"Ainda mesmo de pulsos arrochados, desafio desgraças sanguinosas – dizia em um de seus versos – mordo os ferros, altivo ranjo os dentes, desafio o tirano mais potente".
"O jornalismo de Cipriano era dirigido para sua intransigente luta contra o domínio português, pela liberdade, em favor da sua gente do Brasil – pobres, oprimidos, negros, índios, mulatos, mestiços, mamelucos. Cipriano era o tipo do ser cheio de energia que não se dobra a nenhuma espécie de cativeiro ou exercício de domínio sobre as pessoas. “Somos todos brasileiros e formamos um só corpo e povo de irmãos livres” – bradava ele."
Cipriano Barata. Quem é mesmo esse baiano?
Apollo Nátali*
Marco Morel precisou de 20 anos de pesquisa e um livro de 400 páginas para montar, em linguagem de historiador, seu ensaio biográfico de caráter histórico sobre Cipriano José Barata de Almeida. (“Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade” – Ed. Assembléia Legislativa da Bahia – Academia de Letras da Bahia).
Sirvo-me de minha linguagem de botequim para enfiar em poucas linhas todos esses 20 anos de estudos de Morel sobre a vida do baiano da Freguesia de São Pedro Velho, Salvador (1762/1838).
Médico cirurgião e jornalista.
Deputado pelo Brasil nas Cortes, em Lisboa, sustentou com valentia verbal e física a causa da Liberdade: chegou a se atracar e derrubar com surpreendente agilidade um marechal português no plenário durante defesa que fazia dos interesses brasileiros e do direito de cidadania aos escravos. O marechal rolou pelas escadas. Depois da briga, teve de fugir clandestinamente para a Inglaterra. Lá, seus feitos eram publicados no Correio Braziliense pelo colega jornalista Hipólito da Costa.
Também deputado por Bahia, Paraíba, Pernambuco e senador por Minas Gerais.
Poeta, letrista, músico, compôs, como ele mesmo disse, “uma chula para se dançar ao toque de viola”, uma mistura de canto e música, comemorando a derrota da dominação portuguesa na Bahia. Este tema prevaleceu no cancioneiro da época. Um dos versinhos, dirigidos aos portugueses: "Larga esses bigodes, larga patifão, fora ingrato, a terra não é tua não". Mas ele gostava dos muitos e muitos “bons portugueses” que havia na época, “bons brasileiros”, segundo ele.
Foi ativista e participante de históricas revoltas regionais que se espalharam pelo Brasil contra a tirania portuguesa, não só durante a Colônia, mas também no Império e Regência.
Sempre acusado de pregar a República. E pregava mesmo. Há 200 anos defendia eleições diretas para os presidentes das províncias.
A abolição dos escravos, que aconteceu em 1888, ele a queria para 1860.
Um dos fundadores do jornalismo político no Brasil.
Foi o preso político brasileiro que passou mais tempo - 11 anos - em masmorras do seu pior inimigo, D. Pedro I, a quem chamava, depois de sua abdicação, de “ex-tirano”.
Num tempo em que era crime não se ajoelhar e beijar as mãos do imperador, Cipriano virou-lhe as costas durante sua visita à masmorra. D. Pedro I sacou-lhe uma prisão perpétua por isso. O baiano defendia o fim da tortura, praticada “por bagatela”, pelos dominadores, e exigia a abolição de seus instrumentos.
Cipriano conheceu as masmorras coloniais, imperiais e as regenciais, rigorosamente as mesmas. Chegado o primeiro reinado ele narra a cruel repressão no governo de Dom João VI, como reforço do monarca para a manutenção do absolutismo:
Marco Morel precisou de 20 anos de pesquisa e um livro de 400 páginas para montar, em linguagem de historiador, seu ensaio biográfico de caráter histórico sobre Cipriano José Barata de Almeida. (“Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade” – Ed. Assembléia Legislativa da Bahia – Academia de Letras da Bahia).
Sirvo-me de minha linguagem de botequim para enfiar em poucas linhas todos esses 20 anos de estudos de Morel sobre a vida do baiano da Freguesia de São Pedro Velho, Salvador (1762/1838).
