Tradutor

quarta-feira, 23 de março de 2011

Cesare Battisti somos todos nós

Podem cortar todas as flores, mas não poderão deter a Primavera. 
                                                                                      Pablo Neruda

Com alguns dias de atraso, reproduzo aqui artigo de Celso Lungaretti, publicado em O Rebate, sobre a ilegalidade da prisão do escritor e ativista italiano Cesare Battisti.

O caso Cesare Battisti, a despeito de suas peculiaridades, que incluem legislação internacional e o contexto político e cultural da Itália, encerra no entanto questões universais.

Perseguições, abuso de poder, incompetência, má fé, injustiças etc., praticados por agentes públicos, "ao arrepio da lei", como diz Lungaretti, podem surpreender, subjugar qualquer cidadão.

Qualquer um de nós pode ser, a qualquer momento, vítima do infame e muitas vezes silencioso arbítrio de servidores públicos.

Alguém duvida?

Mais uma vez, o ABC! manifesta seu apoio ao ativista italiano.

Solidariedade a Cesare Battisti.



Cesare Battisti completa 4 anos como prisioneiro político no Brasil



Hoje é 18 de março, dia em que o escritor Cesare Battisti completa seu quarto ano de prisão injustificada, iníqua e abusiva no Brasil.

Desde o primeiro momento, foi vítima da sanha inquisitorial de quem deveria deixar suas paixões de lado ao vestir a toga... mas não o faz.

Pois, no caso de alguém que levava existência pacífica, regrada e produtiva desde 1981, tendo constituído família e se projetado nas letras, o que cabia, para garantir sua entrega à Itália caso o pedido de extradição fosse julgado procedente, era a colocação em liberdade vigiada. Nada mais.

Assim teriam agido se ele fosse um banqueiro crapuloso qualquer, não um digno e idealista homem de esquerda, a quem a mais repulsiva ultradireita italiana tenta imolar como símbolo de uma pretensa vitória sobre os ideais libertários que sacudiram o mundo em 1968 e anos seguintes. [A última palavra não está dada, podem-se arrancar muitas flores, mas, jamais, impedir a chegada da primavera!]

Evidentemente, quem o estigmatizava para mais facilmente condenar, preferiu a captura desnecessariamente espetaculosa e o confinamento numa  casa dos mortos  brasiliense (a Superintendência da Polícia Federal, horrível depósito de presos no qual permaneceu por mais de um ano, até ser transferido para o bem menos opressivo Centro Penitenciário da Papuda).

Aí, em janeiro de 2009, o então ministro da Justiça Tarso Genro lhe assegurou o direito de residir e trabalhar em paz no Brasil, a salvo da  vendetta  dos neofascistas italianos e do ex-serviçal da Cosa Nostra empenhado em superar os piores deboches de Calígula.

Pela lei e pela jurisprudência brasileiras, era tudo de que Battisti precisava para sair do pesadelo kafkiano em que o atiraram.

Mas, o empenho de dois ministros gritantemente reacionários do Supremo Tribunal Federal fez com que todos os trâmites fossem distorcidos no caso de Cesare.

Nem a produção do mais tendencioso relatório de um ministro do Supremo em todos os tempos foi, contudo, suficiente para tirar a decisão final das mãos de quem sempre a deu no Brasil: o presidente da República.

E Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia do seu governo, reafirmou a soberania nacional, tão vilipendiada pela turba linchadora italiana.

Isto ainda não foi suficiente para o autor do relatório desmoralizado, que, agora no novo papel de presidente do STF, passou a ganhar tempo na esperança de ter êxito numa nova prestidigitação, forçando mais uma virada de mesa legal.

Então, ao invés de libertar de imediato Battisti, que era a única atitude que lhe cabia tomar, preferiu mantê-lo em PRISÃO CLAMOROSAMENTE ILEGAL e, como tal, denunciada por nossos mais eminentes juristas.

Desde janeiro de 2009 Cesare Battisti é vítima de evidente PERSEGUIÇÃO JUDICIAL.

Desde a decisão de Lula, está sendo mantido sob inequívoco SEQUESTRO.

E assim se roubaram quatro anos da vida de um homem, em nome de acontecimentos longínquos e de uma sentença espúria, verdadeiro linchamento togado a que Battisti foi submetido durante o  macartismo à italiana  dos anos de chumbo -- aquele período escabroso da história dessa grande nação, no qual, dentre outras aberrações, as torturas eram acobertadas, as leis retroagiam e as prisões preventivas podiam durar mais de uma década (!).

Como bem disse o Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, Cesare Battisti somos todos nós -- os cidadãos sujeitos a ser privados da liberdade, ao arrepio da lei e desconsiderando a jurisprudência, como consequência do ARBÍTRIO de perseguidores poderosos.

Lembrem-se: os que permanecem cegos, surdos e mudos diante das injustiças que Battisti sofre poderão algum dia debater-se num mesmo labirinto, sem ninguém solidário para lhes apontar a saída.