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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Judiciário brasileiro e a Primavera Árabe



Sobre a arrogância, a prepotência, a ineficiência, a incompetência, a falta de transparência, o autoritarismo, a tacanhice etc. etc. do Judiciário brasileiro, fala não uma de suas vítimas, cidadã, editora e blogueira, mas um Juiz de Direito.


Nossos suseranos togados continuarão fazendo ouvidos moucos aos reclamos de seus "súditos", esperando que saiam às ruas para construir a Primavera Judiciária?


Juízes encastelados, sem ouvir a voz das ruas


Sob o título "O Poder Judiciário brasileiro e a primavera árabe", o artigo a seguir é de autoria de Átila Andrade de Castro, Juiz de Direito em Belo Horizonte.


Após décadas de poder, alguns dos mais conhecidos tiranos do nosso tempo foram expulsos de seus palácios situados no norte da África pela força do movimento popular.

No Cairo, em Trípoli e em Túnis a população se deu conta de que não se deve dar poder a quem não oferece contraprestação. Iniciaram com certa timidez a revolução que ficou conhecida como Primavera Árabe e o movimento foi tomando corpo, forma e substância, atravessando fronteiras e mudando uma realidade que parecia imutável.

Enquanto isso, encastelados em seus palácios, os ditadores de plantão faziam ouvidos moucos à voz das ruas. Diziam que era conspiração de potências ocidentais, que a suposta revolta não passava de movimentos isolados e que não abririam mão do poder que consideravam legítimo. Continuaram a fazer refeições em talheres de ouro, a viajar em aviões particulares intercontinentais e a desfrutar de todo o luxo e conforto que o poder proporciona.

Não ouviram o alerta. Não negociaram e nem se dispuseram a abrir mão de privilégios e nem a oferecer serviços decentes aos seus “súditos”. O resultado todo mundo conhece. Foram todos banidos de suas fortalezas, expulsos, presos e mortos.

Qual a semelhança de tal momento histórico com o Judiciário brasileiro?

É visível a insatisfação de todos os segmentos da sociedade com a justiça brasileira. O serviço é precário, ineficiente, artesanal, não oferece segurança jurídica e é excessivamente aleatório, tanto em termos de conteúdo decisório quanto em termos de procedimento, pois está sempre sujeito à idiossincrasia do juiz que receber a causa. Junte-se a isso a absoluta falta de investimentos de peso em tecnologia e em treinamento de servidores. O resultado todo mundo conhece: justiça lenta – e, portanto, frequentemente injusta -, cara e improdutiva.

A sociedade já percebeu a gravidade do problema. Não há país submetido a padrões ocidentais de civilização que consiga crescer e progredir e nem sociedade que se mantenha saudável com o serviço prestado pelo judiciário de hoje.

Enquanto isso, onde estão os membros do poder, que poderiam – e deveriam - mudar este estado de coisas? Muitos estão em seus “castelos”, lutando por frações de poder, medalhas, privilégios e títulos. Não ouvem a voz das ruas e nem se mostram permeáveis à crítica externa e às demandas sociais.

Pelo contrário, atribuem tudo isso a conspiradores anônimos e silenciosos que desejam enfraquecer o poder. Também não admitem jamais abrir mão de luxos que atualmente não se justificam, como duas férias anuais. Chega-se ao absurdo de se promover silenciosamente uma disputa surda entre juízes de segundo grau da justiça estadual e de segmentos da justiça federal pelo “privilégio” de usar a denominação “desembargador”, como se o tratamento dispensado ao juiz fosse lhe conferir sabedoria e garantir a prestação jurisdicional célere que a população tanto deseja.

Também não se vê por parte de associações que representam os juízes propostas de modernização, de incorporação de tecnologias, de simplificação e otimização de procedimentos e rotinas de trabalho para atingir padrões mínimos de qualidade e eficiência. Continuamos, como há séculos, reproduzindo modelos de decisão e de termos de audiência que já eram usados nos tempos da Inquisição.

Enfim, fica muito claro que se a autocrítica não ocorrer e as mudanças tão legítimas desejadas pela nossa sociedade não forem implementadas de dentro para fora, virão certamente de fora para dentro. O CNJ é o primeiro exemplo disso.

Por certo, se continuarmos surdos e inertes, alheios ao que acontece à nossa volta, seremos, ao final, expulsos de nossos castelos, sem nossos tão desejados títulos, comendas e condecorações.

Espero apenas que também não sejamos mortos como animais e enterrados em cova rasa no deserto. Que antes do fim a autocrítica tome conta de nosso meio e a sociedade tenha enfim o Poder Judiciário que merece.



Interesse Público


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