Uma das primeiras lideranças políticas de amplitude nacional que se forjou no imediato período pré e pós-independência, Cipriano foi, na Colônia, no Império e na Regência, temido, prestigiado e perseguido líder, incansável e intransigente combatente da opressão lusitana. Incendiou a Bahia com a guerra de guerrilha para expulsar os portugueses da Província, então dominada pelas forças do brutal general Madeira.
No Brasil, quem queria evitar ser molestado, usava um distintivo com o desenho de uma barata. Os ricos, distintivo de ouro. Os medianos, de prata. Os pobres, de bronze. Para intimidar os inimigos, muitos escreviam nas portas de suas casas: Barata.Médico cirurgião e jornalista.
Deputado pelo Brasil nas Cortes, em Lisboa, sustentou com valentia verbal e física a causa da Liberdade: chegou a se atracar e derrubar com surpreendente agilidade um marechal português no plenário durante defesa que fazia dos interesses brasileiros e do direito de cidadania aos escravos. O marechal rolou pelas escadas. Depois da briga, teve de fugir clandestinamente para a Inglaterra. Lá, seus feitos eram publicados no Correio Braziliense pelo colega jornalista Hipólito da Costa.
Também deputado por Bahia, Paraíba, Pernambuco e senador por Minas Gerais.
Poeta, letrista, músico, compôs, como ele mesmo disse, “uma chula para se dançar ao toque de viola”, uma mistura de canto e música, comemorando a derrota da dominação portuguesa na Bahia. Este tema prevaleceu no cancioneiro da época. Um dos versinhos, dirigidos aos portugueses: "Larga esses bigodes, larga patifão, fora ingrato, a terra não é tua não". Mas ele gostava dos muitos e muitos “bons portugueses” que havia na época, “bons brasileiros”, segundo ele.
Foi ativista e participante de históricas revoltas regionais que se espalharam pelo Brasil contra a tirania portuguesa, não só durante a Colônia, mas também no Império e Regência.
Sempre acusado de pregar a República. E pregava mesmo. Há 200 anos defendia eleições diretas para os presidentes das províncias.
A abolição dos escravos, que aconteceu em 1888, ele a queria para 1860.
Um dos fundadores do jornalismo político no Brasil.
Foi o preso político brasileiro que passou mais tempo - 11 anos - em masmorras do seu pior inimigo, D. Pedro I, a quem chamava, depois de sua abdicação, de “ex-tirano”.
Num tempo em que era crime não se ajoelhar e beijar as mãos do imperador, Cipriano virou-lhe as costas durante sua visita à masmorra. D. Pedro I sacou-lhe uma prisão perpétua por isso. O baiano defendia o fim da tortura, praticada “por bagatela”, pelos dominadores, e exigia a abolição de seus instrumentos.
Cipriano conheceu as masmorras coloniais, imperiais e as regenciais, rigorosamente as mesmas. Chegado o primeiro reinado ele narra a cruel repressão no governo de Dom João VI, como reforço do monarca para a manutenção do absolutismo:
“O Reinado do Senhor Dom João VI é abominado no Brasil. Os Povos ainda se lembram que ele em poucos anos lhes impôs mais de dezoito tributos arbitrários; que oprimia a todos com vexames, roubos e insultos de seus validos. Os Povos ainda têm as cicatrizes das algemas, grilhões e correntes muito frescas e as lágrimas mal enxutas pelas crueldades horrorosas ilegal e barbaramente cometidas na Bahia; e carnificinas inauditas em Pernambuco, com mortes, esquartejamento, arrancamento de cadáveres das sepulturas, profanações do Sacerdócio, roubos, estupros. Adultérios, sacrilégios, violências, insultos, injúrias e tormentos: surras mortais e palmatórias na gente forra, pretos, pardos e brancos, até nas mulheres e meninos a ponto de lhes saltarem as unhas e de ficarem aleijados; bofetadas, chicotadas, pontapés. Os Povos ainda se recordam do ataque atraiçoado feito à Praça do Comércio do Rio de Janeiro, para sepultar nas ruínas os eleitores e o povo, cujas ordens foram dadas por S.M.D.João VI, do que se seguiu morrerem 21 pessoas (alguns querem que foram 43) em uma palavra, os Povos têm em vista o horrendo quadro da Monarquia Absoluta passada, abominam a memória desse Reinado e por isto não querem união com Portugal e nem tão pouco que o novo Império se assemelhe ao Reino do Senhor Dom João VI”.
