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terça-feira, 24 de maio de 2011

República dos Canalhas ou Como é doce uma quadrilha!...

Bom, nem preciso escrever algumas linhas para introduzir o artigo abaixo, como costumo e gosto de fazer aqui no ABC!

Basta uma vista d' olhos no noticiário nacional pra saber do que se trata aqui. Nenhum dos "pilares" da República Bananeira escapa, mesmo. Quando não é o Judiciário e suas bandas podres, seus cancros, seus semideuses cínicos e togados, são os trocentos picaretas do Congresso... E agora, o primeiro escalão do Executivo, no governo da Primeira Mulher Presidente da República, que sequer completou seis meses!

Como diz o outro, Viva o Brasil !!!


O discreto charme da corrupção

Arnaldo Jabor

Vivemos sob uma chuva de escândalos e denúncias de corrupção. Mas, não se enganem, esses shows permanentes nos jornais e TV servem apenas para dar ao povo a impressão de transparência e para desviar seus olhos das reformas essenciais que mantêm nossas oligarquias intactas. Aos poucos o povo vai se acostumar à zorra geral e achar que tanta gente tem culpa que ninguém tem culpa. Me chamam de canalha, mas eu sou essencial. Tenho orgulho de minha cara de pau, de minha capacidade de sobrevivência, contra todas as intempéries. 

Enquanto houver 25 mil cargos de confiança no País, eu estarei vivo, enquanto houver autarquias dando empréstimos a fundo perdido, eu estarei firme e forte. Não adiantam CPIs querendo me punir. Eu me saio sempre bem. Enquanto houver esse bendito Código de Processo Penal, eu sempre renascerei como um rabo de lagartixa, como um retrovírus fugindo dos antibióticos. 

Eu sei chorar diante de uma investigação, ostentando arrependimento, usando meus filhos, pais, pátria, tudo para me livrar. Eu declaro com voz serena: "Tudo isso é uma infâmia de meus inimigos políticos".

Eu explico o Brasil de hoje. Tenho 400 anos: avô ladrão, bisavô negreiro e tataravô degredado. Eu tenho raízes, tradição. Durante quatro séculos, homens como eu criaram capitanias, igrejas, congressos, labirintos. Nunca serão exterminados; ao contrário - estão crescendo. Não adianta prender nem matar; sacripantas, velhacos, biltres, vendilhões e salafrários renascerão com outros nomes, inventando novas formas de roubar o País.

E sou também "pós-moderno": eu encarno a "real-politik" do crime, a frieza do Eu, a impávida lógica do egoísmo.

No imaginário brasileiro, tenho algo de heroico. São heranças da colônia, quando era belo roubar a Coroa. Só eu sei do delicioso arrepio de me saber olhado nos restaurantes e bordeis; homens e mulheres veem-me com gula: "Olha, lá vai o ladrão..." - sussurram fascinados por meu cinismo sorridente, os maîtres se arremessando nas churrascarias de Brasília e eu flutuando entre picanhas e chuletas.

Amo a adrenalina que me acende o sangue quando a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares, vibro quando vejo os olhos covardes dos juízes me dando ganho de causa, ostentando honestidade, fingindo não perceber minha piscadela maligna e cúmplice na hora da emissão da liminar... Adoro a sensação de me sentir superior aos otários que me compram, aos empreiteiros que me corrompem, eles, sim, humilhados em vez de mim.

Sou muito mais complexo que o bom sujeito. O bom é reto, com princípio e fim; eu sou um caleidoscópio, uma constelação.

Sou mais educativo. O homem de bem é um mistério solene, oculto sob sua gravidade, com cenho franzido, testa pura. O honesto é triste, anda de cabeça baixa, tem úlcera. Eu sou uma aula pública de perversidade. Eu não sou um malandro - não confundir. O malandro é romântico, boa-praça; eu sou minimalista, seco, mais para poesia concreta do que para o samba-canção. Eu faço mais sucesso com as mulheres - elas ficam hipnotizadas por meu mistério; e me amam, em vez do bondoso, que é chato e previsível. 

