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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Marcha Virtual Contra a Corrupção no Judiciário



No dia em que o Brasil comemora 122 anos da Proclamação da República e estão programadas marchas contra a corrupção em várias cidades do País, o Abra a Boca, Cidadão! comemorará a data dando continuidade a uma espécie de Marcha Virtual Contra a Corrupção no Judiciário, que já vem promovendo há meses, publicando conteúdo que trata desta questão gravíssima: a corrupção no mais fechado, arcaico, elitista e antidemocrático dos poderes da República.


As marchas contra a corrupção que têm acontecido por todo o Brasil costumam concentrar sua artilharia nos poderes Legislativo e Executivo, no plano federal, "esquecendo-se" do Poder Judiciário e dos legislativos e executivos estaduais e municipais.


Aqui no ABC!, não! Já há muitos meses vimos tratando quase que diariamente das mazelas do Judiciário, até porque não tem sentido corrupção justamente no poder criado para coibir crimes e ilegalidades.


Para nos trazer inspiração, novamente posto a imagem do símbolo maior da Justiça, a deusa Têmis, iluminada nos céus de Brasília, num dia ensolarado. É assim que queremos a Justiça brasileira, iluminada, em todos os tribunais, varas, fóruns, juizados... em todas as instâncias, democratizada, aberta, escancarada, moralizada.


Uma Justiça de costas para os interesses mesquinhos e inconfessáveis e de braços abertos ao Povo Brasileiro, numa República Proclamada e Implementada, num verdadeiro Estado Democrático de Direito.


A seguir, "melhores momentos" de entrevista do jurista e professor Miguel Reale Júnior à revista Época, em 2006, antes da implantação do CNJ, órgão que corre o risco de virar um enfeite nas próximas semanas, como vimos denunciando aqui no ABC!

Juízes sob controle

Jurista culpa advogados por parte da corrupção nos tribunais e acredita que só reforma pode resgatar imagem do Judiciário no país

LEANDRO LOYOLA

O jurista Miguel Reale Júnior é extremamente crítico em relação ao mundo do Direito. Advogado criminalista e ex-ministro da Justiça, ele acredita que os recentes escândalos mostram que o Judiciário precisa passar por uma reforma geral, que institua o controle externo sobre os juízes e também sobre seus colegas advogados - classificados por ele como um elo fundamental da corrupção do Judiciário. Reale Júnior acredita também que a Justiça não chega a quem precisa, que é lenta e derrapa quando tenta ser ágil. Vê também o Ministério Público tomado pela vaidade de alguns promotores. Quando passa às soluções, muda de tom e mostra até otimismo. Acha que um quadro tão ruim cria as condições perfeitas para que seja feita uma necessária reforma geral na estrutura e no funcionamento do Poder Judiciário no país. A seguir, ele expõe suas idéias.

MIGUEL REALE JÚNIOR
Roberto Setton/ÉPOCA

 Advogado criminalista, é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi secretário de Administração do Estado de São Paulo durante o governo Mário Covas e ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso. Tem 67 anos.

ÉPOCA - Os magistrados não gostam nem de ouvir falar em reforma, especialmente em controle externo de sua atividade. Sentem-se tolhidos. Como isso poderia ser feito sem afetar o trabalho do juiz?

Reale Júnior - O Conselho Nacional de Justiça é uma boa idéia. Da maneira como ele está proposto no projeto, com uma maioria de membros do Judiciário, não levaria a nenhuma diminuição da importância do juiz: daria transparência e imparcialidade à apuração das faltas disciplinares. Deveria haver conselhos superiores de Justiça nos Estados e um conselho federal para apurar ações dos membros dos tribunais junto ao Supremo Tribunal Federal. Os conselhos deveriam ser compostos de membros do MP, de advogados, além de pessoas indicadas pelo Congresso e pelas Assembléias Legislativas. Por outro lado, o Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deveria ter magistrados e advogados. Tem de ser uma via de mão dupla: se os advogados requerem participação nos órgãos de controle da magistratura e do Ministério Público, deve haver representação da magistratura e do Ministério Público na comissão de ética dos advogados.


ÉPOCA - Nunca se viram tantas denúncias de corrupção no Judiciário. Mesmo assim, os juízes resistem ao controle externo. Por quê?

Reale Júnior - Porque os juízes não perceberam quanto cresceriam se existisse o controle externo. Eles teriam transparência, autoridade e não seriam acusados de corporativismo. Se houvesse desconfiança, haveria mecanismos para afrontar essa desconfiança. Acho que isso não é nenhuma diminuição.
Quem tem poder tem de estar sob controle.

ÉPOCA - O senhor acha que eles aceitariam esse modelo? 

