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sábado, 17 de novembro de 2012

O Mais Poderoso dos Poderes da República


Cansamos de declarar aqui: o Judiciário brasileiro é o mais poderoso dos poderes da República. Em incontáveis posts sobre a atuação da aguerrida ministra Eliana Calmon, aquela que honra a magistratura, alertamos para este fato. E para este risco.

E agora estamos vendo o que está acontecendo em Brasília, no STF, com o "nosso Batman" e afins. Como alertamos aqui, a "fogueira de vaidades" poderia se transformar num incêndio incontrolável, de grandes proporções.

É muito poder para quem não é escolhido pelo voto. É demasiado poder para quem não se submete ao veredito das urnas. É desmesurado poder para quem não sofre qualquer tipo de controle social.

Oremos e Vigiemos.



JANIO DE FREITAS
O Poder dos Poderes
Nenhum dos Poderes goza de mais conforto e maior luxo, nos níveis superiores, do que o Judiciário
EM SEU primeiro ato de despedida, o ministro Ayres Britto transmitiu sobre o Judiciário a opinião de um Poder que se distingue, nos três Poderes, pelos sacrifícios com que se dedica à sua missão sem, por isso, receber o reconhecimento e, muito pior, a compensação pecuniária:

"O Poder Judiciário é o mais cobrado, o mais exigido e o menos perdoado", resumiu o presidente do Supremo Tribunal Federal. Logo iria pedir a inclusão de aumento do Judiciário no Orçamento de 2013.

A visão desde as alturas é muito especial, sobretudo quando se trata da pirâmide humana - seja composta por motivo de posses, de cultura, profissionais e outros. De fora do cume, não se percebe outro Poder mais "cobrado" do que o Executivo, tanto em seu nível federal, como no estadual e no municipal.

Ao Executivo segue-se o Legislativo, cujo conceito rasteiro sobre os políticos e os partidos diz o suficiente a respeito do seu Poder e das benesses de que desfrutam. Já o Judiciário é aquele Poder do qual é comum os cidadãos esperarem uma definição por 10, 20, até 30 anos. Há pouco houve menções a uma causa com meio século de hospedagem nos recantos do Judiciário. Uma ação trabalhista pode durar cinco e mais anos. Sobre o Supremo mesmo, há dias foi noticiado que se aproximam das três mil as ações que esperam, em suspenso, os acórdãos devidos pelo STF. Os vencedores não sabem quando sairão.

O volume de trabalho nos juizados é grande, sim, e não é incomum que julgadores correspondam à dedicação necessária. Mas, como ministra-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon teve a eficiência e a coragem de expor realidades clamorosas (há quanto tempo esse ruim adjetivo estava sumido, desgastado por tantas aplicações cabíveis) de todos os tipos e no Judiciário pelo país afora.

Essas realidades só existem em razão de um fator: o Judiciário não é "exigido" em nada e por ninguém. Nem pode sê-lo. O povo e os outros dois Poderes não têm como exigir-lhe coisa alguma - assim o regime o exige. Nem sequer pode influir em sua composição: para a primeira e a segunda instâncias há concurso e, também para a segunda e as últimas, há a escolha e o lobby.


O "menos perdoado"? Se nada é "cobrado", nada é ou pode ser "exigido" - a despeito do que todos sentem e o próprio Conselho Nacional de Justiça reconhece -, o perdão é, na prática, absoluto. E até premiado. Nenhum dos Poderes goza de mais conforto e maior luxo, nos seus níveis superiores, do que o Judiciário.

Os três Poderes estão em dívida enorme com o país. Todos muito aquém, nos seus respectivos níveis, do que lhes caberia em reciprocidade mínima pelo que recebem graças ao sistema tributário injusto. Mantido por ação conjunta dos três.



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Julgamento do Mensalão: Golpe do STF?


O cidadão comum não se deu conta ainda e muitos comemoram os anos de cadeia para os petistas históricos, José Genoíno e José Dirceu.

Mas como disse o jornalista Paulo Moreira Leite, é muito grave o que se faz em Brasília. E ele se referia ao Supremo Tribunal Federal.

"Agora, no Brasil, a condenação do principal articulador do governo petista, José Dirceu, visa diretamente o governo e o PT, e é um recado claro do STF de que assume o poder, mesmo se seus ministros-juízes não foram eleitos pelo povo. A partir de agora, todas as questões importantes do governo poderão ser decididas pelo STF e não pela presidenta Dilma, e isso pode implicar até na privatização de estatais, como a cobiçada Petrobras, como no impeachment de governadores, prefeitos e até numa inelegibilidade do ex-presidente Lula."                         
                                                                                                        (Rui Martins)

                                                                         Chico Caruso



STF deu golpe e assumiu o poder


  O momento é de ditadura do Judiciário sobre o Executivo e Legislativo. Foto: Nelson Jr.


