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segunda-feira, 4 de março de 2013
Eliana Calmon explica os $ 84 mil de "auxílio-alimentação"
ENTREVISTA
Os "Bandidos de Toga" gostariam que com a aposentadoria, em 2014, ela fosse para casa, vestisse pijama, calçasse pantufas e ficasse quieta, brincando com o neto... Mas a intrépida ministra Eliana Calmon, ex-corregedora do CNJ e atual diretora-presidente da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e vice-presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça, ainda tem muito a colaborar com o País, sobretudo para a reforma e democratização do Judiciário, cujas mazelas ela tão bem conhece.
Na entrevista à Tribuna da Bahia, Eliana Calmon fala do seu polêmico e inesquecível trabalho à frente da Corregedoria, de aposentadoria, de seu eventual ingresso na política, e explica os R$ 84 mil recebidos a título de auxílio-alimentação, que lhe renderam muitas críticas.
CNJ
Ministra Eliana Calmon critica Justiça da Bahia e admite ingressar na política
Osvaldo Lyra
A ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon
Antes mesmo de a entrevista começar, a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, fez questão de frisar sua condição de magistrada, não de política. Apesar de ter recebido mais de um convite para participar da política – o último feito publicamente pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos –, a ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça refuta qualquer possibilidade de ingressar na seara política em 2014. Em 2018, porém, ela não descarta. “Para eu entrar na política, aposentada, eu poderia pensar só para 2018”, aponta Eliana.
Mulher de pulso firme, que revelou bastidores da estrutura do Judiciário brasileiro, em entrevista à Tribuna a ministra admite que ganhou desafetos, mas prefere encarar a passagem pela corregedoria pela transformação que aconteceu. “O saldo foi positivo, na medida em que eu dei visibilidade à corregedoria, em razão da contestação da exposição das minhas posições”. Por fim, destacou: “Eduardo Campos assanhou os baianos, não foi? Eu gostaria, inclusive, de dizer o seguinte: eu sou magistrada, eu não sou candidata, eu não sou política”, assegura.
Tribuna – Ministra, a gente está no mês da mulher, agora em março. Como a senhora avalia a participação da mulher no cenário político e no centro de decisão do país? Há muito o que avançar?
Eliana Calmon – Ainda há muito o que avançar. Nós temos uma presidente mulher, nós já temos ministras no Supremo Tribunal Federal, aumentamos consideravelmente o número de mulheres nos tribunais superiores, mas ainda vai ter muito o que avançar, porque isso é uma questão de tempo. Mas nós temos que acelerar um pouco essa mudança, o poder ainda é masculino.
Tribuna – Como a senhora avalia a sua passagem pela Corregedoria Nacional de Justiça, entre 2010 e 2012?
Eliana – Foi uma passagem um pouco tumultuada, mas eu acho que o saldo foi positivo, na medida em que eu dei visibilidade à corregedoria, mais do que tinha dado o meu antecessor, o ministro Gilson Dipp, em razão da contestação da exposição das minhas posições. Todas eram posições mais modernas, de abertura, de transparência, e isso fica demonstrado e constatado depois da decisão do Supremo Tribunal Federal. A minha luta maior foi para manter o poder disciplinar da corregedoria íntegro, sem haver a passagem pelas corregedorias estaduais, o que nós sabíamos que era uma dificuldade para chegar, uma dificuldade para chegarem os processos até o CNJ. De forma que eu reputo todos os problemas que eu tive, dentro da corregedoria, exatamente em razão desse processo. E, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, todas as coisas começaram a entrar nos seus devidos lugares, daí porque eu acho que a minha passagem pela corregedoria foi importante, na medida onde houve essa abertura. E outro aspecto muito interessante também foi que, em razão da resistência que fizeram às minhas posições, pelo próprio presidente do CNJ e pelas corregedorias – e isso é um fato corriqueiro porque foi amplamente noticiado pela imprensa –, terminou por haver uma manifestação popular muito extensa. As redes sociais se apropriaram do CNJ e começaram a defender a corregedora – a corregedoria, leia-se Conselho Nacional de Justiça. E isso foi uma prova de cidadania, isso foi uma prova de democracia. Daí porque eu entendo que, com todas as minhas limitações, a minha passagem pela corregedoria marcou ponto.