Reale Júnior -Tem de haver mudança na mentalidade do Judiciário. A reforma tem de começar, a meu ver, pela quebra dessa estrutura encastelada, dessa visão clânica dos juízes. Deve mexer com a forma de escolha dos juízes: ela não deve ser feita apenas pelo saber dos manuais de Direito de segunda linha que pululam pelo país, que são objeto de elaboração de perguntas de concursos para a magistratura. É preciso dar mais atenção à teoria geral do Direito, à filosofia do Direito, à sociologia do Direito. O problema maior é nesse campo: os juízes não têm esse conhecimento. O nível caiu muito. O juiz hoje é um especialista de manuais porque os bacharéis são assim, as faculdades têm formado gente assim. O juiz não pode apenas fazer concurso. É fundamental que ele tenha, a meu ver, um tempo anterior de prática na área jurídica, como advogado, promotor, defensor público, para sentir o que é a defesa dos interesses desatendidos pretendidos à Justiça. Até para baixar um pouco a crista do jovem, sabedor dos alfarrábios, que acaba de assumir o posto de juiz. Seria interessante que os juízes aprovados num primeiro concurso fizessem um curso de juiz, como acontece com os diplomatas no Itamaraty. Para quebrar a noção de que o juiz é Deus. Especialmente os jovens têm essa arrogância de ditar a justiça. Ao longo do tempo, o juiz vai vendo que também está sujeito a problemas, e vai quebrando a sensação de onipotência. Isso é fundamental.


ÉPOCA - Esta formação ruim contribui para a corrupção?

Reale Júnior - Também, mas não é só isso. O clima espiritual de nosso tempo, de consumismo desenfreado, a constante convicção da impunidade no Brasil, apesar de tantos escândalos denunciados e apurados, contribuem mais. Está sendo esquecido também o problema dos advogados.
Onde existe juiz corrupto, existe um advogado corruptor. Deve haver uma atuação mais rígida da OAB nesse campo. O exame de ingresso na ordem tem de ser cada vez mais rigoroso para barrar essas coisas. A reforma do Judiciário tem de passar por isso também.

ÉPOCA - Falta firmeza da OAB para lidar com os advogados bandidos?

Reale Júnior - Em alguns casos, sim. O rigor tem de ser exemplar na apuração e na aplicação das punições. O advogado é, sem dúvida nenhuma, o nascedouro do processo de corrupção do Judiciário. A parte interessada não tem acesso fácil ao juiz corrupto. A ligação ao juiz corrupto, ao policial corrupto se faz sempre por meio do advogado corrupto.

ÉPOCA - Alguns advogados foram presos por colaborar com traficantes. O que o senhor acha de estabelecer maior controle sobre o acesso dos advogados aos clientes presos?

Reale Júnior - Algumas medidas podem ser tomadas. Não dá para gravar a conversa entre o advogado e o cliente, por exemplo. Mas que o advogado deve passar por detector de metais, ser revistado, não há dúvida. Eu não vejo mal algum nisso. Eu viajo de avião e passo pelo detector de metais. Vou me arrogar a condição de advogado para não passar no controle de bagagem? Não.


ÉPOCA - É legítimo um advogado receber dinheiro sujo de traficantes?

Reale Júnior - Ele deve se resguardar para receber seus honorários de fonte legítima. Ele não precisa estudar de onde vem o dinheiro, mas tem de dar recibo e declarar no Imposto de Renda. Tem de ter transparência, mas não precisa investigar de onde veio o dinheiro, senão não há lógica comercial que resista. Se fosse assim, um sujeito acusado de corrupção não poderia comprar um tubo de pasta de dente no supermercado. Advocacia é uma prestação de serviço. Se fosse assim, um dentista também não poderia receber honorários de um corrupto. O que ele não pode é deixar de dar recibo, nem cobrar menos por fora.

(...)
ÉPOCA - A Justiça brasileira é lenta demais. Dar mais velocidade a ela não deveria ser a prioridade da reforma do Judiciário?

Reale Júnior - Tenho dúvidas de que a celeridade deva ser o principal valor da reforma. A meu ver, nada pior que a injustiça célere. Tentou-se fazer uma justiça célere através dos juizados especiais criminais, mas tem sido um desastre.
Vou contar uma história: uma senhora ficou presa na porta giratória do banco e fez um boletim de ocorrência de constrangimento ilegal. O banco mandou uma estagiária à delegacia para verificar. Tempo depois, ela foi convocada para ir ao tribunal como se fosse autora do fato! Amedrontada, ela aceitou imposição de pagamento de cestas básicas e a proibição de sair da cidade por determinado prazo! O promotor mal leu os autos: pegou o primeiro nome que viu e convocou para tentar um acordo, para terminar logo o processo e esvaziar a prateleira! Em geral, essa rapidez tem significado injustiça, não justiça. O problema não é só acelerar os processos de quem tem acesso à Justiça, é levar a Justiça à maioria da população que não tem acesso a ela.

ÉPOCA - Mas como fazer isso se a maioria não tem nem noção de como recorrer à Justiça?

Reale Júnior - Um caminho é implantar ouvidorias populares. Na periferia de São Paulo existem quatro Centros Integrados de Cidadania, onde ficam juízes, delegados e policiais para atender a população. Eles funcionam muito bem. Um magistrado que eu conheço foi designado para um desses centros. No começo ele disse que não trabalharia lá porque não tinha tapete vermelho e estrado para sua mesa, como manda o regimento. O responsável pela obra pediu 15 dias para providenciar. Durante os 15 dias ele percebeu que, se tivesse tapete vermelho e estrado, ninguém entraria lá. Ele estava com a idéia errada, de solenidade, de distância do povo.
Aproximar-se do povo, rasgar os tapetes vermelhos e jogar fora os estrados é o que falta para a Justiça brasileira.

Época



Os destaques são do ABC!


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