A mulher só ama o inconquistável. Eu fascino também os executivos de bem, porque, por mais que eles se esforcem, competentes, dedicados, sempre se sentirão injustiçados por algum patrão ingrato ou por salários insuficientes. Eu, não; não espero recompensas, eu me premio e tenho o infinito prazer do plano de ataque, o orgasmo na falcatrua, a adrenalina na apropriação indébita. Eu tenho o orgulho de suportar a culpa, anestesiá-la - suprema inveja dos meros neuróticos e sempre arranjo uma razão que me explica para mim mesmo. Eu sempre estou certo; ou sou vítima de algum mal antigo: uma vingança pela humilhação infantil, pela mãe lavadeira ou prostituta que trabalhou duro para comprar meu diploma falso de advogado. Pois é, eu comprei meu título de advogado; paguei um filho de uma égua para me substituir no exame e ele acertou tudo por mim. Eu me clonei.

Subi até a magistratura. Como juiz e com meu belo diploma falso na parede, vendi muitas sentenças para fazendeiros, queimadores de florestas, enchi o rabo de dinheiro. Passei a ostentar uma dignidade grave, uma cordialidade de discretos sorrisos, vivendo o doce frisson de me sentir superior aos medíocres honestos que se sentem "dignos"; digno era eu, impávido, mentindo, pois a mentira é um dom dos seres superiores. A mentira é necessária para manter as instituições em funcionamento. O Brasil precisa da mentira para viver. E vi que é inebriante ser cruel, insensível, ignorar essas bobagens como a razão, a ética, que não passam de luxos inventados pelos franceses, como os escargots.

Aí, com muito dinheiro encafuado, bufunfas e granolinas entesouradas, eu me permiti as doçuras da vida e me apaixonei por aquela santa que virou mãe de meus filhos. Hoje, com a passagem do tempo, ela vai se consumindo em plásticas e murchando sob pilhas de botox, mas continuo fiel a ela como o marido público, pois nunca a abandonarei, apesar das amantes nas lanchas, dos filhos bastardos.

E, aí, fui criando a minha rede de parentes e amigos; como é doce uma quadrilha, como é bela a confiança de fio de bigode, o trânsito cordial entre a lei e o crime... Assim, eu fechei o ciclo que começou na mãe lavadeira e no diploma falso até a minha toga negra, da melhor seda pura que minha esposa comprou em Miami, e não fui feito desembargador nas coxas não; eu já sabia que bastavam padrinhos e meia dúzia de frases em latim: "Actore non probante, reus absolvitur!" (frase que muito me beneficiou vida a fora.) Depois, claro, fui deputado, senador e sou um homem realizado. Eu sou mais que a verdade; eu sou a realidade. Eu e meus amigos criamos este emaranhado de instituições que regem o atraso do País. Este País foi criado na vala entre o público e o privado. 

A bosta não produz flores magníficas? Pois é. O que vocês chamam de corrupção, eu chamo de progresso. O Brasil precisa de mim.


Do saite Espaço Vital.

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Os perseguidos

Lucius Annaeus Seneca, que nasceu em Córdoba, Espanha, alguns anos antes da era cristã, é o primeiro representante do estoicismo romano. Era filho do retórico Sêneca, o Velho, e foi educado em Roma, onde estudou retórica e filosofia. Ficou famoso como advogado. Como político, chegou ao Senado, sendo depois nomeado questor, magistrado da justiça criminal.

O sucesso de Sêneca na política provocou a inveja do imperador Calígula, que pretendia assassiná-lo, mas quem acabou morrendo mesmo foi Calígula. Anos depois, sob acusação de adultério, Sêneca foi exilado na Córsega, onde sofreu grandes privações de ordem material.

De volta a Roma depois de longo período, assumiu a educação de Nero, sendo seu principal ministro e conselheiro quando este se torna imperador. Alcançou sucesso e fortuna, provocando então a hostilidade de Nero. Perseguido, acaba condenado ao suicídio.

Com serenidade estoica, no ano 65 da nossa era, cortou os pulsos diante de amigos, cumprindo a condenação determinada pelo despótico imperador.

Entre seus Ensaios Morais contam-se Sobre a Clemência, onde adverte Nero sobre os perigos da tirania, Da Brevidade da Vida, em que analisa as frivolidades nas sociedades corruptas e Sobre a Tranquilidade da Alma, que trata da participação na vida pública.

Para Sêneca, a filosofia é uma arte da ação humana, uma pedagogia que educa os homens para o exercício da virtude, uma medicina da alma. No centro da reflexão filosófica, portanto, deve estar a ética, os valores imperecíveis.

Como se vê, não é de hoje que a inveja constitui motor das injustiças cometidas pela iniquidade.