Rui Martins*

Não há dúvida, houve um golpe contra o governo petista e o STF assumiu o poder. O momento é de ditadura do Judiciário sobre o Executivo e Legislativo.

A mais recente tentativa de golpe pelo STF foi no julgamento do italiano Cesare Battisti, ameaçado de extradição a pedido do governo Berlusconi. Num artigo publicado na época, alertei quanto à tentativa de golpe pelo STF (http://www.diretodaredacao.com/noticia/ja-e-um-comeco-de-golpe). O objetivo do Supremo, presidido então por Gilmar Mendes, era retirar do presidente Lula o direito, que lhe era garantido pela Constituição, de decidir se Battisti seria ou não enviado ao governo italiano.

Antes disso houve, e o ex-ministro da Justiça Tarso Genro denunciou diversas vezes, a inconstitucionalidade da decisão tomada pelo STF, ultrapassando seus poderes, de ignorar a decisão do ministro da Justiça negando expatriar Cesare Battisti. Gilmar Mendes e Peluso tudo fizeram para expatriar Battisti, julgando-se mais competentes na matéria que o Ministério da Justiça e, atingido esse objetivo, queriam se sobrepor ao direito do presidente Lula dar a última palavra. Essa tentativa de somar mais poder e desmoralizar o presidente se frustrou e Lula deu acolha ao italiano, que tinha passado mais de dois anos ilegalmente preso.

Porém ficou evidente – o STF era incompetente na questão Battisti, seu longo julgamento deve ser considerado nulo e desnecessário, pois a questão já havia sido resolvida pelo ministro da Justiça. Em todo caso, desrespeitando o princípio constitucional da equiparação dos Poderes, o STF decidiu por maioria de um voto pela extradição de Battisti sem dispor de provas, optando pela versão unilateral do governo italiano.

Não me lembro qual foi a posição do ministro Joaquim Barbosa quanto a Battisti, mas me parece não ter votado por estar em licença por doença.

O jurista Carlos Lungarzo, que publica nos próximos dias um livro sobre o caso Battisti, demonstrou com base em documentos europeus a inconsistência dos argumentos italianos contra Battisti e a leviandade de ministros do STF em condenar sem provas o italiano à extradição. Mas nessa primeira tentativa do STF se sobrepor ao Executivo, um precedente foi criado – a última instância judiciária do país, em desrespeito ao princípio básico de Direito, de que não pode haver pena sem prova de crime ou delito, criou a perigosa jurisprudência de que se pode condenar sem provas concludentes.

Tal procedimento lembra os do Tribunal Especial na França ocupada e que consistia em dar a aparência de julgamentos legais a condenações pré-decididas pelo governo de Vichy contra personalidades francesas contrárias à Ocupação nazista. Uma constante é a de que toda vez que o Judiciário se prestou a maquiar perseguições políticas como julgamentos legais foi em obediência a ditaduras de direita ou de esquerda.

Ora, no Brasil, ocorre uma diferença fundamental – a última instância do Judiciário assumiu autonomia própria e age inclusive contra o governo, com o intuito de desmoralizá-lo e de assumir suas prerrogativas e seu poder, para confiná-lo apenas na governança.

O exemplo mais recente de golpe legal é o do ocorrido no Paraguai, onde o Parlamento, interpretando à sua maneira um texto da Constituição, decretou o impeachment do presidente eleito pelo povo, derrubou-o e passou o poder ao vice-presidente. Ou seja, o Legislativo, contando com a complacência do Judiciário, deu o golpe no Executivo.

Agora, no Brasil, a condenação do principal articulador do governo petista, José Dirceu, visa diretamente o governo e o PT, e é um recado claro do STF de que assume o poder, mesmo se seus ministros-juízes não foram eleitos pelo povo. A partir de agora, todas as questões importantes do governo poderão ser decididas pelo STF e não pela presidenta Dilma e isso pode implicar até na privatização de estatais, como a cobiçada Petrobras, como no impeachment de governadores, prefeitos e até numa inelegibilidade do ex-presidente Lula.

Outro aspecto importante na condenação de José Dirceu está na exigência de ser colocado em cela comum, desobedecendo-se outro preceito legal, que beneficia com tratamento diferente todos os universitários e ao qual Dirceu teria direito como bacharel em Direito.

Essa exceção reforça a suspeita de não se tratar de um julgamento equitável, mas de um ajuste de contas, alguma coisa parecida com vingança ou revanchismo de perdedores.

