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quinta-feira, 31 de março de 2011

Zilda Santa: mulher extraordinária

Encerro o Mês da Mulher homenageando a Dra. Zilda Arns Neumann, extraordinária cidadã brasileira, fundadora da Pastoral da Criança e da Pastoral do Idoso. Médica pediatra e sanitarista, morreu em janeiro de 2010, no terremoto do Haiti, quando visitava o país em missão humanitária.





Sabemos que a força propulsora da transformação social está na prática do

maior de todos os mandamentos da Lei de Deus: o Amor, expressado na

solidariedade fraterna, capaz de mover montanhas. "Amar a Deus sobre todas

as coisas e ao próximo como a nós mesmos" significa trabalhar pela inclusão

social, fruto da Justiça; significa não ter preconceitos, aplicar nossos melhores

talentos em favor da vida plena, prioritariamente daqueles que mais

necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade

e misericórdia, sem perder a própria identidade.


Cremos que esta transformação social exige um investimento máximo de

esforços para o desenvolvimento integral das crianças. Este desenvolvimento

começa quando a criança se encontra ainda no ventre sagrado da sua mãe. As

crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes de paz e esperança. Não

existe ser humano mais perfeito, mais justo, mais solidário e sem preconceitos

que as crianças.


Como os pássaros, que cuidam dos seus filhos ao fazer um ninho no alto das

árvores e das montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais

perto de Deus, devemos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado,

promover o respeito a seus direitos e protegê-los.

Muito obrigada. Que Deus esteja com todos!

(fragmentos do último discurso, pronunciado minutos antes do falecimento)

Política: substantivo feminino

O Poder é masculino. Está vinculado à ideia de força, de truculência. Isso fica mais patente nas ditaduras, militares ou não.

Já a Política, essa é feminina. Pelo menos a palavra. Uma atividade que requer habilidade, jogo de cintura, astúcia e quem sabe até uma certa leveza, para que haja abertura aos contrários, negociações etc.

O ex-presidente Lula foi muito bem-sucedido na política, sobretudo na Presidência, por toda a sua bagagem construída na vida sindical e também, no meu entendimento, por lidar bem com seu lado feminino: é um homem emotivo, carinhoso, afetivo. Não esconde e não reprime suas emoções. A dureza nas portas das fábricas e nos palanques deu lugar a uma doçura em muitos momentos no exercício do Poder.

Apesar de uma mulher na Presidência da República, algumas à frente de administrações nos estados e capitais e várias no Parlamento, a participação da mulher na vida política brasileira ainda é ínfima. Na prática, a Política continua sendo o mundo dos homens.

Dos mais doces e meigos, como um Eduardo Suplicy, cantando Bob Dylan na tribuna do Senado, aos mais prepotentes e grosseirões, como o ridículo troglodita e deputado Bolsonaro, no momento sob os holofotes da mídia depois de produzir pérolas e mais pérolas de preconceito e tacanhice contra gays, negros e outras minorias.

Neste Mês de Março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, falamos de mulheres guerrilheiras, mulheres ativistas, mulheres camponesas, mulheres educadoras, mulheres jornalistas, mulheres cientistas...

E hoje encerro essa série lembrando de uma mulher, que beirando os 80 anos, ainda continua guerreira política, enfrentando bravamente preconceitos por ser mulher, nordestina, solteira, de esquerda, de origem humilde: Luiza Erundina.

As más línguas, inclusive na blogosfera dita progressista, difundem que São Paulo é uma cidade preconceituosa e hostil a nordestinos.

Nada mais falacioso. Há bolsões de preconceito, claro. Como os há no Rio de Janeiro, no Nordeste, em Paris, em toda a parte onde houver seres humanos ignorantes.

São Paulo é cosmopolita, multicultural. Aqui vive pacificamente gente do mundo inteiro: italianos, japoneses, alemães, portugueses, espanhois, árabes, judeus, africanos de várias origens, coreanos, bolivianos, chineses, indianos... E brasileiros de toda a parte. Principalmente nordestinos.

Assim como o pernambucano e retirante Lula da Silva, a paraibana Luiza Erundina brilhou para o mundo da política a partir da cidade de São Paulo, que abriu as portas e o coração para ambos. 

Abaixo publico trechos selecionados de matéria sobre a bela história de vida da deputada federal por São Paulo, Luiza Erundina.


