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sábado, 22 de janeiro de 2011

Cidadania: você sabe o que é?

Cidadania é uma palavra bonita, de alguns anos pra cá muito usada na esfera governamental, na mídia, na sociedade em geral.

De significado amplo, rico, pode ser entendida de várias formas.

Cidadania está na moda. Vive na boca de muitos. E outros tantos a escrevem. Mas nem todos apreendem seu sentido.

Intolerância a opiniões divergentes nada tem a ver com cidadania. "Lei da Mordaça" nada tem a ver com cidadania. Exclusão e discriminação nada têm a ver com cidadania. Têm a ver com autoritarismo, têm a ver com fascismo. Mas com cidadania nada têm a ver.

Preconceito, descarado ou camuflado, nada tem a ver com cidadania.

Arrogância, prepotência e abuso de poder, então! Passam bem longe da cidadania.

Megalomania rima com cidadania. Aristocracia rima com cidadania. Oligarquia rima com cidadania. Mas só rimam. Estão na contramão de qualquer atitude que se pretenda cidadã.

E não basta ser detentor de direitos. É preciso exercitá-los. Direitos de cidadania são ao mesmo tempo deveres de cidadania. É preciso atuar para que tais direitos sejam reconhecidos, respeitados. Em todas as esferas da sociedade.

Para esclarecer o sentido verdadeiro. Para não nos deixarmos enganar. Para tirar as máscaras dos que vivem a difundir a palavra, mas atuam em sentido contrário no seu cotidiano pessoal e/ou profissional. Para trazer luzes a quem pretende ser efetivamente progressista, cidadão...

O ABC!, que tem a construção da cidadania permeando suas linhas editoriais, abre aqui uma vertente para publicar textos claros, bem escritos, acessíveis, que esclarecerão cabalmente o belíssimo significado da palavra Cidadania. Começamos com um artigo do professor Dalmo Dallari, um dos mais importantes juristas atuantes no Brasil hoje, publicado no portal DHnet.



DIREITOS E DEVERES DA CIDADANIA

Cidadão, Cidadania e Integração Social

Dalmo Dallari


A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. Por extensão, a cidadania pode designar o conjunto das pessoas que gozam daqueles direitos. Assim, por exemplo, pode-se dizer que todo brasileiro, no exercício de sua cidadania, tem o direito de influir sobre as decisões do governo. Mas também se pode aplicar isso ao conjunto dos brasileiros, dizendo-se que a cidadania brasileira exige que seja respeitado seu direito de influir nas decisões do governo. Nesse caso se entende que a exigência não é de um cidadão mas do conjunto de cidadãos.

Na Grécia antiga, como se lê no filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C), já havia o reconhecimento do direito de participar ativamente da vida da cidade, tomando decisões políticas, embora esse direito ficasse restrito a um número pequeno de pessoas. Em Roma, como anteriormente mencionado, foi feita a classificação das pessoas para efeito de cidadania. Os estrangeiros e os escravos estavam excluídos da cidadania, e, além disso, só uma parte dos cidadãos romanos gozava da cidadania ativa. E só o cidadão ativo tinha o direito de ocupar cargos públicos importantes e de participar das decisões políticas, especialmente através do voto.


 
Cidadania: Participação na Vida Pública

Foi a partir da concepção romana que se adotou o conceito de cidadania, na França do século dezoito, como foi acima exposto. E foi também a partir da França que se introduziu nas legislações modernas a diferenciação entre cidadania e cidadania ativa.

A cidadania, que no século dezoito teve sentido político, ligando-se ao princípio da igualdade de todos, passou a expressar uma situação jurídica, indicando um conjunto de direitos e de deveres, jurídicos. Na terminologia atual, cidadão é o indivíduo vinculado à ordem jurídica de um Estado. Essa vinculação pode ser determinada pelo local do nascimento ou pela descendência, bem como por outros fatores, dependendo das leis de cada Estado. Assim, por exemplo, o Brasil considera seus cidadãos, como regra geral, as pessoas nascidas em território brasileiro ou que tenham mãe ou pai brasileiro.

Essa vinculação significa que o indivíduo terá todos os direitos que a lei assegura aos cidadãos daquele Estado, tendo também o direito de receber a proteção de seu Estado se estiver em território estrangeiro. Desde o começo do século dezenove foi estabelecida a idéia de que direitos específicos da cidadania são aqueles relacionados com o governo e a vida pública. Em primeiro lugar, o direito de votar e ser votado, mas a partir disso existem outros direitos exclusivos dos cidadãos. Entre esses se acha o direito de ser membro do Tribunal do Júri, além do direito de ter um cargo, emprego ou função na Administração Pública.


A Cidadania no Brasil Atual

A Constituição Brasileira de 1988 assegurou aos cidadãos brasileiros os direitos já tradicionalmente reconhecidos, como o direito de votar para escolher representantes do Legislativo e do Executivo e o direito de se candidatar para esses cargos. Não ficou, porém, apenas nisso, sendo importante assinalar que essa Constituição ampliou bastante os direitos da cidadania.

Como inovação, foi dado ao cidadão o direito de apresentar projetos de lei, por meio de iniciativa popular, tanto ao Legislativo federal quanto às Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. Foi assegurado também o direito de participar de plebiscito ou referendo, quando forem feitas consultas ao povo brasileiro sobre projetos de lei ou atos do governo. Além disso, foi atribuído também aos cidadãos brasileiros o direito de propor certas ações judiciais, denominadas garantias constitucionais, especialmente previstas para a garantia de direitos fundamentais. Entre essas ações estão a Ação Popular e o Mandado de Segurança, que visam impedir abusos de autoridades em prejuízo de direitos de um cidadão ou de toda a cidadania.

A par disso, a Constituição prevê a participação obrigatória de representantes da comunidade em órgãos de consulta e decisões sobre os direitos da criança e do adolescente, bem como na área da educação e da saúde. Essa participação configura o exercício de direitos da cidadania e é muito importante para a democratização da sociedade.

Em todos os Estados do mundo, inclusive no Brasil, a legislação estabelece exigências mínimas para que um cidadão exerça os direitos relacionados com a vida pública, o que significa a imposição de restrições para que alguém exerça os direitos da cidadania. De certo modo, isso mantém a diferenciação entre cidadãos e cidadãos ativos. O dado novo é que no século vinte, sobretudo a partir de sua segunda metade, houve o reconhecimento de que muitas dessas restrições eram antidemocráticas e por isso elas foram sendo eliminadas. Um exemplo muito expressivo dessa mudança é o que aconteceu com o direito de cidadania das mulheres. Em grande parte do mundo as mulheres conquistaram o direito de votar e de ocupar todos os cargos públicos, eliminando-se uma discriminação injusta que, no entanto, muitos efeitos ainda permanecem na prática.

Por último, é importante assinalar que os direitos da cidadania são, ao mesmo tempo, deveres. Pode parecer estranho dizer que uma pessoa tem o dever de exercer os seus direitos, porque isso dá a impressão de que tais direitos são convertidos em obrigações. Mas a natureza associativa da pessoa humana, a solidariedade natural característica da humanidade, a fraqueza dos indivíduos isolados quando devem enfrentar o Estado ou grupos sociais poderosos são fatores que tornam necessária a participação de todos nas atividades sociais. Acrescente-se a isso a impossibilidade de viver democraticamente se os membros da sociedade não externarem suas opiniões e sua vontade. Tudo isso torna imprescindível que os cidadãos exerçam seus direitos de cidadania.