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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Onde Dilma foi mais feliz?

Entre amigos, companheiros, gente simples do povo, no Nordeste, ao longo do dia...


         Presidenta Dilma Rousseff assiste apresentação do grupo Samba de Parea da Mussuca após cerimônia de abertura do XII Fórum dos Governadores do Nordeste


Ou à noite, entre inimigos declarados, falsos amigos e raposas velhas da política e da mídia, no "serpentário" paulistano?


Presidenta Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer durante comemoração dos 90 anos de fundação da Folha de São Paulo _(São Paulo, SP, 22/02/2011) _Foto: Roberto Stuckert Filho/PR



Fotos: Roberto Stuckert Filho/PR



Por que Dilma vai ao "serpentário midiático"?

A política brasileira tem alguns mistérios "insondáveis", mesmo...

Após passar o dia no XII Fórum de Governadores do Nordeste, em Aracaju, Sergipe, a presidenta Dilma embarcará para São Paulo no final da tarde, devendo participar à noite da comemoração dos 90 anos do jornal Folha de S. Paulo. Haverá um ato ecumênico com representantes de diversas correntes religiosas. Dilma deve assistir também um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado, que tocará Villa-Lobos, na Sala São Paulo, no bairro da Luz. Está previsto também um pronunciamento da presidenta.

A Folha de S. Paulo é aquele jornal que apoiou a sangrenta e feroz ditadura militar, que perseguiu, prendeu e seviciou centenas de brasileiros, entre eles a presidenta, na época militante revolucionária. A Folha de S. Paulo é aquele jornal que, se não comandou, foi um dos veículos da mazela midiática mais empenhados na campanha sórdida contra a então candidata Dilma Rousseff na recente eleição presidencial. A Folha de S. Paulo é aquele jornal que no dia 5 de abril de 2009 publicou a ficha falsa da então "terrorista" Dilma nos anos 70...

Presidenta eleita, Dilma não escapou das perseguições da Folha de S. Paulo, que entrou com pedido no Superior Tribunal Militar para ter acesso aos autos do processo da ditadura contra a então jovem subversiva. O jornal chegou a explorar partes do processo, estampando em suas páginas trechos selecionados... 

Imagino que Maquiavel e outros eminentes teóricos da ciência política expliquem a atitude da presidenta ao aceitar o convite para por algumas horas adentrar no "serpentário político-midiático" que será armado na belíssima sala de concertos.

Mas... como gostamos de "abrir a boca" e indagar, perguntamos: Presidenta, será que o vice ou algum ministro... por exemplo, o próprio ministro das Comunicações Paulo Bernardo, não poderia representá-la nesse compromisso? Sair do Nordeste, depois de um dia exaustivo de reuniões com os governadores, e em vez de ir pra casa tomar uma ducha, jantar, relaxar... vir direto pra São Paulo e se atirar nos braços de alguns dos seus algozes?!...

Dizem que o Brasil não tem memória. Esta reles blogueira costuma ter. Para os que não têm, publico abaixo a ficha falsa da presidenta Dilma, estampada na Folha de S. Paulo em 5 de abril de 2009.




FICHA CRIMINAL

A República dos Doutores

Em 28 de janeiro último, a Universidade Federal de Viçosa homenageou o ex-presidente Lula com o título de Doutor Honoris Causa, honraria equivalente a um doutorado acadêmico.

E parece que o "Doutor Lula" não ficará "só" com um doutorado. Segundo dizem, há quarenta (!) universidades, até do exterior, que já se manifestaram no sentido de conceder tal título ao ex-presidente.

No entendimento desta reles blogueira, que condena o emprego indiscriminado do tratamento "doutor", o título concedido a Lula é merecidíssimo. Já foi dito aqui em post sobre o assunto, no dia 29 de janeiro: Lula é Doutor em Política, em Comunicação, em Solidariedade, em Cidadania, em Povo, em Brasil. No mínimo.


Encerrando estas nossas reflexões sobre o tema, publico abaixo um artigo do psicanalista italiano radicado no Brasil, Contardo Calligaris.
 




A república dos doutores


Numa época, as universidades particulares procuravam ansiosamente por doutores. O fato é que, para autorizar novos cursos, o Ministério da Educação exige que o corpo docente inclua pesquisadores qualificados, ou seja, doutores.


Ultimamente, as universidades particulares descobriram que o salário dos doutores é caro. Na medida do possível, querem substituí-los por mestres e graduados.


