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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A surreal magistratura brasileira

Rir pra não chorar... 


Juiz de Direito diz que homem que mata a mulher não é perigoso, porque ele quis matar "só" a mulher dele...

Juiz de Direito José Armando da Silveira, da vara do Tribunal do Júri de Juiz de Fora, em entrevista à TV Panorama, domingo, 31/7/2011


EXTREMO ABSURDO

A entrevista foi anunciada para discutir a nova Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, que modificou o Código de Processo Penal no atinente à prisão processual, fiança, liberdade provisória, medidas cautelares, etc.

Como todo cidadão de bom senso, aprovo a lei, não só por se tratar de um mecanismo legal de "civilizar" as nossas prisões, como também tornar a pena privativa de liberdade como uma solução para a violência e não um estímulo como é aplicada até o momento, sendo usada a torto e a direito, principalmente contra os pobres deste país.

O que vemos hoje? Pessoas presas por serem pobres e negras. É o primeiro requisito. O motivo, o "crime" vem depois. Diante desse quadro de injustiça, ficamos esperançosos com a nova lei, de que ela possa estancar tanta injustiça com nossa população mais carente.

Daí que, não só eu, mas outras pessoas que assistiram ao programa, ficamos "em choque" ao ouvirmos um juiz de Direito citar como exemplo, num canal de televisão, que a lei liberaria o acusado que matou a mulher porque ele não é perigoso, ele "só" matou a mulher... (completo acima).

Os únicos que a lei não deveria atingir seriam os que tiram a vida, os que matam, seja por quaisquer razões. Sempre pensei que deveria haver um artigo, uma lei, um tratamento, seja o que for, específico, para quem mata. Nenhuma razão, nenhum motivo (torpe ou não) deveria liberar o assassino do cumprimento da sua pena. Por quê? Por causa do exemplo.

Esta é a minha posição: prisão só para quem mata, porque uma vez tirando a vida, comete-se o mais irredutível e covarde dos crimes.

E, no entanto, vem esse juiz dar um péssimo exemplo para a população, neste país onde dezenas de milhares de mulheres são mortas todos os anos por seus maridos ou companheiros, ao dizer que homens que matam suas mulheres não são perigosos, que esses assassinos estão entre os que a lei protege, porque eles "só" matam suas mulheres, não matam a mulher do vizinho.

Não, é surreal! Belisquei-me para acreditar que ouvia tal absurdo.


Significa, então, que essa é a posição do Judiciário?

Um juiz de direito, um representante do Judiciário, com essa declaração absurda, enviou um recado aos homens: você tem direito de matar a "sua" mulher.

Está explicada a matança de mulheres neste país.

O Judiciário é o maior responsável.

Como na frase do pensador polonês S. Jerzy Lec: "Todos somos iguais perante a lei, mas não perante os encarregados de fazê-la cumprir."


Comentário de Vera Vassouras:

Não observo qualquer absurdo no depoimento do juiz. Afinal, não são os Tribunais de todo o mundo demo-crático os autores de assassinatos "seletivos" aos quais se dá o nome de "sentenças", "decisões", "justiça"? Um dia, as viúvas, os órfãos, os despossuídos, os marginalizados, os ofendidos, enfim, a memória dos assassinatos produzidos pelo Judiciário estarão tão evidentes que os cegos não poderão mais fingir que não vêem, os surdos, que não ouvem, e os humanos, que não sentem (lá no fundo da alma) essa barbárie orientada ao direito de matar os mais frágeis. Enfim, o Judiciário mata, afirmando cumprir a lei e os Estados produzem genocídios generalizados, inclusive por meio de guerras, afirmando cumprir "determinações judiciais". A Instituição é assassina desde as origens. Afirmei: desde as origens. Quem tenha olhos, que veja!

Vera Vassouras é Mestra em Filosofia do Direito pela USP, advogada, professora universitária, tradutora, escritora, autora do livro O mito da igualdade jurídica - notas críticas sobre a igualdade formal.


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Jobim: um estranho no ninho

Primeiro de Janeiro de 2011.

Posse de Dilma Rousseff como Primeira Mulher Presidente da República Federativa do Brasil.