Os perseguidos


Maus não são os que parecem ser, os que apenas parecem ser. E o que tu chamas de asperezas, adversidades, abominações, são coisas até proveitosas às pessoas que as têm de suportar, e mesmo a todos os homens, pelos quais velam os deuses, os sofrimentos, injustamente impostos, acabam tornando-se merecimento para os que os recebem e castigo para os que se livram deles a qualquer preço.

Em geral, as perseguições atingem os bons, exatamente porque são bons. Não chores sobre o sofrimento dos bons, para que não se tenha a idéia de que eles são desventurados. Não te espantes, se te digo que ser esmagado pela perseguição não é, geralmente, uma desgraça para o homem, mas antes uma felicidade e uma honra.

"Mas será proveitoso - perguntas - ser lançado ao exílio, reduzido à indigência, ter de enterrar a esposa e os filhos, ser vilipendiado pela ignomínia e mutilado pela tortura?" Se te parece estranho que isso seja proveitoso, também te há de parecer estranho que alguns sejam curados com ferro e fogo, como pela fome ou pela sede. Mas se considerares que a alguns, por remédio heroico, lhes quebram e arrancam os ossos, lhes extraem veias e amputam determinados membros, que não poderiam ficar unidos ao resto do corpo sem prejudicá-lo, também hás de reconhecer, forçosamente, que certos males beneficiam aos que os suportam.

Da mesma forma certas vantagens, certos prazeres, certas recompensas e honrarias aviltam e desfiguram aos que delas se beneficiam. Entre muitas e magníficas sentenças de nosso Demétrio, há uma de que sempre me lembro, e que diz que nada parece mais infeliz do que o homem que nunca sofreu contrariedades, pois, assim, nunca foi provado. Os deuses o desprezam, não lhe dando oportunidade de construir sua fortaleza de ânimo e vencer as injustiças.

É próprio dos pouco dignos não sofrer perseguições, pois estão sempre de acordo com os poderosos, como se dissessem: "Para que vou me opor a um adversário temível?" Sobre estes, o opressor nem precisará descer sua mão pesada. Acovardam-se com um simples olhar. O próprio opressor os despreza, e respeita mais aqueles que o enfrentam com valor, mesmo quando são esmagados. O próprio opressor gosta de medir suas forças com quem também tem força, e tem vergonha de lutar contra um homem resignado à derrota e à submissão. O gladiador considera uma ignomínia combater com um inferior e sabe que o vencido sem perigo é um vencido sem glória.

Assim também procede a fortuna: busca os mais fortes, os que não têm medo, os mais tenazes. Prova a Múcio com o fogo, o Fabrício com a pobreza, a Rutilo com o desterro, a Régulo com a tortura, a Sócrates com o veneno, a Catão com a morte. Só na adversidade se encontram as grandes lições de heroísmo. Será que Múcio foi um infeliz ao segurar na mão direita a tocha acesa e ao infligir-se a si mesmo o castigo de seu erro, pondo em fuga com a mão queimada o rei que não pudera afugentar com a mão armada? Teria alcançado glória maior se estivesse acalentando a mão no seio de uma amiga? E Fabrício, ao lavrar seu pequeno campo, nas horas de folga do exercício do governo, no qual fazia a guerra tanto a Pirro como às riquezas, e porque, à luz da lamparina de sua casa modesta, não come outra coisa senão as raízes e as ervas que plantou e colheu com suas próprias mãos?

E Rutilo, será um infeliz por ter sofrido uma condenação da qual os juízes que o condenaram se envergonharão através dos tempos, e por ela responderão ao longo dos séculos? O que o honra, exatamente, é a grandeza com que se portou diante dos juízes perversos, e preferiu perder o direito de viver na própria pátria, negando-se sempre a negociar sua consciência com Sila, o ditador, a quem respondeu viajando ainda mais longe de Roma, quando o tirano o convidava a voltar. Sua resposta altiva ao ditador era que ficasse ele com os que se compraziam na submissão e contemplavam sem revolta o sangue derramado na rua e as cabeças dos senadores do povo no lado serviliano e as hordas de assassinos rondando soltos a cidade, e os milhares de cidadãos romanos degolados num mesmo lugar, depois de haverem jurado fidelidade, e até exatamente por isto. Fiquem com tudo isso - dizia o exilado - os que preferem a desonra ao desterro. E a Régulo, a quem torturaram, arrancaram a pele, encheram-lhe o corpo de feridas, obrigaram-no a não dormir - quem era superior: ele, ou os torturadores? Seu tormento foi grande, mas sua glória foi maior. Porque sofria pela causa do povo romano.