Uma mulher em movimento

Luiza Erundina é destacada como uma das 100 mulheres do século XX


Mulher, nordestina, migrante, solteira, socialista, ex-prefeita da cidade de São Paulo. Não é à toa que Luiza Erundina figura entre as mulheres que revolucionaram o século 20. A revista IstoÉ Gente a coloca em destaque como uma das 100 mulheres do século, na área de Política, ao lado de Margareth Tatcher, Hillary Clinton, Evita Perón, Indira Gandhi, Bertha Lutz. Erundina sabe como poucas a força do preconceito e da pobreza. Mas não fez deles um sentimento de lamúria. Pelo contrário. O preconceito em relação aos diferentes a mobiliza, a põe em movimento. Sua trajetória é de luta. Ela saiu do sertão da Paraíba e veio para São Paulo, no auge da ditadura militar, em 1971. Dá aulas, presta concurso público e é nomeada assistente social da Prefeitura. Vai trabalhar nas favelas da periferia da cidade, onde reencontra, em situação de pobreza, o povo nordestino. Trabalha para conscientizar a população e ajudá-la a se organizar. “Eu me sinto uma educadora. Isso imprime uma marca própria naquilo que eu faço”, afirma Luiza Erundina.

Em 1979, é eleita presidente da Associação Profissional das Assistentes Sociais de São Paulo e recebe convite do metalúrgico Lula para fundar o Partido dos Trabalhadores. Em 1982, elege-se vereadora pelo PT em São Paulo, com 26 mil votos. Em 1986, é eleita deputada estadual, com 35 mil votos. No dia 16 de novembro de 1988, o país fica sabendo que São Paulo, uma das quatro maiores cidade do mundo, tem pela primeira vez na história uma prefeita eleita, com 1.534.547 votos, vencendo todos os prognósticos. Nesse bate-papo com os editores da Ao Mestre com Carinho, colhemos as palavras definidoras de Luiza Erundina pela própria Luiza Erundina.


Herança materna

Nasci em 30 de novembro de 1934, numa casa pobre do sertão semi-árido da Paraíba, no Nordeste brasileiro, na periferia do povoado de Belém do Rio do Peixe, mais tarde cidade de Uiraúna, que significa pássaro negro em tupi-guarani. Meu pai, Antônio Evangelista de Souza, o mestre Tonheiro, era artesão além de trabalhador no campo. Fabricava selas e arreios de couro, para cavalo. Menina ainda, eu ajudava meu pai no manejo do couro. Minha mãe, dona Enedina, era a fortaleza, que dava estrutura à família tão numerosa e pobre. Ela vendia café e bolo na feira local. Tive 9 irmãos.

Aos 10 anos mudei-me para Patos, para a casa de minha tia, para terminar o primário e fazer o ginásio. Para que meus irmãos também pudessem estudar, aos 14 anos fui trabalhar como balconista em um armazém e como professora no Colégio das Irmãs de Caridade. Lecionei em Campina Grande, em escola de religiosas, onde liderava um coral. Em 1958, aos 24 anos, fui secretária municipal de educação em Campina Grande, interinamente. Tinha pretensões de fazer medicina, mas suspendi os estudos por 9 anos. Quando fui fazer faculdade já tinha outro apelo que me sugeria fazer Serviço Social. Fiz mestrado em Ciências Sociais na Fundação Escola de Sociologia e Política, de São Paulo. Retornei a João Pessoa para lecionar na universidade. Em 1971, voltei para São Paulo.



Política


Toda minha prática na política tem uma tônica pedagógica, devido à minha formação e porque entendo que a política é um instrumento de educação e organização política do povo. A política veio em decorrência da minha militância sindical e profissional. Portanto, o modo de ser vereadora, deputada, prefeita, tem sempre uma marca decorrente da minha formação educacional, da minha vocação de educadora. Eu me sinto uma educadora. Isso imprime uma marca própria naquilo que eu faço.


Determinação

Foi muito por causa da minha origem pobre, em que a gente é submetida a situações de injustiça, tendo de migrar por causa da seca. A gente, ainda muito pequena, percebia que havia diferença entre pessoas que tinham uma melhor condição, que não precisavam fugir da seca, e outras, como nós, que precisavam migrar para algum lugar desse país. O que é lamentável é que a situação não mudou. Tomei consciência e me determinei, me senti chamada a lutar para mudar aquilo lá.


Igreja


Fui uma das pessoas que se beneficiou da formação da Igreja Católica numa perspectiva de encarnar o evangelho e ver a fé muito ligada à participação social e de mudar aquilo que precisava ser mudado. Eu vi que o estudo era o instrumento que eu precisava para dar a minha contribuição para mudar a realidade na qual eu nasci. Aí eu me dediquei.


Palavra

Luta. Busca de uma perspectiva de esperança, acreditando no futuro, na possibilidade de construir uma sociedade justa, fraterna, igualitária, que é o que me dá força até hoje. É acreditar na possibilidade de se construir uma sociedade melhor, onde todos têm direito ao básico, ao fundamental. Isso é que me mantém na militância política, de novo considerando a política como um instrumento de mudança.


Pobreza

Na década de 70 eu participei das ligas camponesas na Paraíba e quando vim para São Paulo fui trabalhar nas favelas da periferia. A situação dessa população hoje não é melhor. A dimensão dos problemas atinge mais gente e a deterioração é muito maior e mais grave. Naquela época havia pobreza, problema de habitação e desemprego, não na escala atual. Hoje a situação é mais aguda.

