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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Dilma na Folha: estratégia ou culto de vassalagem?

"Lutar com palavras, é a luta mais vã. Entanto lutamos, mal rompe a manhã..."

                                                    Carlos Drummond de Andrade


As autoridades máximas dos três poderes da República, acompanhadas por um séquito de ministros de Estado, deputados, senadores, sem contar as "cartas fora do baralho", ex-isso e ex-aquilo, mediocridades e nulidades políticas, todos foram garbosamente prestigiar na última segunda-feira a comemoração dos 90 anos "daquele jornal"...

Aquele, que apoiou a ditadura, que fez campanha eleitoral suja e descarada a favor do candidato tucano na recente eleição presidencial, com direito até a publicação de ficha falsa da "terrorista Dilma Vana Rousseff", e que é considerado por alguns papas do jornalismo brasileiro um dos baluartes do PIG - Partido da Imprensa Golpista.

Antes até do fato consumado, lendo logo cedo a agenda da presidenta na segunda-feira, manifestei aqui opinião a respeito, sugerindo que Dilma mandasse algum representante na festa do que chamei de "serpentário político-midiático".

Em três posts anteriores tratei deste episódio no mínimo preocupante.

Hoje, passada a indignação inicial, mas ainda um tanto aborrecida e desanimada, consigo esboçar aqui apenas algumas indagações, que serão respondidas pelo tempo.

Com suas presenças na tal festa, suas excelências deram respaldo ao apoio e à colaboração do jornal às atrocidades cometidas pela ditadura militar? Com seu comparecimento, minimizaram a sórdida e imunda campanha eleitoral recente, na qual o dito jornal teve posição de vanguarda, chamando a hoje presidenta de terrorista, ladra, abortista, vagabunda?

A presença de suas excelências na cerimônia, sobretudo a da presidenta da República, representa capitulação ao Quarto e Real Poder? Significa um triste, amargo e deplorável culto de vassalagem aos verdadeiros soberanos do País? Ou pode (e deve) ser entendida como estratégia, uma manobra tática numa guerra suja, ditada pela sagacidade, pela razão e pela análise criteriosa do inimigo?

Continuo a confiar na presidenta Dilma, na sua história de vida e nos seus compromissos com o povo brasileiro. E não ignoro que a política "tem dessas coisas", e que como presidenta da República é "adequado" que ela compareça a este tipo de festividade. Mesmo contra sua vontade.

Mas a confiança que tenho na presidenta não me cega, a ponto de impedir a sensação de estranhamento diante de algumas afirmações de seu discurso, a ponto de desconsiderar a louvação do jornal e de seu fundador feita em algumas linhas.

Precisava chegar a tanto?

Ontem postei o discurso integral de Dilma na Festa da Folha. Agora publico o trecho em que a presidenta tece loas, debulha elogios ao jornal e seu fundador. Em seguida reproduzo um Editorial, encontrado no Blog do Mello, escrito pelo sr. Octavio Frias nos anos 70, onde ele manifesta o que pensava sobre o governo ditatorial e sobre Dilma e seus companheiros de luta na derrubada do regime de exceção que oprimia a todos nós.


Presidenta Dilma:

(...) Este evento é também uma homenagem à obra e ao legado de um grande empresário. Um homem que é referência para toda a imprensa brasileira. Octavio Frias de Oliveira foi um exemplo de jornalismo dinâmico e inovador. Trabalhador desde os 14 anos de idade, Octavio Frias transformou a Folha de S. Paulo em um dos jornais mais importantes do nosso país. E foi responsável por revolucionar a forma de se fazer jornalismo no nosso Brasil.


Sr. Octavio Frias, Editorial do dia 22 de setembro de 1971:


Banditismo


A sanha assassina do terrorismo voltou-se contra nós.

Dois carros deste jornal, quando procediam ontem à rotineira entrega de nossas edições, foram assaltados, incendiados e parcialmente destruídos por um bando de criminosos, que afirmaram estar assim agindo em "represália" a notícias e comentários estampados em nossas páginas.

Que notícias e que comentários? Os relativos ao desbaratamento das organizações terroristas, e especialmente à morte recente de um de seus mais notórios cabeças, o ex-capitão Lamarca.

Nada temos a acrescentar ou a tirar ao que publicamos.

Não distinguimos o terrorismo do banditismo. Não há causa que justifique assaltos, assassínios e seqüestros, muitos deles praticados com requintes de crueldade.