Tribuna – Ficaram traumas do período em que a senhora conduziu com tanto rigor as inspeções disciplinares nos tribunais de todo o país?
Eliana – Não. Pelo que eu notei, houve, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, da abertura dada pelo Supremo Tribunal Federal, uma revisão crítica da minha atuação. Se o Supremo Tribunal Federal não tivesse decidido como decidiu, eu acho que eu passaria para a história como uma radical e que não tive sucesso. Em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal, foi possível que os tribunais fizessem uma reavaliação da minha atuação e eu terminei tendo razão porque eles me deram razão.
Tribuna – A senhora ganhou desafetos, sobretudo dos próprios colegas magistrados, devido à busca da senhora por uma maior moralidade da coisa pública?
Eliana – Uns poucos. Eu acho que eu fiquei mais conhecida pela magistratura e fiquei mais admirada do que odiada. Naturalmente, parte da magistratura me considera deletéria, porque acha que eu diminuí a magistratura, mas essa parte é uma parte mínima, de alguns que são corporativistas por ideologia – é uma questão de ideologia. Porque o corporativismo é uma espécie de ideologia e a ideologia é algo que corrói, é algo que limita a visão. Quem é corporativista termina tendo antolhos, para não ver que as coisas mudam, de forma que essa parte da magistratura é uma parte bem pequena, não é tão significativa. Eu não me sinto incomodada dentro da magistratura. Eu me sinto mais prestigiada agora do que antes de ser corregedora.
Tribuna – O convite feito pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos, convidando a senhora para entrar no PSB, convidando a senhora para entrar num partido político, a senhora aceita o convite?
Eliana – Eu sou uma magistrada. Eu me preparei a vida inteira para ser magistrada e para exercer a magistratura, que, sem dúvida alguma, é uma atividade política. Porque eu faço parte de um Poder da República. É uma atividade política, só que é uma atividade política diferenciada, não tem militância partidária, está equidistante de partidos. Esse convite, eu fiquei até lisonjeada. Igual convite também foi feito pelo PPS. O PPS propôs a outorga de uma medalha, a segunda medalha de Mérito Legislativo que eu tive, e, a partir daí, eles me convidaram para eu tomar um café com eles, na Câmara dos Deputados, eu fui e lá eles formularam um convite, para eu também ingressar no partido. O convite mais sintomático foi o do governador Eduardo Campos porque ele fez publicamente. O outro fez em uma sala, onde eu estava com a liderança do partido. O governador Eduardo Campos foi mais afoito e ele fez isso publicamente. Eu me sinto lisonjeada do meu nome ser lembrado, eu considero muito o governador Eduardo Campos. Aliás, trabalhei com ele, eu tive oportunidade de trabalhar com ele porque ele tem um programa de governo muito interessante, que é o programa Pacto pela Vida, e ele estava muito preocupado com a criminalidade de Pernambuco. Ele me disse que fiscaliza pessoalmente a questão da criminalidade. E nós estávamos com uma vara, com uma comarca com um grande déficit de prestação jurisdicional, e ele me pediu ajuda. E nós trabalhamos juntos. Eu disse: “eu vou fazer com que essa comarca comece a funcionar, mas eu vou precisar da ajuda de Vossa Excelência”. Ele disse: “O que a senhora precisar, pode contar comigo”. Eu coloquei um juiz auxiliar dentro dessa comarca e ele deu todos os meios necessários e, a partir daí, surgiu uma admiração, eu admirada com ele, de um governador se preocupar especificamente com esta situação, e ele por mim, porque ele achou que eu fui muito disposta. Eu trabalhei na corregedoria com muito arrojo, porque eu acreditava naquele trabalho. E talvez esse convite seja em razão dessa simpatia nascida desse trabalho conjunto. É exatamente isso, eu me sinto lisonjeada, mas é um convite que uma magistrada não pode aceitar. Eu não posso aceitar abrir mão imediatamente da magistratura, e eu tenho uma responsabilidade perante o meu tribunal que é, justamente, a Escola da Magistratura.