A fisionomia da presidenta empossando o ministro da Defesa, indicado por Lula, já não mostrava contentamento. Na presidenta é visível até uma certa contrariedade...

                                                                      Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Sete meses depois... o americanófilo ministro bate asas de volta ao ninho tucano. Por pressão de Dilma (veja posts de ontem), o ministro entregou carta de demissão.

Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores no governo Lula, assume o Ministério da Defesa, provocando insatisfação em setores das Forças Armadas.

Vamos acompanhar aqui como a brava presidenta Dilma Rousseff administrará esse momento de faxina geral e desatará esse nó criado com os militares.

Por enquanto, comemoremos a defenestração do deselegante falastrão.

Manda quem pode. Obedece quem tem juízo...

Já vai tarde, Jobim!


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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Até que enfim: Fora, Jobim !!!

Aleluia !!! Aleluia !!!

Jobim desaba !!! 

Nelson Jobim acaba de ser defenestrado do Ministério da Defesa pela presidenta Dilma Rousseff. 

"Ou você pede para sair ou eu saio com você!", foi o ultimato de Dilma hoje à tarde. Jobim acabou de entregar uma carta de demissão à presidenta. Celso Amorim é o novo ministro da Defesa.

Demorou, mas chegou a hora do ministro bater asas de volta ao ninho tucano de onde nunca deveria ter saído.


 
Já vai tarde, Tarzã ridículo e grosseirão !!!


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Dilma pra Jobim: "Ou sai ou sai"

"Ou você pede para sair ou eu saio com você!..."

Esse teria sido o ultimato dado hoje pela presidenta Dilma Rousseff, por telefone, ao ministro da Defesa Nelson Jobim, que neste momento está voltando a Brasília vindo da Amazônia, segundo a Agência Estado.


                                                                                                      AE

É iminente a queda do ministro grosseirão, que deverá ainda esta noite bater asas em direção ao ninho tucano, de onde nunca deveria ter saído.

Aguardemos o epílogo desse pastelão de quinta categoria...



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Faxina geral no Planalto: Fora, Jobim!!!

As possibilidades são grandes: a presidenta Dilma Rousseff, que anda visivelmente contrariada com o estrelismo-língua-solta do ministro da Defesa Nelson Jobim, pode demiti-lo nas próximas horas.

O arquitucano e serrista Nélson Jobim, que vem soltando a língua e criticando o governo em várias oportunidades, produziu mais uma "pérola", em entrevista à revista Piauí. Desta vez, atacando deselegantemente suas colegas de ministério, as ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann. Leia abaixo.

Pode ser a gota d' água que faltava no imenso balde de paciência da presidenta.

Aqui pedimos "faxina geral", presidenta Dilma, e entoamos o coro dos descontentes: Fora, Jobim!!!


Dilma avalia saída de Jobim após declarações polêmicas

Ministro da Defesa chama Ideli de 'fraquinha', diz que Gleisi 'não conhece Brasília' e que governo é 'atrapalhado'



A presidenta

Nova entrevista reacendeu discussões sobre permanência do ministro
Dilma Rousseff vai avaliar ao longo desta manhã se mantém ou não Nelson Jobim no cargo de ministro da Defesa. Em uma entrevista à Revista Piauí, Jobim chama o governo Dilma de "atrapalhado", diz que a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, é "fraquinha", e que Gleisi Hoffmann, ministra-chefe da Casa Civil, "não conhece Brasília".
Se a presidente decidir mesmo antecipar a demissão de Jobim, um dos nomes cotados é o do atual ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo.
Por conta de outras declarações, Jobim já estava na lista dos auxiliares de Dilma que ela deve tirar do governo na primeira reforma ministerial, no final deste ano ou no início de 2012. Agora, com a entrevista à Piauí, que chega amanhã às bancas, a presidente pode decidir pela demissão imediata de Jobim, desistindo da ideia de não mexer no governo enquanto não assentar a poeira da base aliada levantada pela crise política no Ministério dos Transportes, no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e na estatal Valec.
O ministro viajou ontem à noite para São Gabriel da Cachoeira (AM). Hoje de manhã, ele partiu para Tabatinga (AM), onde, ao lado do vice-presidente da República, Michel Temer, assina um plano de vigilância de fronteiras entre Brasil e Colômbia.
Pela agenda oficial, Jobim deixa a base do Cachimbo (AM) às 20h30, devendo chegar a Brasília perto da meia-noite.
Em recente entrevista concedida ao programa "Poder e Política", veiculado pelos portais do jornal Folha de S. Paulo e UOL, Jobim criou incomodo no Planalto ao fazer questão de revelar que, nas eleições do ano passado, votou no candidato tucano José Serra, o adversário da candidata vencedora, Dilma Rousseff.


