.
O papel protagonista da Corte Suprema na definição dos limites da soberania popular é e será uma realidade enquanto houver no país um Estado democrático de Direito. Esse é seu mister como Judiciário democrático.
Cabe aos setores progressistas ter a coragem de trazer a público o debate sobre o perfil ideológico e político de seus candidatos a ministros. Como aliás é feito na maioria das nações democráticas do mundo.
Este é um debate que deve sair dos corredores palacianos e chegar às ruas. É no debate público que mora a transformação e a justiça real e é nele que a democracia se fortalece.
CartaCapital
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário