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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Joaquinzão sobre Peluso: "tirano", "brega", "caipira"...

Grave a entrevista do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, que O Globo estampa hoje. O ministro, que ontem assumiu a vice-presidência do Supremo, declarou que Cezar Peluso, ex-presidente do STF, manipulou resultados de julgamentos, chamando-o de "ridículo", "brega", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano" e "pequeno", entre outras referências desairosas.




Joaquim Barbosa diz que Peluso manipulou resultados de julgamentos
Carolina Brígido | Agência O Globo

BRASÍLIA - Dois dias depois de ser chamado de inseguro e dono de "temperamento difícil" pelo ministro Cezar Peluso, o ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa respondeu em tom duro. Em entrevista ao GLOBO, Barbosa chamou o agora ex-presidente do STF de "ridículo", "brega", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano" e "pequeno". Acusou Peluso de manipular resultados de julgamentos de acordo com seus interesses, e de praticar "supreme bullying" contra ele por conta dos problemas de saúde que o levaram a se afastar para tratamento. Barbosa é relator do mensalão e assumirá em sete meses a presidência do STF, sucedendo a Ayres Britto, empossado nesta quinta-feira. Para Barbosa, Peluso não deixa legado ao STF: "As pessoas guardarão a imagem de um presidente conservador e tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade."
O GLOBO: Ao deixar o cargo, o ex-presidente do STF, ministro Cezar Peluso, deu entrevista na qual citou o senhor. Em um dos momentos, diz que o senhor não recusará a presidência do tribunal em circunstância alguma. É verdade?

JOAQUIM BARBOSA: Para mim, assumir a presidência do STF é uma obrigação. Tenho feito o possível e o impossível para me recuperar consistentemente e chegar bem em dezembro para assumir a presidência da Corte. Mas, para ser sincero, devo dizer que os obstáculos que tive até agora na busca desse objetivo, lamentavelmente, foram quase todos criados pelo senhor... Cezar Peluso. Foi ele quem, em 2010, quando me afastei por dois meses para tratamento intensivo em São Paulo, questionou a minha licença médica e, veja que ridículo, aventou a possibilidade de eu ser aposentado compulsoriamente. Foi ele quem, no segundo semestre do ano passado, após eu me submeter a uma cirurgia dificílima (de quadril), que me deixou vários meses sem poder andar, ignorava o fato e insistia em colocar processos meus na pauta de julgamento para forçar a minha ida ao plenário, pouco importando se a minha condição o permitia ou não.

O senhor tomou alguma providência?

BARBOSA: Um dia eu peguei os laudos descritivos dos meus problemas de saúde, assinados pelos médicos que então me assistiam, Dr. Lin Tse e Dr. Roberto Dantas, ambos de São Paulo, e os entreguei ao Peluso, abrindo mão assim do direito que tenho à confidencialidade no que diz respeito à questão de saúde. Desde então, aquilo que eu qualifiquei jocosamente com os meus assessores como "supreme bullying" vinha cessando. As fofocas sobre a minha condição de saúde desapareceram dos jornais.

Qual a opinião do senhor sobre a entrevista dada por Cezar Peluso?

BARBOSA: Eis que no penúltimo dia da sua desastrosa presidência, o senhor Peluso, numa demonstração de "désinvolture" brega, caipira, volta a expor a jornalistas detalhes constrangedores do meu problema de saúde, ainda por cima envolvendo o nome de médico de largo reconhecimento no campo da neurocirurgia que, infelizmente, não faz parte da equipe de médicos que me assistem. Meu Deus! Isto lá é postura de um presidente do Supremo Tribunal Federal?

O ministro Peluso disse na entrevista que o tribunal se apaziguou na gestão dele. O senhor concorda com essa avaliação?

BARBOSA: Peluso está equivocado. Ele não apaziguou o tribunal. Ao contrário, ele incendiou o Judiciário inteiro com a sua obsessão corporativista.

Na visão do senhor, qual o legado que o ministro Peluso deixa para o STF?

BARBOSA: Nenhum legado positivo. As pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade. Dou exemplos: Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento. Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável (o ministro se refere ao julgamento que livrou Jader Barbalho da Lei da Ficha Limpa e garantiu a volta dele ao Senado, no qual o duplo voto de Peluso, garantido no Regimento Interno do STF, foi decisivo. Joaquim discorda desse instrumento); cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, "invadir" a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões...

Quando o senhor assumir a presidência, pretende conduzir o tribunal de que forma? O senhor acha que terá problemas para lidar com a magistratura e com advogados?

BARBOSA: Nenhum problema. Tratarei todos com urbanidade, com equidade, sem preferências para A, B ou C.

O ministro Peluso também chamou o senhor de inseguro, e disse que, por conta disso, se ofenderia com qualquer coisa. Afirmou, inclusive, que o senhor tem reações violentas. O senhor concorda com essa avaliação?

BARBOSA: Ao dizer que sou inseguro, o ministro Peluso se esqueceu de notar algo muito importante. Pertencemos a mundos diferentes. O que às vezes ele pensa ser insegurança minha, na verdade é simplesmente ausência ou inapetência para conversar, por falta de assunto. Basta comparar nossos currículos, percursos de vida pessoal e profissional. Eu aposto o seguinte: Peluso nunca curtiu nem ouviu falar de The Ink Spots (grupo norte-americano de rock e blues da década de 1930/40)! Isso aí já diz tudo do mundo que existe a nos separar...

O senhor já protagonizou algumas discussões mais acaloradas em plenário, inclusive com o ministro Gilmar Mendes. Acha que isso ocorreu devido ao seu temperamento ou a outro fator?

BARBOSA: Alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros. Você já percebeu que eu não permito isso, né? Foi o que aconteceu naquela ocasião.

O senhor tem medo de ser qualificado como arrogante, como o ministro Peluso disse? Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o STF não por méritos, mas pela cor, também conforme a declaração do ministro?

BARBOSA: Ao chegar ao STF, eu tinha uma escolaridade jurídica que pouquíssimos na história do tribunal tiveram o privilégio de ter. As pessoas racistas, em geral, fazem questão de esquecer esse detalhezinho do meu currículo. Insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é mesmo? Aliás, permita-me relatar um episódio recente, que é bem ilustrativo da pequenez do Peluso: uma universidade francesa me convidou a participar de uma banca de doutorado em que se defenderia uma excelente tese sobre o Supremo Tribunal Federal e o seu papel na democracia brasileira. Peluso vetou que me fossem pagas diárias durante os três dias de afastamento, ao passo que me parecia evidente o interesse da Corte em se projetar internacionalmente, pois, afinal, era a sua obra que estava em discussão. Inseguro, eu?

O senhor considera que Peluso tratou seu problema de saúde de forma desrespeitosa?

BARBOSA: Sim.

O senhor sofre preconceito de cor por parte de seus colegas do STF? E por parte de outras pessoas?

BARBOSA: Tire as suas próprias conclusões. Tenho quase 40 anos de vida pública. Em todos os lugares em que trabalhei sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar certas liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto. Sempre a minha resposta veio na hora, dura. Mas isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo.

Ayres Britto: um poeta no comando do STF



Há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas.
                                              Ministro Ayres Britto, sobre a corrupção.




E a Primavera Judiciária, que começou com Eliana Calmon e os "Bandidos de Toga", teve mais um momento importante ontem, quando o jurista-poeta Carlos Ayres Britto, o "pirilampo", assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, com o ministro Joaquim Barbosa de vice.


Momentos de emoção, quebra de formalidade, risos e descontração.


Há os que não querem ver e os que não querem, mesmo, mudanças, mas a Ditadura do Judiciário já começou a cair...





POETA NO COMANDO

Ayres Britto se torna o 43º presidente do Supremo

Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar



“Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia. Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia. Poeta Ayres Britto”. A frase da cantora Daniela Mercury marcou o início da solenidade de posse do ministro Ayres Britto, nesta quinta-feira (19/4), na Presidência do Supremo Tribunal Federal. Em uma cerimônia bem ao seu estilo, com o Hino Nacional entoado por Daniela Mercury, Britto se torna o 43º presidente do STF na história da República e o 54º desde o Império. O primeiro sergipano a comandar a corte.

A cantora escolhida pessoalmente por Britto para a ocasião quebrou o protocolo das normalmente sisudas sessões de posse ao provocar os presentes ao plenário do Supremo a cantar o hino brasileiro: “Cantamos juntos?”. A presidente da República, Dilma Rousseff, a presidente interina do Senado, Marta Suplicy, o presidente da Câmara, Marco Maia, os ministros do STF e dos outros quatro tribunais superiores, e diversas autoridades dos três poderes da República cantaram juntos com Daniela.


Nascido em Propriá, cidade da região do Baixo São Francisco sergipano, Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto terá um mandato de apenas sete meses à frente do Supremo. Completará 70 anos em 18 de novembro e terá de deixar o tribunal por conta da aposentadoria compulsória.


Apesar do curto mandato, o novo presidente promete marcar sua Presidência trazendo temas importantes à pauta do tribunal. O Supremo deverá definir até o fim do ano a questão das terras quilombolas, a constitucionalidade das cotas raciais em universidades públicas e quem pagará a conta pelos seguidos planos econômicos que defasaram as correções monetárias das poupanças nos anos 1980 e 1990: os bancos ou a União.

O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, saudou o novo presidente. Em seu pronunciamento, falou sobre a inércia dos poderes Legislativo e Executivo que provoca o chamado ativismo judicial. Criticou “o inaceitável desprezo pela Constituição decorrente de comportamentos estatais omissivos que, para além de seu absoluto desvalor jurídico, ferem, por inércia, a autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado”.

De acordo com Celso, “práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade”.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior, também discursaram, exaltando as qualidades de Britto e das instituições que dirigem.

Lei e verso

Em seu discurso, Ayres Britto lançou mão de seus famosos trocadilhos e frases de efeito. “A silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes”, disse em certo ponto. “Os magistrados têm a força de controlar os controladores”, falou ao ressaltar o papel do Judiciário no jogo político institucional. “Derramamento de bílis não combina com produção de neurônios”, afirmou ao discorrer sobre a necessidade de o juiz ser ponderado.

A mudança de comando do Supremo marcará uma importante mudança de gestão. Entusiasta do Conselho Nacional de Justiça, Britto deve dar mais espaço à corregedora nacional Eliana Calmon, cujas divergências com o ex-presidente, Cezar Peluso, são públicas. O novo presidente também deve deixar marcas de um relacionamento mais próximo com a imprensa e com entidades de representação classista e social, como a OAB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que tem no ministro um de seus principais expoentes.

Britto é o quinto ministro de Sergipe no Supremo, mas o primeiro a sair diretamente do estado e a presidir o tribunal. Os demais eram radicados em outras unidades da federação. Embora breve, a passagem de Britto pela Presidência da corte não estará entre as mais curtas da história do tribunal. O recorde é do ministro Carolino de Leone Ramos, eleito em 25 de fevereiro de 1931 e morto em 29 de março daquele ano. Foram apenas 23 dias. A segunda gestão mais breve foi a do ministro Gonçalves de Oliveira, presidente por 38 dias. A terceira, de Aldir Passarinho, por 39 dias.

Em quase uma década como ministro do Supremo, Britto foi relator de ações que geraram intensa repercussão junto à opinião pública, algumas delas decisões ainda recentes, como a que legalizou a pesquisa científica com células-tronco no Brasil e a que envolvia a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Foi com a relatoria da ação que tratou do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, entretanto, que Britto pôde ressaltar ainda mais sua reputação como a de um juiz ocupado das questões essenciais envolvendo a dignidade do ser humano e das causas de apelo social, papel que demonstra desempenhar com satisfação.



Ayres Britto também marcou história no tribunal ao relatar a primeira condenação criminal de um parlamentar pelo STF. Em maio de 2010, o tribunal condenou a dois anos e dois meses de prisão o deputado federal José Gerardo Arruda (PMDB-CE) por desvio de finalidade de recursos federais. Outra decisão recente sua, de ampla repercussão, foi a suspensão da norma que proibia piadas com candidatos políticos durante período eleitoral. Em decisão monocrática submetida depois ao Plenário, Britto consolidou o entendimento de que uma “imprensa plenamente livre” tem o humor como forma de exercê-la, “sobretudo no plano crítico”.

O ministro saboreia trocadilhos e inversões semânticas. Não se priva delas mesmo em Plenário. “Há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas” (sobre corrupção); “Quem se empenha em fazer sucessor, quer suceder a ele (sobre o marketing político do presidente Lula); “O aparelho genital de cada pessoa é um plus, um superávit de uma vida (...) Corresponde a um ganho, um bônus, um regalo da natureza” (no julgamento da união estável entre homossexuais). É ainda membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, onde ocupa a cadeira de número 17, e da Academia Sergipana de Letras.

Em seu discurso nesta quinta-feira não foi diferente. O ministro se referiu à consciência: “Corresponde àquele ponto de equilíbrio que a literatura mística chama de ‘terceiro olho’. O único olho que não é visto, mas justamente o que pode ver tudo”. Sobre a magistratura, disse que “juiz não é traça de processo, não é ácaro de gabinete, e por isso, sem fugir das provas dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem de levar os pertinentes dispositivos jurídicos ao cumprimento de sua mediata ou macro-função de conciliar o Direito com a vida”.


Conjur