(Do tratado sobre a Providência)

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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Cães, esses seres mais que especiais

Eu não tenho um Golden, o cão de que trata o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. no artigo que publico abaixo. Os meus são "srd", como dizem os veterinários, "sem raça definida", vira-latas, na acepção popular. Arthur, o caçula, peralta e serelepe, é o meu filho "loiro", dourado como o Pitoko do filósofo. Chico, o primogênito, de mãe poodle, Nina, e pai vira, João, é o meu filho com todas as qualidades que o filósofo identificou no seu Golden, e eu arrisco a dizer, outras mais.



Chico é um lorde inglês. Educadíssimo. Não precisei ensiná-lo como se portar quando de suas necessidades fisiológicas. Jamais as fez dentro de casa ou em lugares impróprios. Doce como o mel, companheiro de todas as horas, alegre, solidário, me ensinou a amar, me amando.

E o melhor de tudo: de um caráter, de uma lealdade, de uma integridade sem limites. O que falta em boa parte da "humanidade" com que somos todos obrigados a conviver...


Aprendendo a amar


Os animais são racionais. Contra Aristóteles, Voltaire (1) acompanhou Montaigne na sua observação dos animais, mostrando o comportamento deles como possuindo, segundo uma perspectiva, tudo que se pode atribuir à racionalidade.

Na verdade, se quiséssemos ser cientificamente bem rigorosos e filosoficamente espertos, teríamos de afirmar uma diferença de “racionalidade” entre nós, os bípedes-sem-penas, e os outros animais, se pudéssemos adentrar nas mentes deles. Não podemos fazer isso com nossos semelhantes. Com ninguém. Tudo que sabemos da racionalidade de nossos semelhantes e dos nossos dessemelhantes é por imputação, a partir da observação comportamental.

Por isso mesmo, gosto muito daquele desenho animado em que há uma sociedade secreta de cães que toma conta da Terra, e que vive salvando o planeta das besteiras feitas pelos homens e mulheres. Pode parecer empiricamente impossível aquilo, mas do ponto de vista teórico, aquela ficção não é impossível. Deveríamos levar aquele cartoon a sério ao nos relacionarmos com os animais, principalmente com aqueles que trouxemos para dentro de nossos lares e do nosso convívio há tanto tempo, os cães.

Caso você tenha um cão, não o trate como um pet. Trate-o como um membro da família. Caso você tenha um cão Golden, trate-o não só como membro da família, mas como um filho – e seja um bom pai e uma boa mãe. Faça isso e você não só estará fazendo justiça à “racionalidade” que Voltaire notou, mas estará fazendo também algo de muito bom para você mesmo. Será um presente que você estará se dando. Pois ao elevar o Golden à condição de filho, você descobrirá em você uma nova capacidade de amar. Como amor envolve não só dedicação, mas observação, pois o amor tem um “olhar especial”, então você começará a filosofar como Voltaire. Você começará a finalmente entender o Cosmos, ao ver nos seres que até então você chamava de “brutos” algo nada bruto, talvez algo bem melhor que tudo que nós, os humanos, podemos nos atribuir.

A primeira coisa que você tem de aprender com o Golden é que ele, como você, vem “programado” para realizar certas coisas já em tenra idade. Ele faz o xixi no jornal, sem que você ralhe com ele, apenas mostrando uma vez o lugar de xixi. Pode, no máximo, colocá-lo ali para fazer o xixi. Mas, no geral, nem isso. Só o fato de colocar o jornal, já será o suficiente. Desde as primeiras semanas, podendo ensaiar alguns passinhos e pulinhos, ele já estará pegando a bolinha e trazendo para você. Ao mesmo tempo, ele estará latindo de maneira diferente, para cada coisa que quer. Ou coisa que quer para ele próprio ou coisas que ele quer para você. Eduque seu ouvido para perceber o que ele fala – e ele fala intencionalmente, sem qualquer “condicionamento”. Golden não é para condicionar, não mais que nós mesmos, os humanos. Golden é, em certo sentido, um humano, ou seja, aprende como nós: na base da conversa. Um Golden aprende em torno de 50 palavras de modo muito rápido, sem que você se preocupe em ensinar. Agora, se quiser ensinar, ah, então verá que está diante de uma máquina de aprender sempre. Não é necessário “comandos”, como os treinadores de cães fazem. Basta que o feedback positivo seja dado para cada objeto e palavra, para cada situação e nome, e ele irá aprendendo tudo. Ele observa demais as pessoas que ama, e aprende o que estão conversando, entende o sentido da conversa, quando esta conversa se refere a coisas e situações mais fáceis e mais concretas. Um Golden sabe perfeitamente quando se está conversando dele, e não com ele.