  Em campanha, em 1996


Preconceito

Sofri e ainda sofro. Até pelo fato de eu somar vários traços que levam as pessoas a ter preconceito — mulher, nordestina, de esquerda, solteira, só falta eu ser negra para completar o quadro. Para mim, a questão do preconceito se supera de várias formas. A primeira é não sendo vítima do preconceito. Ao invés de me abater, fiz disso uma bandeira de luta e uma das minhas principais tarefas, como mulher, trabalhadora, nordestina, socialista. O preconceito em relação aos diferentes me mobiliza, me põe em movimento. Não o preconceito em relação a mim, mas principalmente à mulher, que ousa fazer política neste país. E mais agora, o preconceito contra a minha idade. É um desafio que eu tenho que superar.


Casamento

Eu não me casei exatamente por causa dessa opção de vida que eu fiz. Desde muito criança eu acordei para o coletivo. Na minha família, as minhas primas se casavam muito cedo e viravam donas de casa, servindo ao marido, numa cultura muito machista, com uma filharada enorme. A vida não ia além daquilo. Eu tinha outras exigências. Eu me realizei a vida toda no coletivo e sempre que me colocava a hipótese de casamento me sentia limitada, era incompatível com a opção de vida que havia feito. Optei por aquilo que considerava melhor.



Mulher

Ainda não ocupamos o espaço ao qual temos direito. Nosso preparo ainda deixa a desejar. A disputa coloca para nós uma exigência muito maior do que para os homens. A sociedade é muito mais tolerante com os homens do que com as mulheres. A nossa formação sempre nos coloca no plano secundário em relação aos homens nos espaços do poder. Educamos meninos e meninas de modo a privilegiar o desenvolvimento da liderança no menino. A menina, não, é sempre levada ao trabalho doméstico, a ajudar a mãe, sua formação é toda orientada a ser mãe e esposa. Isso é tão forte que as mulheres reproduzem isso na sua vida como esposa, como mãe e como educadora. À medida que algumas de nós ousa, luta, paga o preço, mais e mais mulheres se animam, se interessam a entrar nessa luta. Por isso, nossa responsabilidade é muito grande.


Partido

A saída do PT foi a decisão mais difícil da minha vida. Fiquei 17 anos no PT, sou uma das fundadoras do PT, nunca fui de outro partido. Eu me formei no PT e sou devedora do PT. Mas em dado momento percebi, até por conta da minha experiência na Prefeitura de São Paulo, que algumas coisas tinham que mudar. Nós não podíamos nos manter fechados, intransigentes. Quando decidimos ir ao governo Itamar Franco, desrespeitando uma decisão do partido — porque eu dizia que se havíamos ajudado a derrubar o Collor, nós tínhamos a obrigação de ajudar o país —, minha vida no PT foi ficando insuportável. Eu fiquei um ano numa crise quase existencial. Até cheguei a pensar em sair da política e continuar no PT. Por outro lado, entendia que ainda tinha uma vida útil, muita energia, uma experiência acumulada. Também entendi que o partido não é o fim, mas o meio. Sem nenhuma crítica ao partido, mudei de casa mas não mudei de rua. Eu continuo no campo do socialismo e de esquerda. Não fiz nenhuma concessão.


Autocrítica

Na prefeitura de São Paulo, eu não governaria mais com um partido só. Governaria com o máximo de partidos no mesmo campo ou próximo ao nosso, para ter melhor condição de governar. Basicamente teria uma relação mais aberta e habilidosa com a Câmara Municipal, sem transigir nas práticas fisiológicas. E com muito mais participação da sociedade.


100 dias de governo na prefeitura de São Paulo



Com o educador Paulo Freire,
seu Secretário de Educação
1986


Hobby

Eu gosto de ler e ouvir música. Literatura em geral e textos políticos. Sou uma pessoa muito sequiosa por aprender mais, vivo numa busca permanente de aprender, me atualizar. Em geral tenho vários livros na cabeceira, ao mesmo tempo, e não consigo dormir antes de ler alguma coisa. Música clássica, fico com Mozart, Bethoven, Chopin e os clássicos da música popular brasileira. E quando estou mais livre adoro andar no Parque Ibirapuera.


Imagem

A imprensa busca o erro, o escândalo, o espetacular, aquilo que vende jornal. Temos que ter habilidade para tratar com ela. Eu falhei muito, não reservava tempo para a mídia. Isso gerou muita resistência. Eu mudaria a minha relação com a imprensa. A imprensa continua exigente. Mas hoje não sou mais a pessoa que metia medo, despreparada. A minha imagem foi se reconstruindo, foram sendo derrubados os muros que me separavam de alguns setores da sociedade.

Ao Mestre com Carinho