Por que tanto ódio contra José Dirceu ? Não pertenço ao PT e me sinto à vontade para comentar. Mesmo se muitos petistas fundadores deixaram o partido por divergir das concessões feitas pelo governo Lula, não se pode negar ter sido Dirceu o principal articulador da eleição de Lula para a presidência. Além disso, foi um resistente contra a ditadura militar. E, embora acusado sem provas mas por ilação como envolvido no episódio do Mensalão, não se tratava de enriquecimento pessoal.

Se nos reportarmos ao ano 2005, quando estourou o caso Mensalão, fica evidente que o alvo daquela campanha era o presidente Lula – o objetivo principal era o de se provocar um impeachment e derrubar Lula. Eu fazia a correção das provas do meu livro sobre Maluf (Dinheiro Sujo da Corrupção – Geração Editorial), e tive tempo de incluir um capítulo sobre o que considerei como um escândalo de excessivas proporções. Não se tratava de se justificar o ato de compra dos votos dos parlamentares, mas de uma observação realista.

E eu citava, como costumo citar, o exemplo suíço, país considerado dos mais honestos, onde existe uma versão legal de um tipo de mensalão. Todo deputado ou senador eleito recebe imediatamente o convite das grandes empresas suíças, desde bancos a laboratórios farmacêuticos, para ser vice-presidente do conselho de administração. O objetivo é o de evitar leis que prejudiquem tais bancos ou empresas e o de criar leis que os beneficiem. Trata-se de uma compra indireta dos votos dos parlamentares, que poderia também ser considerada como lobby, mas que implica o pagamento de um salário mensal ao parlamentar.

O então presidente do equivalente à nossa Câmara Federal, Peter Hess, era, em 2005, vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças, o que lhe garantia mais de 400 mil dólares mensais. E isso sem qualquer escândalo.

A diferença é que, na Suíça, não é um partido que compra o voto de parlamentares mais ou menos honestos, porém as empresas privadas. O fato de na Suíça haver uma versão local de mensalão não justifica essa prática, mas pode lhe dar a verdadeira dimensão.

É evidente que, no Brasil, não se condena o Mensalão como prática desonesta, trata-se de uma jogada política para se desmoralizar os petistas, que acabou não surtindo efeito nas eleições (por que diabo o STF escolheu a época das eleições para julgar o Mensalão?), mesmo porque dizem ter havido compra de votos na emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC. Iria o STF julgar agora, sem provas, também o FHC? Outro aspecto importante – estão condenando os chamados corruptores de parlamentares, mas não punem os parlamentares corruptos?

E agora? O STF deixou de interpretar as leis, de manter ou anular julgamento, para aplicar sentenças e mesmo acusados não parlamentares não tiveram direito a julgamentos normais em primeira e segunda instância. Deve-se aceitar a humilhação de José Dirceu e os riscos que correrá em prisão comum, quando dentro de dois anos a Suíça devolverá os milhões bloqueados de Maluf, por não ter havido condenação pelo STF, quando Pimenta Neves vive tranquilo em prisão domiciliar depois de ter matado a sangue frio a jornalista Sandra Gomide?

Em termos de recursos, as possibilidades de se adiar a execução da pena de José Dirceu são mínimas. Que tribunal acima do STF poderá arguir da condenação sem prova formal? E da inconstitucionalidade do Judiciário ultrapassando sua competência? Só um Conselho Constitucional, caso exista como na França, onde leis e sentenças ou decisões judiciárias podem ser anuladas em caso de inconstitucionalidade.

Ou será que José Dirceu é culpado por ter contribuído à diminuição da desigualdade social no Brasil, à ascensão dos negros às escolas e universidades, à projeção do Brasil como sexta potência mundial? Ou de ter articulado a eleição à presidência de um operário quebrando a hegemonia das elites brasileiras?

Talvez o Brasil ainda não tenha se curado dos repetitivos golpes e tentativas de golpe, constantes na história da República. Getúlio se matou porque havia movimento de tropas para derrubá-lo; Café Filho e Carlos Luz queriam invalidar a eleição de Juscelino e Jango; depois da renúncia de Jânio, Jango só assumiu com a criação do parlamentarismo, um golpe indireto para anular seu poder presidencial; mesmo assim, foi derrubado pelos militares para não concretizar as reformas de base; depois da ditadura militar corremos agora o risco de uma ditadura light ou soft ditada pelo STF?

Em todos esses episódios, os golpes e tentativas visavam governos populistas ou reformistas interessados em dar mais direitos aos trabalhadores ou excluídos e restringir os privilégios da elite dominante.

*Rui Martins é jornalista e colabora com o “Quem tem Medo da Democracia?“, onde mantém a coluna “Estado do Emigrante“.


Quem tem medo da democracia?

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