Quanto aos terroristas, não podemos deixar de caracterizá-los como marginais. O pior tipo de marginais: os que se marginalizam por vontade própria. Os que procuram disfarçar sua marginalidade sob o rotulo de idealismo político. Os que não hesitaram, pelo exemplo e pelo aliciamento, em lançar na perdição muitos jovens, iludidos, estes sim, na sua ingenuidade ou no seu idealismo.

Desmoralizadas e desarticuladas, as organizações subversivas encontram-se nos estertores da agonia.

Da opinião pública, o terror só recebe repúdio. É tão visceralmente contrário às nossas tradições, à nossa formação e à nossa índole, que suas ações são energicamente repelidas pelos brasileiros e por todos quantos vivem neste país.

As ameaças e os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta.

Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve.

E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama.

O Brasil de nossos dias é um país que deseja e precisa permanecer em paz, para que possa continuar a progredir. Um país onde o ódio não viceja, nem há condições para que a violência crie raízes.

Um país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da Imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma Imprensa que os remanescentes do terror querem golpear.

Porque, na verdade, procurando atingir-nos, a subversão visa atingir não apenas este jornal, mas toda a Imprensa deste país, que a desmascara e denuncia seus crimes.


(Destaques meus)






4 comentários:

  1. Gente, vocês enxergam com o fígado. Este ano será um ano difícil para Dilma, e ela está iniciando a confecção de imagem dela e do governo. Ela não pode passar a imagem de perseguidora e intransigente, pois ao contrário, farão de Serra o bonzinho que substituirá a sargentona. Hà pessoas de qualidade fazendo o trabalho de marketing dela. O governo precisa de fôlego em um ano de pouco crescimento e início das mudanças na cultura política do país. Nâo dá pra ficar brigando com todo mundo, de Eduardo Cunha a Estadão. Nem Lula brigou! E mesmo sem brigar, transformou o Brasil! Quase perdemos a eleição por sectarismo. Dilma é a presidente da República e demonstrou grandeza, mas está matando esta mesma FALHA DE SÃO PAULO com a banda larga popular e os futuros Ipades populares. Fiquem tranquilos, quem nunca mudou de lado não mudará agora.

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  2. Eu não estou "intranquila", Joel. Estou vigilante. A cidadania requer isto. Em todos os níveis e em todas as esferas. Deixei muito claro no texto que entendo que a política "tem dessas coisas" e que continuo confiando na presidenta. Mas... não nasci ontem. Não existem apenas dois extremos num posicionamento: não ir e ir "integralmente". Ela poderia ter defendido a liberdade de imprensa, claro. Nem se imaginava que pudesse afirmar o contrário... Mas não precisava desfiar elogios ao jornal e seu fundador. Essas referências poderiam ser omitidas, "esquecidas"... Acabou de ser publicado no portal do Estadão um editorial elogiando, comemorando o discurso de Dilma... No encontro de governadores do Nordeste Dilma deu uma "bronca pública" em sua assessoria, que a informou erroneamente sobre o nome de uma cidade nordestina, o que criou um constrangimento para ela. Quem sabe a presidenta também não precise dar um puxão de orelha em quem escreveu o discurso dela?!...

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  3. Prezada Sonia, concordo com o Joel! Sua crítica tem todo o fundamento, mas me recuso a acreditar que uma mulher com a história e personalidade de Dilma se submeteria a algo contra a sua convicção. Além do mais, acredito que foi uma boa estratégia de marketing. Li um comentário no Amigos do Presidente Lula, que ao invés de uma foto do Alckmin na capa, os leitores da Folha viram uma foto de Dilma.
    Dilma Rousseff, ao contrário da maioria de seus opositores, tem um perfil altamente elegante e diplomático. Ela não se iguala a eles em suas atitudes. Isso não significa que abrirá mão de suas convicções.
    PS. Desculpe o sumiço, tenho trabalhado muito mas não deixo de passar por aqui e checar suas ótimas análises. Abraços ;)

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  4. Eu reitero: continuo confiando na presidenta Dilma. E acredito que ela honrará sua história de vida. Trabalho também com a possibilidade de estratégia política. Mas minha posição aqui no blog é levantar questionamentos, fazer indagações, provocar debates e reflexões, promover o pluralismo de pontos de vista. Daí a indagação provocativa no título do post. Dilma não tem perfil de "vassala" ou algo assim. Pelo contrário. É guerreira e guerrilheira. E hoje, 40 anos depois, as "armas" são outras. Mas continuo achando lamentável o enaltecimento que ela fez do jornal e de seu fundador... Não era preciso isso. Abraços e obrigada pela companhia.

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