Portal iG

Doutores sem doutorado

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem auferindo vários títulos de Doutor Honoris Causa Brasil afora e também no exterior. No início deste ano, na tradicionalíssima Universidade de Coimbra. Muitos mais virão, pois há várias universidades brasileiras e estrangeiras querendo homenagear o grande estadista.

Os títulos atribuídos ao ex-presidente Lula são um reconhecimento público por sua contribuição à sociedade nos campos da política e do ativismo social em prol dos desvalidos. Portanto, pode torcer o nariz a elite besta e ignorante do País: DOUTOR Lula, sim senhor!

O mesmo não se pode dizer desse bando de bachareis despejados na sociedade o tempo todo, uma boa parte diplomada em péssimas faculdadezinhas de fundo de quintal, que se arvoram no direito de serem chamados de doutores. E o que dizer dos representantes da "advocacia de esgoto", que até conseguiram um registro da OAB, mas atuam como chicaneiros, trapaceiros e bandidos, emporcalhando uma profissão tão nobre... Doutores e doutoras, sim. Mas em safadeza, canalhice, bandidagem.

Abaixo, esclarecedor artigo do jurista Marco Antônio Ribeiro Tura.




Doutor é quem faz doutorado


No momento em que nós do Ministério Público da União nos preparamos para atuar contra diversas instituições de ensino superior por conta do número mínimo de mestres e doutores, eis que surge (das cinzas) a velha arenga de que o formado em Direito é Doutor. 

A história, que, como boa mentira, muda a todo instante seus elementos, volta à moda. Agora não como resultado de ato de Dona Maria, a Pia, mas como consequência do decreto de D. Pedro I. 

Fui advogado durante muitos anos antes de ingressar no Ministério Público. Há quase vinte anos sou Professor de Direito. E desde sempre vejo "docentes" e "profissionais" venderem essa balela para os pobres coitados dos alunos. 

Quando coordenador de Curso tive o desprazer de chamar a atenção de (in) docentes que mentiam aos alunos dessa maneira. Eu lhes disse, inclusive, que, em vez de espalharem mentiras ouvidas de outros, melhor seria ensinarem seus alunos a escreverem, mas que essa minha esperança não se concretizaria porque nem mesmo eles sabiam escrever. 

Pois bem! 

Naquela época, a história que se contava era a seguinte: Dona Maria, a Pia, havia "baixado um alvará" pelo qual os advogados portugueses teriam de ser tratados como doutores nas Cortes Brasileiras. Então, por uma "lógica" das mais obtusas, todos os bacharéis do Brasil, magicamente, passaram a ser Doutores. Não é necessária muita inteligência para perceber os erros desse raciocínio. Mas como muita gente pode pensar como um ex-aluno meu, melhor desenvolver o pensamento (dizia meu jovem aluno: "o senhor é Advogado; pra que fazer Doutorado de novo, professor?"). 

1) Desde já saibamos que Dona Maria, de Pia nada tinha. Era Louca mesmo! E assim era chamada pelo Povo: Dona Maria, a Louca! 

2) Em seguida, tenhamos claro que o tão falado alvará jamais existiu. Em 2000, o Senado Federal presenteou-me com mídias digitais contendo a coleção completa dos atos normativos desde a Colônia (mais de quinhentos anos de história normativa). Não se encontra nada sobre advogados, bacharéis, dona Maria, etc. Para quem quiser, a consulta hoje pode ser feita pela Internet. 