Tribuna – Ele cogitou a possibilidade da senhora sair candidata ou ao governo ou à cadeira para o Senado, pelo PSB. A senhora acredita que, depois da magistratura, isso poderia se tornar realidade?
Eliana – Veja bem o que acontece. Eu vi isso pelos jornais, o governador não me procurou. Em nenhum momento, eu não tive nenhum contato com ele, isso só foi arroubo de palanque, como os jornais noticiaram. Eu sorri, mas, eu me aposento em novembro de 2014 e em novembro de 2014 eu já não tenho mais espaço para filiação partidária, em compatibilidade, essas coisas. Eu acho que algum pensamento meu que seja assim para eu entrar na política, aposentada, eu poderia pensar em entrar para a política só para 2018.
Tribuna – Então não há possibilidade nenhuma da senhora deixar a magistratura para enveredar pelo campo político partidário?
Eliana – Eu não tenho vontade. Como eu dei uma entrevista essa semana, na TV Senado, e disse: é a minha casa, eu sei fazer isso, eu me preparei a vida inteira para fazer isso e sair da magistratura para entrar na política é como dar um salto no escuro. E o meu medo é que eu entre numa roda e, como uma falsa baiana, não saiba sambar.
Tribuna – O ingresso da senhora não ajudaria a elevar o nível da política brasileira, sobretudo da política da Bahia?
Eliana – Muita gente, inclusive alguns baianos amigos meus, tem me telefonado, dizendo que existe uma responsabilidade cívica das pessoas ingressarem na política para começarem a mudar o perfil da grande massa política. E começar a haver quase que uma seleção, porque os bons políticos que já ingressaram na política, com o ingresso de pessoas com as quais elas se alinhem, se afinam, faria a separação do joio e do trigo. Se alinhariam com esses novos nomes, nomes que a sociedade tem como ícone, etc., e aí construiríamos uma nova classe de políticos. Veja bem, não é que não tenha corretos. Mas está tudo misturado. No momento que nomes de peso nacional chegarem como novidade e a sociedade reconhecendo que são pessoas corretas, esses políticos já existentes sairiam para uma aliança com estes novos e aí nós íamos ver o joio e o trigo. Isso foi dito, eu achei muito ponderada a ideia, mas eu tenho uma profissão que não me permite fazer incursões políticas sem haver essa detecção. Eu tenho que me aposentar primeiro para depois ingressar na política.
Tribuna – Saiu na imprensa que a senhora recebeu, em setembro do ano passado, de uma só vez, R$ 84 mil a título de auxílio alimentação. Existe algum fundamento?
Eliana – Existe. Eu inclusive cheguei a fornecer o próprio contracheque para “O Estado de S. Paulo”, porque não foi nenhuma mentira. Não vou tomar nenhuma iniciativa quanto a isso porque foi um pagamento atrasado e que todos os ministros receberam. Isso foi um benefício dado pelo Conselho Nacional de Justiça, depois chancelado pelo Conselho da Justiça Federal, para os juízes federais e, a partir daí, isso retroagiu até a data do pedido, porque, se é um direito reconhecido pelo CNJ, este direito retroage à data do requerimento. Quero dizer, inclusive, que eu votei contra, na sessão administrativa da qual eu fiz parte, eu votei contra o pagamento dos atrasados, porque eu entendi que era uma soma muito grande. O meu entendimento é de que deveriam pagar a partir da data da decisão do CNJ, do reconhecimento do CNJ aderir ao pagamento da ação. Tudo muito bem, eu fui voto vencido – estou até pegando o processo para fazer levantamento e, se alguém tiver dúvida, eu mostro que a minha decisão foi contrária a esse pagamento retroativo. E esses R$ 84 mil é porque eles retroagiram cinco anos. Agora, eu quero dizer que foi uma parcela que todos receberam. Não foi Eliana Calmon que recebeu. Não tinha nem motivo para isso, porque aqui nós temos a identidade.