O combatente da liberdade Cipriano comentou a afirmação do padre Diogo Feijó (Regente de um governo forte e centralizador) de que “o brasileiro não foi feito para a desordem, que o seu natural é o da tranquilidade”. Cipriano perguntou “que coisa seja Docilidade Brasileira” de que falou também o historiador Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” e respondeu: “Docilidade é a boa disposição do homem para se deixar instruir. Gênio ou natureza dócil é aquele que abraça as doutrinas e ensino que se lhe dá. Porém esse termo docilidade aplicado hoje aos Brasileiros tem outro sentido; dócil quer dizer estólido, ou tolo; homem que se contenta com tudo, que deixa ir as coisas por água abaixo, em uma palavra, dócil deixa dizer Brasileiro ovelha mansa, que trabalha como burro para pagar tributos desnecessários em benefício dos Satélites do Governo”.
Historiador não cria herois. Mas Marco Morel se rende: “a busca da vida de Cipriano Barata foi um aprendizado e assumo: ele era um dos meus herois”.
Em meio aos ferros de tortura e insetos peçonhentos, nas várias masmorras inundadas, fétidas, sem ar e calor abrasador onde era aprisionado, Cipriano editava seus jornais – e distribuía – para todo o Brasil. Dizem que com a ajuda da maçonaria e outras sociedades secretas que almejavam a independência. Ao título “Sentinela da Liberdade”, seguia-se o nome do Forte ou masmorra onde estava preso, e o brado “Alerta!”.
Por exemplo: no dia 9 de abril de 1823, uma quarta-feira – era um tempo em que ele gozava de 6 meses de uma liberdade passageira em sua trajetória de preso político - a cidade de Recife, onde Cipriano se refugiou para fugir às perseguições em Salvador, viu nascer o número 1: Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Alerta!
O último Sentinela, do total de 66 exemplares que editou, saiu em setembro de 1835, em Recife. Foram doze anos do denominado jornalismo do cárcere, como é conhecida sua atuação como jornalista. O médico Bezerra de Menezes, tema de filme espírita em 2008, dirigiu um Sentinela da Liberdade, no Rio de Janeiro.
Além do seu estilo doutrinário, panfletário, o jornal de Cipriano Barata era também noticioso e satírico, em linguagem simples, direta, acessível. Trazia notícias internacionais da França, Inglaterra, Espanha, Portugal, a Santa Aliança (união de reinados na Europa para manter o absolutismo), Américas, com destaque para México, Argentina, Peru e Paraguai, além de notícias nacionais, das províncias e locais, na Bahia e Pernambuco, com referências a roubos, carestia, hospitais sem aparelhagem. Um amplo painel do cotidiano, portanto. Quem não gostaria de saber como chegavam à sua “redação”, nas masmorras em que o encarceravam, todas essas informações, principalmente as internacionais, numa época de tão precárias comunicações?
“A imprensa é a deusa tutelar da espécie humana”, exaltava-se Cipriano.
No primeiro número, a dedicatória é à Bahia. No editorial, dizia a que veio o jornal: “clarear idéias, dar luzes aos leitores, combater erros, lembrar o bem público, repreender os abusos do poder e de seus empregados e atirar flechas ervadas contra os servis aristocratas. Nunca perdoar o despotismo e a tirania. Não receberei anúncios sobre vendas de escravos porque minha gazeta não é leilão nem capitão do mato”.
Dava voz aos leitores: mantinha uma seção de Carta de Leitor.
Quem, além de Cypriano Jozé Barata de Almeida, era com “z” que se escrevia, pode ser considerado o maior jornalista brasileiro de todos os tempos?
Proclamava-se escritor liberal “que açoita a tirania e defende a pátria”.
Considerava-se idólatra da liberdade. “Ainda mesmo de pulsos arrochados, desafio desgraças sanguinosas – dizia em um de seus versos – mordo os ferros, altivo ranjo os dentes, desafio o tirano mais potente”. Cipriano, heroi que não espera que lhe concedam a liberdade, arrebata-a.
