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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Ayres Britto: um poeta no comando do STF



Há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas.
                                              Ministro Ayres Britto, sobre a corrupção.




E a Primavera Judiciária, que começou com Eliana Calmon e os "Bandidos de Toga", teve mais um momento importante ontem, quando o jurista-poeta Carlos Ayres Britto, o "pirilampo", assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, com o ministro Joaquim Barbosa de vice.


Momentos de emoção, quebra de formalidade, risos e descontração.


Há os que não querem ver e os que não querem, mesmo, mudanças, mas a Ditadura do Judiciário já começou a cair...





POETA NO COMANDO

Ayres Britto se torna o 43º presidente do Supremo

Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar



“Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia. Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia. Poeta Ayres Britto”. A frase da cantora Daniela Mercury marcou o início da solenidade de posse do ministro Ayres Britto, nesta quinta-feira (19/4), na Presidência do Supremo Tribunal Federal. Em uma cerimônia bem ao seu estilo, com o Hino Nacional entoado por Daniela Mercury, Britto se torna o 43º presidente do STF na história da República e o 54º desde o Império. O primeiro sergipano a comandar a corte.

A cantora escolhida pessoalmente por Britto para a ocasião quebrou o protocolo das normalmente sisudas sessões de posse ao provocar os presentes ao plenário do Supremo a cantar o hino brasileiro: “Cantamos juntos?”. A presidente da República, Dilma Rousseff, a presidente interina do Senado, Marta Suplicy, o presidente da Câmara, Marco Maia, os ministros do STF e dos outros quatro tribunais superiores, e diversas autoridades dos três poderes da República cantaram juntos com Daniela.


Nascido em Propriá, cidade da região do Baixo São Francisco sergipano, Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto terá um mandato de apenas sete meses à frente do Supremo. Completará 70 anos em 18 de novembro e terá de deixar o tribunal por conta da aposentadoria compulsória.


Apesar do curto mandato, o novo presidente promete marcar sua Presidência trazendo temas importantes à pauta do tribunal. O Supremo deverá definir até o fim do ano a questão das terras quilombolas, a constitucionalidade das cotas raciais em universidades públicas e quem pagará a conta pelos seguidos planos econômicos que defasaram as correções monetárias das poupanças nos anos 1980 e 1990: os bancos ou a União.

O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, saudou o novo presidente. Em seu pronunciamento, falou sobre a inércia dos poderes Legislativo e Executivo que provoca o chamado ativismo judicial. Criticou “o inaceitável desprezo pela Constituição decorrente de comportamentos estatais omissivos que, para além de seu absoluto desvalor jurídico, ferem, por inércia, a autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado”.

De acordo com Celso, “práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade”.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior, também discursaram, exaltando as qualidades de Britto e das instituições que dirigem.

Lei e verso

Em seu discurso, Ayres Britto lançou mão de seus famosos trocadilhos e frases de efeito. “A silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes”, disse em certo ponto. “Os magistrados têm a força de controlar os controladores”, falou ao ressaltar o papel do Judiciário no jogo político institucional. “Derramamento de bílis não combina com produção de neurônios”, afirmou ao discorrer sobre a necessidade de o juiz ser ponderado.

A mudança de comando do Supremo marcará uma importante mudança de gestão. Entusiasta do Conselho Nacional de Justiça, Britto deve dar mais espaço à corregedora nacional Eliana Calmon, cujas divergências com o ex-presidente, Cezar Peluso, são públicas. O novo presidente também deve deixar marcas de um relacionamento mais próximo com a imprensa e com entidades de representação classista e social, como a OAB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que tem no ministro um de seus principais expoentes.

Britto é o quinto ministro de Sergipe no Supremo, mas o primeiro a sair diretamente do estado e a presidir o tribunal. Os demais eram radicados em outras unidades da federação. Embora breve, a passagem de Britto pela Presidência da corte não estará entre as mais curtas da história do tribunal. O recorde é do ministro Carolino de Leone Ramos, eleito em 25 de fevereiro de 1931 e morto em 29 de março daquele ano. Foram apenas 23 dias. A segunda gestão mais breve foi a do ministro Gonçalves de Oliveira, presidente por 38 dias. A terceira, de Aldir Passarinho, por 39 dias.

Em quase uma década como ministro do Supremo, Britto foi relator de ações que geraram intensa repercussão junto à opinião pública, algumas delas decisões ainda recentes, como a que legalizou a pesquisa científica com células-tronco no Brasil e a que envolvia a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Foi com a relatoria da ação que tratou do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, entretanto, que Britto pôde ressaltar ainda mais sua reputação como a de um juiz ocupado das questões essenciais envolvendo a dignidade do ser humano e das causas de apelo social, papel que demonstra desempenhar com satisfação.



Ayres Britto também marcou história no tribunal ao relatar a primeira condenação criminal de um parlamentar pelo STF. Em maio de 2010, o tribunal condenou a dois anos e dois meses de prisão o deputado federal José Gerardo Arruda (PMDB-CE) por desvio de finalidade de recursos federais. Outra decisão recente sua, de ampla repercussão, foi a suspensão da norma que proibia piadas com candidatos políticos durante período eleitoral. Em decisão monocrática submetida depois ao Plenário, Britto consolidou o entendimento de que uma “imprensa plenamente livre” tem o humor como forma de exercê-la, “sobretudo no plano crítico”.

O ministro saboreia trocadilhos e inversões semânticas. Não se priva delas mesmo em Plenário. “Há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas” (sobre corrupção); “Quem se empenha em fazer sucessor, quer suceder a ele (sobre o marketing político do presidente Lula); “O aparelho genital de cada pessoa é um plus, um superávit de uma vida (...) Corresponde a um ganho, um bônus, um regalo da natureza” (no julgamento da união estável entre homossexuais). É ainda membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, onde ocupa a cadeira de número 17, e da Academia Sergipana de Letras.

Em seu discurso nesta quinta-feira não foi diferente. O ministro se referiu à consciência: “Corresponde àquele ponto de equilíbrio que a literatura mística chama de ‘terceiro olho’. O único olho que não é visto, mas justamente o que pode ver tudo”. Sobre a magistratura, disse que “juiz não é traça de processo, não é ácaro de gabinete, e por isso, sem fugir das provas dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem de levar os pertinentes dispositivos jurídicos ao cumprimento de sua mediata ou macro-função de conciliar o Direito com a vida”.


Conjur

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