3) Mas digamos que o tal alvará existisse e que dona Maria não fosse tão louca assim e que o povo fosse simplesmente maledicente. Prestem atenção no que era divulgado: os advogados portugueses deveriam ser tratados como doutores perante as Cortes Brasileiras. Advogados e não quaisquer bacharéis. Portugueses e não quaisquer nacionais. Nas Cortes Brasileiras e só! Se você, portanto, fosse um advogado português em Portugal não seria tratado assim. Se fosse um bacharel (advogado não inscrito no setor competente), ou fosse um juiz ou membro do Ministério Público você não poderia ser tratado assim. E não seria mesmo. Pois os membros da Magistratura e do Ministério Público tinham e têm o tratamento de Excelência (o que muita gente não consegue aprender de jeito nenhum). Os delegados e advogados públicos e privados têm o tratamento de Senhoria. E bacharel, por seu turno, é bacharel; e ponto final! 

4) Continuemos. Leiam a Constituição de 1824 e verão que não há "alvará" como ato normativo. E ainda que houvesse, não teria sentido que alguém, com suas capacidades mentais reduzidas (a Pia Senhora), pudesse editar ato jurídico válido. Para piorar: ainda que existisse, com os limites postos ou não, com o advento da República cairiam todos os modos de tratamento em desacordo com o princípio republicano da vedação do privilégio de casta. Na República vale o mérito. E assim ocorreu com muitos tratamentos de natureza nobiliárquica sem qualquer valor a não ser o valor pessoal (como o brasão de nobreza de minha família italiana que guardo por mero capricho porque nada vale além de um cafezinho e isto se somarmos mais dois reais). 

A coisa foi tão longe à época que fiz questão de provocar meus adversários insistentemente até que a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciou diversas vezes sobre o tema e encerrou o assunto. 

Agora retorna a historieta com ares de renovação, mas com as velhas mentiras de sempre. 

Agora o ato é um "decreto". E o "culpado" é Dom Pedro I (IV em Portugal). 

Mas o enredo é idêntico. E as palavras se aplicam a ele com perfeição. 

Vamos enterrar tudo isso com um só golpe?! 

A Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu nono artigo diz com todas as letras: "Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bachareis formados. Haverá tambem o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes". 

Traduzindo o óbvio. A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel. B) Cumprimento dos requisitos especificados nos Estatutos: Doutor. C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente (hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular). Entendamos de vez: os Estatutos são das respectivas Faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife). A Ordem dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não são acadêmicos) nos anos trinta. 

Senhores. 

Doutor é apenas quem faz Doutorado. E isso vale também para médicos, dentistas, etc. etc.

A tradição faz com que nos chamemos de Doutores. Mas isso não torna Doutor nenhum médico, dentista, veterinário e, mui especialmente, advogados. 

Falo com sossego. 

Afinal, após o meu mestrado, fui aprovado mais de quatro vezes em concursos no Brasil e na Europa e defendi minha tese de Doutorado em Direito Internacional e Integração Econômica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 

Aliás, disse eu: tese de Doutorado! Esse nome não se aplica aos trabalhos de graduação, de especialização e de mestrado. E nenhuma peça judicial pode ser chamada de tese, com decência e honestidade. 

Escrevi mais de trezentos artigos, pareceres (não simples cotas), ensaios e livros. Uma verificação no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pode compravar o que digo. Tudo devidamente publicado no Brasil, na Dinamarca, na Alemanha, na Itália, na França, Suécia, México. Não chamo nenhum destes trabalhos de tese, a não ser minha sofrida tese de Doutorado. 

Após anos como Advogado, eleito para o Instituto dos Advogados Brasileiros (poucos são), tendo ocupado comissões como a de Reforma do Poder Judiciário e de Direito Comunitário e após presidir a Associação Americana de Juristas, resolvi ingressar no Ministério Público da União para atuar especialmente junto à proteção dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores públicos e privados e na defesa dos interesses de toda a Sociedade. E assim o fiz: passei em quarto lugar nacional, terceiro lugar para a região Sul/Sudeste e em primeiro lugar no Estado de São Paulo. Após rápida passagem por Campinas, insisti com o Procurador-Geral em Brasília e fiz questão de vir para Mogi das Cruzes. 

Em nossa Procuradoria, Doutor é só quem tem título acadêmico. Lá está estampado na parede para todos verem. 