Segundo Marco Morel, várias redes de comunicação, dentro das tais condições precárias da época, espalharam-se pelo país recém-independente e uma delas era justamente a dos Liberais Exaltados, como Cipriano. Do outro lado estavam os Moderados, na verdade absolutistas, áulicos do poder. O toque curioso, de acordo com o historiador Marco Morel, fica por conta de um grupo de exilados que, em 1825, publicou na Inglaterra o “Sentinela da Liberdade do Brasil na Guarita de Londres, Alerta!” como suplemento do Sunday Times.
O jornalismo de Cipriano era dirigido para sua intransigente luta contra o domínio português, pela liberdade, em favor da sua gente do Brasil – pobres, oprimidos, negros, índios, mulatos, mestiços, mamelucos. Cipriano era o tipo do ser cheio de energia que não se dobra a nenhuma espécie de cativeiro ou exercício de domínio sobre as pessoas. “Somos todos brasileiros e formamos um só corpo e povo de irmãos livres” – bradava ele. O historiador Pedro Calmon o vê como um dos grandes seres que passara pela Terra.
José Bonifácio de Andrada e Silva, oficialmente o Patriarca da Independência, migrou de suas ideias iniciais de defesa e liberdade para o Brasil e passou para o outro lado, o do absolutismo português em nossa terra. Abrigou-se na comodidade, segurança e benesses da Corte, esqueceu as correntes que o haviam prendido junto com Cipriano quando D. Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte, perseguiu e até dizimou fisicamente os que antes defendia. Perseguiu e mandou prender ou matar Cipriano, tanto faz. Desapareceu da cena política pós-independência.
O Rio de Janeiro de José Bonifácio, ministro da economia de D. Pedro I, segundo Cipriano: “O Rio de Janeiro apresentava o aspecto medonho de Roma, ao tempo de Mário e Scila, debaixo da vingança e fúria do nosso ditador José Bonifácio”.
Cipriano saiu provisoriamente da prisão em 25 de setembro de l830, depois de 7 anos de masmorras e uma longa queda-de-braço entre a centralização do Poder Executivo Imperial e o Legislativo e Judiciário. A Justiça mandava soltar e a Corte não obedecia. Depois dessa soltura provisória, voltaria a habitar as masmorras por mais 4 anos.
Se ainda há no Brasil algum campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência, talvez um filme ou uma minissérie para TV será feita sobre a vida de Cipriano Barata. O politizado Valter Avancini faria pelo menos uma brilhante minissérie. O final de uma novela dessas não pode ser outro senão a cena grandiosa de sua recepção pela multidão na Praça XV, no Rio de Janeiro, quando ganhou a liberdade.
Os deputados Antonio Pereira Rebouças e Muniz Barreto haviam feito pronunciamentos na Câmara em defesa da libertação de Cipriano, num dos muitos episódios de longos anos da luta por sua soltura. Dois dias depois, em 25 de setembro de 1830, uma aglomeração concentrava-se no Cais Pharoux (atual Praça XV), à espera de Cipriano, que viria de barco da Fortaleza de Santa Cruz, situada na Baía de Guanabara.
Imaginemos o delírio da cena final na telinha colorida da TV, ou no cinema, descrita com detalhes pelo jornal “Nova Luz Brazileira”: Era um “numeroso concurso de cidadãos que o esperavam em diversos pontos da praia para saudarem o Decano dos Patriotas Brasileiros. Na véspera, já confirmada a libertação de Barata, em muitos pontos da cidade acenderam-se luminárias e na sessão noturna no Teatro São Pedro houve manifestações e vivas ao panfletário baiano”.
“Súbito, um susto, apreensão. A Fortaleza de Santa Cruz, em pleno dia, acendeu suas luzes e fez disparos de canhão. Algum atentado? Ao contrário: era uma homenagem da guarnição ao panfletário baiano, que ali onde estivera preso acabara por fazer amigos e admiradores. Cipriano, envelhecido e alquebrado, os longos cabelos brancos caindo aos ombros, embarca no escaler rumo à praia, o rosto sulcado de rugas”. Tinha 68 anos.
“Novo imprevisto.Violenta ventania sudoeste faz o céu cinzento, as ondas se encrespam, a embarcação sacoleja. Na terra a multidão alvoroçada procurava abrigo do vento. Mas assim como veio, rápida, a tormenta passou – como se fosse apenas mais uma homenagem ao calejado revolucionário. No cais, chapéus e vivas para o ‘Campeão da Liberdade’ que parecia ressuscitar do cárcere. Cipriano encabeçou cortejo pelas principais ruas do Rio de Janeiro, em clima de festa”.