Tribuna – O direcionamento da divulgação desse benefício para a senhora pode ser considerada uma retaliação de parte da imprensa ao movimento que a senhora fez de moralização?
Eliana – Eu não sei bem, porque o jornalista que assina o artigo é um jornalista que acompanhou todo o movimento da corregedoria e ele sabe das dificuldades que eu passei, mas, na realidade, chegou às mãos dele por alguém de dentro do Judiciário, porque quando eu mandei os meus contracheques para ele, para constatar, ele já os tinha. Então foi alguém que teve acesso aos documentos aqui no tribunal e mandou para o jornal.
Tribuna – Como a senhora avalia o Judiciário da Bahia e o que deve ser imediatamente mudado na visão da senhora?
Eliana – O Judiciário da Bahia não é bom. Isso é constatado pelo povo brasileiro, ele não está bom. Ele está moroso, o tribunal está defasado da realidade, a administração é muito... ela está uma administração caótica, porque nenhuma das metas propostas pelo CNJ tem sido seguida. Está faltando muito magistrado, dificuldade de se fazer concurso, a questão dos custos extrajudiciais é uma coisa terrível, o povo baiano está sofrendo muito com a questão dos extrajudiciais, por não gerência do tribunal. Isso é uma questão que vem de muitos anos, longos anos, essa falta de gestão no tribunal da Bahia. Por isso a Justiça não é boa. Agora, isso nós temos batido, o meu antecessor na corregedoria bateu muito para realizar, para mudar. Mudou alguma coisa, mas não mudou o que devia mudar. Portanto, a gestão não é boa. O que é que podia se fazer para melhorar? Imediatamente, uma nova gestão, uma nova cabeça e que se pudesse realmente administrar para resolver esses problemas da magistratura.
Tribuna – Falta vontade política de quem está no comando?
Eliana – Total falta de vontade política. É como se diz: “Deixe como está porque está bom para nós”. Então não precisa mudar.
Tribuna – Há corporativismo no Tribunal de Justiça da Bahia?
Eliana – Há sim. Essa resistência a novos caminhos para a administração é uma espécie de corporativismo.
Tribuna – Qual o futuro da senhora depois da aposentadoria?
Eliana – Eu não sei bem o que é que eu vou fazer. A minha ideia hoje, faltando um ano e meio para a aposentadoria, faltando um ano e oito meses para a aposentadoria, é no sentido de que eu me aloque a alguma ONG para ter uma atividade que dê azo a minha personalidade, que é algo meio instigante, meio investigadora, meio punitiva, isso faz parte da minha personalidade. E aí, eu teria tempo de escrever, de fazer artigos bons e tal, que hoje eu vivo correndo, não tenho tempo de nada. Arrais vive pedindo para eu escrever, dizendo “ministra, escreva” e eu não tenho tempo de escrever.
Tribuna – Qual a mensagem que a senhora deixa para a população da Bahia, que acredita tanto no trabalho e na atuação da senhora?
Eliana - O que eu digo é o seguinte: eu acho que para a gente ajudar não precisa ser, necessariamente, política. A gente pode ajudar como cidadã brasileira, e eu sou brasileira, mas também sou baiana e não desprezo a minha terra. Estou sempre atenta a tudo que diz respeito à Bahia.
Tribuna – Uma avaliação rápida do governo Wagner e a chegada do prefeito ACM Neto...
Eliana – Todos estão vendo.
Colaboraram: Fernanda Chagas e Fernando Duarte
Tribuna da Bahia
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