E não teve ninguém que reclamasse; porque, aliás, como disse linhas acima, foi a própria Ordem dos Advogados do Brasil quem assim determinou, conforme as decisões seguintes do Tribunal de Ética e Disciplina: Processos: E-3.652/2008; E-3.221/2005; E-2.573/02; E-2067/99; E-1.815/98. 

Em resumo, dizem as decisões acima: não pode e não deve exigir o tratamento de Doutor ou apresentar-se como tal aquele que não possua titulação acadêmica para tanto. 

Como eu costumo matar a cobra e matar bem matada, segue endereço oficial na Internet para consulta sobre a Lei Imperial: 

www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm 

Os profissionais, sejam quais forem, têm de ser respeitados pelo que fazem de bom e não arrogar para si tratamento ao qual não façam jus. Isso vale para todos. Mas para os profissionais do Direito é mais séria a recomendação. 

Afinal, cumprir a lei e concretizar o Direito é nossa função. Respeitemos a lei e o Direito, portanto; estudemos e, aí assim, exijamos o tratamento que conquistarmos. Mas só então. 

PROF. DR. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA , 41 anos, jurista. Membro vitalício do Ministério Público da União. Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Público e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Visitante da Universidade de São Paulo. Ex-presidente da Associação Americana de Juristas, ex-titular do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-titular da Comissão de Reforma do Poder Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil. 


Jus Brasil

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O escriba do templo e a Bolsa Ditadura

Paulo Fonteles Filho responde o artigo “A Bolsa Ditadura não chegou ao Araguaia”, de Elio Gaspari, publicado no jornal Folha de S. Paulo.

Sórdido papel de "escriba do templo"
Paulo Fonteles Filho*

Indicação: Vera Vassouras**




Acabo de ler, em São Geraldo do Araguaia, a coluna “A Bolsa Ditadura não chegou ao Araguaia” do jornalista Elio Gaspari publicada neste domingo (31) na Folha de S. Paulo — um dos mais proeminentes jornalões do país.


O jornalista que há anos tem se dedicado ao tema da repressão política brasileira, já na chamada da matéria revela quais as posições que irá defender submetendo centenas de milhares de brasileiros ao consumo de opiniões estranhas e elitistas. Tudo isso acontece no bojo do debate que vai crescendo na sociedade brasileira sobre a aprovação (ou não), pelo Congresso Nacional, da Comissão da Verdade, instrumento fundamental para a elevação da vida democrática do país.


Particularmente chama a atenção o jocoso termo “Bolsa Ditadura”.


O centro do problema ensejado no título é a crença de que reparação às vítimas da quartelada de 1964 é uma mordomia para aqueles que foram duramente perseguidos pelos estreludos generais de então.


As distorções não correspondem ao conjunto de uma ação governamental mais ampla e politicamente importante, de reconhecimento de que durante todo um período histórico os brasileiros, milhares, foram vítimas de um Estado arbitrário e terrorista. Conteúdo quente em boa letra transforma-se em arma poderosíssima, ensinam os mestres.


No fundo o problema é sempre de reconhecimento. E isso incomoda parcela significativa das nossas elites porque a noção das violações cometidas contra o nosso povo e sua humanidade são tão graves e contundentes que o país não poderá conviver com a impunidade.


Ademais, reconhecimentos “só se podem obter por meio do processo e castigo aos responsáveis”, ensina Juan Mendéz, relator especial da ONU Contra a Tortura.


Talvez, por isso, alguns defendam as “Ditabrandas”, rebaixando as infames câmaras de tortura em cascudos nos meninos travessos brincando de tomar o poder político em dias ensolarados.


O trabalho da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tem revelado ao Brasil o nível do arbítrio perpetrado pelos que comandaram o país por longos vinte e um anos. E isso incomoda, muito.


Incomoda também a verdade como ela é, sem falsificações.


O jornalista Elio Gaspari nos dá um dado estarrecedor do massacre de “cerca de 60 pessoas”, todos guerrilheiros.


Aqui a questão de fundo é a história oficial.


Tal interpretação elimina por completo o entendimento de que a violência perpetrada só atingiu os jovens combatentes que vieram para a Amazônia lutar pelas liberdades e não alcança o que de fato ocorreu pelas matas paraenses, de que os camponeses foram duramente atingidos.