Houve festas em todo o Brasil pela libertação de Cipriano.
Ficou 6 meses livre. Logo meteram-lhe mais quatro anos de masmorras, na Regência. Antes disso, D. Pedro I já o havia encarcerado por 7 anos e condenado à prisão perpétua.
Morreu no dia 1º de junho de 1838, em tempo de cantorias e danças juninas nas ruas da então pequena Natal. Foi sepultado na pequena capela do Senhor Bom Jesus, na capital do Rio Grande do Norte, onde viveu seus últimos dias. Lá, idoso, fundou escolas, foi professor, clinicou. Foi enterrado “com casaca”, segundo a certidão de óbito. De acordo com Marco Morel, seria provavelmente a casaca de algodão da terra, azul, a vestimenta utópica que usava com chapéu de palha, inclusive quando deputado em Lisboa, para espalhar e consolidar suas ideias de pátria brasileira e que o acompanhou para debaixo da terra. Essa seria a origem do nome “farrapos”, segundo o desembargador Paulo Garcia, que também escreveu livro apaixonado sobre Cipriano (A Liberdade Acima de Tudo – Topbooks).
Segundo Paulo Garcia, Cipriano era um liberal autêntico e defendeu intransigentemente os interesses brasileiros contra os dos portugueses. Considerava-se brasileiro, sem qualquer submissão a Portugal. Defendeu a liberdade do homem em toda a sua extensão. De acordo com o historiador Nelson Werneck Sodré, prefaciador de “A Liberdade Acima de Tudo”, poucos fizeram tanto pela nossa Independência quanto esse baiano que, ainda no Brasil Colônia, já conheceria as amarguras do cárcere por sonhar com nossa liberdade política. “Temido pelos déspotas, áulicos e ditadores, fez tremer os inimigos da liberdade e da democracia”, diz o historiador.
Sentinela da Liberdade, segundo Werneck Sodré, foi “uma epopeia da imprensa brasileira… um dos momentos supremos da vida da imprensa brasileira, um dos marcos na luta pela nossa liberdade”.
Hoje já desapareceram os vestígios do túmulo e da capela do Senhor Bom Jesus, onde Cipriano foi sepultado.
Em memória de Cipriano, o Brasil atira apenas a esmola de uma rua com o nome Cipriano Barata no bairro do Ipiranga, em São Paulo, uma em Salvador e outra em Natal. A História oficial o esqueceu. Os destinos dos homens de bem são constrangedores.
Esta minha linguagem, por ser de botequim, de um fôlego só, de paixão, sem profundidade por falta de espaço nem prudência, contraria o jeito de os vencedores escreverem a História oficial, que escondem Cipriano José Barata de Almeida. Alguns o chamam hoje apenas de “agitador político”, como fez Laurentino Gomes. Há que haver audácia para se trazer à tona, para sempre, a memória do baiano Cypriano, campeão da liberdade.
Tanto Cipriano como D. Pedro I morreram em 1838, um aqui, outro na Europa. Se D. Pedro I tivesse alguma coisa ainda a dizer, diria: dominei-o com anos de masmorras e uma prisão perpétua. Se Cipriano tivesse ainda alguma coisa a dizer, diria: e eu o derrubei do trono (quando Cipriano foi para a Bahia após sua libertação, era o emissário da conjura pela abdicação).
Cipriano José Barata de Almeida é tetravô do comediante Agildo Ribeiro.
Em tempo: Sugeri ao cineasta Sérgio Rezende (“Zuzu Angel” e outros 10 filmes) ler “Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade”, do historiador Marco Morel, e estudar a possibilidade de transformar essa história em filme.
- Caro Rezende, você faria um épico nacional, sobre o que considero o maior jornalista que o Brasil já teve! Seria uma história marcante, com barco a vela e até algumas masmorras, aqui e ali, onde D. Pedro I manteve Cypriano a ferros por 7 anos. Mostraria os retumbantes embates pela liberdade do Brasil travados por Cypriano no parlamento de Lisboa, choques tão aguerridos que o jornalista teve de fugir para a Inglaterra. Você faria um filme desses?