Esse cálculo poderia comprometer a qualidade do ensino. Mas não é o caso de preocupar-se: os donos das universidades particulares não acharão os mestres e os simples graduados necessários para efetuar a substituição, pois, no Brasil do começo do século 21, só há doutores. Prudente de Moraes pode festejar: a República dos Bacharéis se pós-graduou.


Faça a prova: ligue para advogados, psicólogos, arquitetos e outros profissionais liberais. Ouvirá: "A doutora está em consulta", "Vou ver se o doutor pode atender". Ligue para uma agência de publicidade, um escritório comercial ou uma empresa e tente falar com um dirigente (engenheiro, arquiteto, administradora etc.). É a mesma coisa: "O doutor está em reunião", "Quer deixar um recado para a doutora?".


Mas, trégua de brincadeiras. Em geral, esses profissionais não se apresentam como doutores num encontro com membros de sua classe social. Eles são doutores para suas secretárias e, graças a elas, para quem telefona.


Algumas semanas atrás, para assinar um contrato, fui até um elegante escritório comercial, na área de São Paulo (ao redor da avenida Berrini) que se apresenta como cartão-postal da modernização. Anunciei ao porteiro que eu devia encontrar o senhor E., que estava me esperando. O porteiro, modulando a voz de modo a acentuar a correção de minhas palavras, perguntou: "Você quer ver o doutor E.? E você é o senhor...?". Ele parecia treinado para produzir uma tentativa de intimidação social. Não achei graça e retruquei: "Ah, o senhor E. é doutor? Ele é médico ou tem doutorado em alguma outra especialidade?". O porteiro ficou atônito: como ele deveria reagir a essa resposta imprevista?


As regras do uso legítimo do título de doutor dizem que doutores são os que completam um doutorado e, por consideração especial, os médicos. Não sei se o porteiro conhecia essas regras. No entanto, graças a uma sabedoria vital em nosso mundo, ele sabia certamente que o título de doutor do senhor E. não designa uma excelência acadêmica, mas serve para significar uma distância social.


No caso, não há diferença nenhuma entre ser doutor e ser marquês de Carabás: ambos são títulos cujo uso vale como um gesto de submissão, como uma genuflexão. Reconhecendo que o senhor E. pertence a outra casta, o porteiro me convidava a dar prova da mesma deferência.


Ora, a modernidade triunfa quando a diversidade das origens, das funções sociais e das condições econômicas não altera o fato de que somos todos essencialmente iguais.


Na adolescência, participei da fundação de um pequeno círculo liberal "extremista", em que a gente praticava o costume jacobino de chamar os outros de "cidadão" ou "cidadã" (título que era para nós uma honra suprema), acompanhado da função de cada um: cidadão professor, cidadã estudante, cidadão carpinteiro. Um pouco mais tarde, sonhei com um mundo em que nos chamaríamos um ao outro de "companheiro" ou "companheira".


Isso acontecia numa outra sociedade de doutores, a Itália dos anos 60. A sociedade italiana acabava de se tornar republicana e vivia um conflito agudo entre a modernização acelerada, as desigualdades econômicas violentas e a nostalgia das antigas hierarquias. Com isso, as diferenças sociais modernas (diferenças de formação e de função) eram extraviadas e usadas como indicadores de privilégio e de casta. "Doutor", um título que deveria assinalar a competência específica de um cidadão, era usado para afirmar que ele pertencia à tribo dos abastados.


Entre parênteses: a universidade italiana, cúmplice do atraso nacional, chamava de "doutor" qualquer graduado.


A alusão a uma educação superior, que é contida no título "doutor", serve também para justificar o privilégio: se alguém é doutor, "merece" ser rico. Com isso, a classe média, sempre ameaçada por seu retrocesso, pode acreditar que seu privilégio não seja arbitrário e efêmero. Explica-se assim o mistério das reuniões de condomínio em que todos os condôminos são doutores e doutoras.


Enfim, é provável que o uso de "doutor" como índice e justificação do privilégio social seja um sintoma constante em todas as sociedades em que formas arcaicas de domínio desvirtuam as formas modernas da diferença social. "Doutor", nessas sociedades, não é médico nem pós-graduado: é quem tem cartão de crédito, acesso à sala VIP do aeroporto e carro importado.


Nota. A república dos doutores é especialmente risível hoje, quando a hierarquia social que parece contar é aquela produzida pela notoriedade. Nessa hierarquia, o que importa não são os títulos, mas os nomes próprios, à condição que sejam reconhecíveis. Você acha que Giorgio Armani e Paulo Coelho querem ser chamados de dr. Armani e dr. Coelho?


Contardo Calligaris