Não sabe o jornalista de que podemos ter mais de centenas de casos de camponeses fuzilados. Há poucos meses no escopo deste trabalho de buscas aos restos mortais dos heróis do Araguaia — no qual participo — coordenado pelo governo federal tivemos a informação de que 17 castanheiros foram destroçados em São João do Araguaia em 1974.


Foi preciso doses cavalares de violência contra os amigos do “Povo da Mata” para que a guerrilha fosse derrotada. Naquele terrível processo os camponeses pobres se tornaram inimigos centrais das leis de segurança nacional.


Com o mesmo conteúdo oficial procura estender aos organizadores da guerrilha, o PCdoB.


Diz, para a catarse dos lobos felpudos da direita brasileira, que o principal dirigente comunista brasileiro dos últimos quarenta anos, João Amazonas, havia covardemente abandonado o seu posto de luta. Assim como Arroyo, principal dirigente militar dos comunistas naquela experiência histórica.


Quando ouço tal destempero fico pensando que nossas elites torceram muito para que Amazonas tivesse sido preso, torturado, retalhado e jogado em vala clandestina para que ninguém o encontrasse como fizeram com o Grabois.


O jornalista parece não se conformar com o fato de Amazonas ter sobrevivido.


Melhor seria se aquele maldito comunista tivesse caído nas mãos da comunidade de informações, não é? Como faria bem ao velhinho bolchevista uma estadia básica na Barão de Mesquita ou na “Casa da Judiaria”, infame câmara de torturas da Base Militar de Xambioá.


Bom, a lógica está desbotada pelo uso sem critérios: matamos moralmente aqueles que não matamos sob tortura. E isso, vai me parecendo coisa de Ustras, Lícios e Curiós, para citar os vivos.

Por acaso agora os representa, Elio Gaspari?


Será por isso que poupas o verdadeiro autor da ação que suspendeu as reparações dos camponeses, o caricato fascista Bolsonaro?


Deves conversar muito com os generais Abreu, Bandeira e Viana Moog através daquelas cartas do além. Foram eles que te pediram para interpretar tão sórdido papel?


Minha mãe, presa e torturada no PIC de Brasília, costuma dizer que os violentos devem tremer no túmulo quando sabem que ministros se misturam ao povo, porque nem ministro, nem presidente deve se misturar à ralé. Ainda mais com camponês amigo de guerrilheiro. Ela, que peitou o estreludo General Bandeira, grávida deste que vos fala aos ouvidos, fez o comentário à época em que o Tarso Genro esteve na pequena São Domingos do Araguaia no ato de reconhecimento aos pobres do Araguaia.


Agora a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, é alvo da graciosidade do pai do Eremildo.


Deve ser porque a gaúcha, que suava em bicas sob o sol amazônico, se comprometeu em ajudar na luta das centenas de lavradores perseguidos do Araguaia e deu, a esses homens e mulheres destes sertões de nacionalidade profunda, a atenção que eles merecem.


Outra coisa, especulo cá com meus botões, é o fato de que Maria do Rosário está determinada em realizar duas coisas, dentre as tantas que sua pasta enseja: entregar às famílias os restos mortais daqueles que tiveram desaparecimentos forçados e a instalação da necessária Comissão Nacional da Verdade.


Se a ministra gaúcha ficasse em gabinete apreciando chimarrão jamais estaria no corolário gracioso dos oficiais porta-vozes de jornalões.


Ademais, os camponeses não precisam das coletas dos samaritanos de plantão, porque isso para eles é perpetuar as humilhações e indignidades.


Os camponeses exigem justiça e reconhecimento.


A patuléia, nesse caso, adquiriu pessoa e postura.



* Paulo Fonteles Filho é pesquisador da Guerrilha do Araguaia.

Nasci nos cárceres da repressão política brasileira e os brutamontes diziam que "Filho desta raça não deve nascer". Sou filho de um ventre rebelde, rubro. Sou comunista desde tenra idade e vou levando na lapela a rosa vermelha da esperança.

** Vera Lúcia Conceição Vassouras é Mestra em Filosofia do Direito, advogada militante, professora universitária, tradutora, escritora, autora do livro O mito da igualdade jurídica no Brasil - notas críticas sobre a igualdade formal.


Publicado originalmente no site Kaos en la Red.

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