- Claro que faria. Faria, sim. (Notei alguma emoção nele).
Estiquei o braço e passei-lhe o meu, o teu, “Sentinela da Liberdade”.
Dei ciência a Marco Morel, que me respondeu sensibilizado (“Um filme assim sobre Cipriano Barata seria uma bela inspiração para a construção de um Brasil melhor!”).
Historiador não cria herois. Mas Marco Morel se rende: “a busca da vida de Cipriano Barata foi um aprendizado e assumo: ele era um dos meus herois”.
Em meio aos ferros de tortura e insetos peçonhentos, nas várias masmorras inundadas, fétidas, sem ar e calor abrasador onde era aprisionado, Cipriano editava seus jornais – e distribuía – para todo o Brasil. Dizem que com a ajuda da maçonaria e outras sociedades secretas que almejavam a independência. Ao título “Sentinela da Liberdade”, seguia-se o nome do Forte ou masmorra onde estava preso, e o brado “Alerta!”.
Por exemplo: no dia 9 de abril de 1823, uma quarta-feira – era um tempo em que ele gozava de 6 meses de uma liberdade passageira em sua trajetória de preso político - a cidade de Recife, onde Cipriano se refugiou para fugir às perseguições em Salvador, viu nascer o número 1: Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Alerta!
O último Sentinela, do total de 66 exemplares que editou, saiu em setembro de 1835, em Recife. Foram doze anos do denominado jornalismo do cárcere, como é conhecida sua atuação como jornalista. O médico Bezerra de Menezes, tema de filme espírita em 2008, dirigiu um Sentinela da Liberdade, no Rio de Janeiro.
Além do seu estilo doutrinário, panfletário, o jornal de Cipriano Barata era também noticioso e satírico, em linguagem simples, direta, acessível. Trazia notícias internacionais da França, Inglaterra, Espanha, Portugal, a Santa Aliança (união de reinados na Europa para manter o absolutismo), Américas, com destaque para México, Argentina, Peru e Paraguai, além de notícias nacionais, das províncias e locais, na Bahia e Pernambuco, com referências a roubos, carestia, hospitais sem aparelhagem. Um amplo painel do cotidiano, portanto. Quem não gostaria de saber como chegavam à sua “redação”, nas masmorras em que o encarceravam, todas essas informações, principalmente as internacionais, numa época de tão precárias comunicações?
“A imprensa é a deusa tutelar da espécie humana”, exaltava-se Cipriano.
No primeiro número, a dedicatória é à Bahia. No editorial, dizia a que veio o jornal: “clarear idéias, dar luzes aos leitores, combater erros, lembrar o bem público, repreender os abusos do poder e de seus empregados e atirar flechas ervadas contra os servis aristocratas. Nunca perdoar o despotismo e a tirania. Não receberei anúncios sobre vendas de escravos porque minha gazeta não é leilão nem capitão do mato”.
Dava voz aos leitores: mantinha uma seção de Carta de Leitor.
Quem, além de Cypriano Jozé Barata de Almeida, era com “z” que se escrevia, pode ser considerado o maior jornalista brasileiro de todos os tempos?
Proclamava-se escritor liberal “que açoita a tirania e defende a pátria”.
Considerava-se idólatra da liberdade. “Ainda mesmo de pulsos arrochados, desafio desgraças sanguinosas – dizia em um de seus versos – mordo os ferros, altivo ranjo os dentes, desafio o tirano mais potente”. Cipriano, heroi que não espera que lhe concedam a liberdade, arrebata-a.
Segundo Marco Morel, várias redes de comunicação, dentro das tais condições precárias da época, espalharam-se pelo país recém-independente e uma delas era justamente a dos Liberais Exaltados, como Cipriano. Do outro lado estavam os Moderados, na verdade absolutistas, áulicos do poder. O toque curioso, de acordo com o historiador Marco Morel, fica por conta de um grupo de exilados que, em 1825, publicou na Inglaterra o “Sentinela da Liberdade do Brasil na Guarita de Londres, Alerta!” como suplemento do Sunday Times.
O jornalismo de Cipriano era dirigido para sua intransigente luta contra o domínio português, pela liberdade, em favor da sua gente do Brasil – pobres, oprimidos, negros, índios, mulatos, mestiços, mamelucos. Cipriano era o tipo do ser cheio de energia que não se dobra a nenhuma espécie de cativeiro ou exercício de domínio sobre as pessoas. “Somos todos brasileiros e formamos um só corpo e povo de irmãos livres” – bradava ele. O historiador Pedro Calmon o vê como um dos grandes seres que passara pela Terra.
José Bonifácio de Andrada e Silva, oficialmente o Patriarca da Independência, migrou de suas ideias iniciais de defesa e liberdade para o Brasil e passou para o outro lado, o do absolutismo português em nossa terra. Abrigou-se na comodidade, segurança e benesses da Corte, esqueceu as correntes que o haviam prendido junto com Cipriano quando D. Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte, perseguiu e até dizimou fisicamente os que antes defendia. Perseguiu e mandou prender ou matar Cipriano, tanto faz. Desapareceu da cena política pós-independência.
O Rio de Janeiro de José Bonifácio, ministro da economia de D. Pedro I, segundo Cipriano: “O Rio de Janeiro apresentava o aspecto medonho de Roma, ao tempo de Mário e Scila, debaixo da vingança e fúria do nosso ditador José Bonifácio”.
Cipriano saiu provisoriamente da prisão em 25 de setembro de l830, depois de 7 anos de masmorras e uma longa queda-de-braço entre a centralização do Poder Executivo Imperial e o Legislativo e Judiciário. A Justiça mandava soltar e a Corte não obedecia. Depois dessa soltura provisória, voltaria a habitar as masmorras por mais 4 anos.
Se ainda há no Brasil algum campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência, talvez um filme ou uma minissérie para TV será feita sobre a vida de Cipriano Barata. O politizado Valter Avancini faria pelo menos uma brilhante minissérie. O final de uma novela dessas não pode ser outro senão a cena grandiosa de sua recepção pela multidão na Praça XV, no Rio de Janeiro, quando ganhou a liberdade.
Os deputados Antonio Pereira Rebouças e Muniz Barreto haviam feito pronunciamentos na Câmara em defesa da libertação de Cipriano, num dos muitos episódios de longos anos da luta por sua soltura. Dois dias depois, em 25 de setembro de 1830, uma aglomeração concentrava-se no Cais Pharoux (atual Praça XV), à espera de Cipriano, que viria de barco da Fortaleza de Santa Cruz, situada na Baía de Guanabara.
Imaginemos o delírio da cena final na telinha colorida da TV, ou no cinema, descrita com detalhes pelo jornal “Nova Luz Brazileira”: Era um “numeroso concurso de cidadãos que o esperavam em diversos pontos da praia para saudarem o Decano dos Patriotas Brasileiros. Na véspera, já confirmada a libertação de Barata, em muitos pontos da cidade acenderam-se luminárias e na sessão noturna no Teatro São Pedro houve manifestações e vivas ao panfletário baiano”.
“Súbito, um susto, apreensão. A Fortaleza de Santa Cruz, em pleno dia, acendeu suas luzes e fez disparos de canhão. Algum atentado? Ao contrário: era uma homenagem da guarnição ao panfletário baiano, que ali onde estivera preso acabara por fazer amigos e admiradores. Cipriano, envelhecido e alquebrado, os longos cabelos brancos caindo aos ombros, embarca no escaler rumo à praia, o rosto sulcado de rugas”. Tinha 68 anos.
“Novo imprevisto.Violenta ventania sudoeste faz o céu cinzento, as ondas se encrespam, a embarcação sacoleja. Na terra a multidão alvoroçada procurava abrigo do vento. Mas assim como veio, rápida, a tormenta passou – como se fosse apenas mais uma homenagem ao calejado revolucionário. No cais, chapéus e vivas para o ‘Campeão da Liberdade’ que parecia ressuscitar do cárcere. Cipriano encabeçou cortejo pelas principais ruas do Rio de Janeiro, em clima de festa”.
Houve festas em todo o Brasil pela libertação de Cipriano.
Ficou 6 meses livre. Logo meteram-lhe mais quatro anos de masmorras, na Regência. Antes disso, D. Pedro I já o havia encarcerado por 7 anos e condenado à prisão perpétua.
Morreu no dia 1º de junho de 1838, em tempo de cantorias e danças juninas nas ruas da então pequena Natal. Foi sepultado na pequena capela do Senhor Bom Jesus, na capital do Rio Grande do Norte, onde viveu seus últimos dias. Lá, idoso, fundou escolas, foi professor, clinicou. Foi enterrado “com casaca”, segundo a certidão de óbito. De acordo com Marco Morel, seria provavelmente a casaca de algodão da terra, azul, a vestimenta utópica que usava com chapéu de palha, inclusive quando deputado em Lisboa, para espalhar e consolidar suas ideias de pátria brasileira e que o acompanhou para debaixo da terra. Essa seria a origem do nome “farrapos”, segundo o desembargador Paulo Garcia, que também escreveu livro apaixonado sobre Cipriano (A Liberdade Acima de Tudo – Topbooks).
Segundo Paulo Garcia, Cipriano era um liberal autêntico e defendeu intransigentemente os interesses brasileiros contra os dos portugueses. Considerava-se brasileiro, sem qualquer submissão a Portugal. Defendeu a liberdade do homem em toda a sua extensão. De acordo com o historiador Nelson Werneck Sodré, prefaciador de “A Liberdade Acima de Tudo”, poucos fizeram tanto pela nossa Independência quanto esse baiano que, ainda no Brasil Colônia, já conheceria as amarguras do cárcere por sonhar com nossa liberdade política. “Temido pelos déspotas, áulicos e ditadores, fez tremer os inimigos da liberdade e da democracia”, diz o historiador.
Sentinela da Liberdade, segundo Werneck Sodré, foi “uma epopeia da imprensa brasileira… um dos momentos supremos da vida da imprensa brasileira, um dos marcos na luta pela nossa liberdade”.
Hoje já desapareceram os vestígios do túmulo e da capela do Senhor Bom Jesus, onde Cipriano foi sepultado.
Em memória de Cipriano, o Brasil atira apenas a esmola de uma rua com o nome Cipriano Barata no bairro do Ipiranga, em São Paulo, uma em Salvador e outra em Natal. A História oficial o esqueceu. Os destinos dos homens de bem são constrangedores.
Esta minha linguagem, por ser de botequim, de um fôlego só, de paixão, sem profundidade por falta de espaço nem prudência, contraria o jeito de os vencedores escreverem a História oficial, que escondem Cipriano José Barata de Almeida. Alguns o chamam hoje apenas de “agitador político”, como fez Laurentino Gomes. Há que haver audácia para se trazer à tona, para sempre, a memória do baiano Cypriano, campeão da liberdade.
Tanto Cipriano como D. Pedro I morreram em 1838, um aqui, outro na Europa. Se D. Pedro I tivesse alguma coisa ainda a dizer, diria: dominei-o com anos de masmorras e uma prisão perpétua. Se Cipriano tivesse ainda alguma coisa a dizer, diria: e eu o derrubei do trono (quando Cipriano foi para a Bahia após sua libertação, era o emissário da conjura pela abdicação).
Cipriano José Barata de Almeida é tetravô do comediante Agildo Ribeiro.
Em tempo: Sugeri ao cineasta Sérgio Rezende (“Zuzu Angel” e outros 10 filmes) ler “Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade”, do historiador Marco Morel, e estudar a possibilidade de transformar essa história em filme.
- Caro Rezende, você faria um épico nacional, sobre o que considero o maior jornalista que o Brasil já teve! Seria uma história marcante, com barco a vela e até algumas masmorras, aqui e ali, onde D. Pedro I manteve Cypriano a ferros por 7 anos. Mostraria os retumbantes embates pela liberdade do Brasil travados por Cypriano no parlamento de Lisboa, choques tão aguerridos que o jornalista teve de fugir para a Inglaterra. Você faria um filme desses?
- Claro que faria. Faria, sim. (Notei alguma emoção nele).
Estiquei o braço e passei-lhe o meu, o teu, “Sentinela da Liberdade”.
Dei ciência a Marco Morel, que me respondeu sensibilizado (“Um filme assim sobre Cipriano Barata seria uma bela inspiração para a construção de um Brasil melhor!”).
* Apollo Nátali é jornalista e escritor.
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