O meu filho Pitoko, um Golden que está agora com mais de um ano, presta atenção na conversa minha com minha esposa, a Fran, e se há na conversa algo que o interessa, por exemplo, a expressão “vamos sair” ou “vamos passear” ou “vamos dar um andada”, ele logo aparece com sua coleira na boca, para ser vestido e se preparar para a saída. Nada foi falado para ele. Estávamos conversando entre nós. Mas, do mesmo modo que eu reconheço alguns latidos dele com o que ele vai fazer, ele também reconhece os meus sons. E ele está sempre interessado em nos acompanhar. O prazer dele é o prazer de estar junto conosco. Como o prazer da Fran e o meu é de estarmos juntos um com outro. Pitoko nos ama. Nós o amamos. É isso.

Tudo que o Golden faz ele faz por amor. Amor aos que lhe dão amor. Mas, fundamentalmente, amor a quem é seu “amor à primeira vista”. Portanto, guarde bem isso, para ensinar ao seu filho ou filha (humanos): se ela ou ele é quem vai ficar com Golden, que ela encare como um parceiro eterno – mais que um amigo ou irmão, mas um tipo de amizade siamesa. Não se pode ficar adolescente e, então, deixar o Golden ser um pet, trocá-lo por amigos ou amigas. Quem faz isso, comete um crime. Quem faz isso, não teve educação, percepção, não foi criado para ser um autêntico ser humano. Não entendeu nada do que é o amor e do que é a amizade.

Comece a observar seu filho, o Golden. Deixe-o dormir junto com você. Tome banho com ele. Converse. A cada passo desses, você vai entender, finalmente, o que é o amor. Você vai sentir um enorme prazer de ter se tornado uma pessoa melhor, capaz de amar outros seres, capaz de cumprir um belo lema do liberalismo que é “viver e deixar viver”. Você será uma pessoa menos irritada, menos “krika”. Experimente. E saiba que a filosofia estará com você. Sempre. Pois, finalmente, você a levou a sério.

Ah, não se esqueça de seguir uma boa dieta para o seu cão, principalmente se ele for um Golden.

©2011 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

(1) O texto de Voltaire sobre o animais.

domingo, 22 de maio de 2011

Pelos animais, contra o projeto de Deus

Demoramos a perceber que foi Deus, e não Eva e Adão, que cometeu o primeiro pecado. Hoje isso é claro, mas durante anos acreditamos no erro divino como se fosse um acerto, aquele que está lá na Bíblia, escrito como uma ordem que nunca deveríamos ter levado a sério.

No livro de Deus o homem aparece no mundo como senhor da Terra, e toda a natureza e os animais são postos a seu serviço e exploração. O homem foi autorizado por Deus a cuidar do mundo, mas não como guardião e protetor amoroso e, sim, como a raposa no galinheiro. Durante anos a fio o próprio homem, achando-se pecador, não desconfiou que o pecado original nada tinha a ver com ele, e sim com o próprio Deus. Assim acreditando, seguiu a doutrina bíblica de que a ele cabia servir-se do mundo.

Alguns santos indignaram-se com tal coisa. São Francisco de Assis desconfiou de Deus. Saiu pelado em protesto. A Igreja fez para ele uma Ordem. “Vá cuidar você dos que declaramos sem alma, deixe para o resto da Igreja as almas que rendem dízimo” – foi o que os outros padres lhe disseram, autorizados alvissareiramente pelo Papa.

Mas não só santos estranharam o mundo ordenado biblicamente. Alguns filósofos nunca acompanharam de cabeça baixa a ditadura bíblica. Heidegger, por exemplo, achou que a dominação moderna levada a cabo pela técnica científica não havia trazido felicidade ao mundo. No entanto, ainda como outros, ele imaginou que o homem – fundamentalmente o Humanismo – havia sido o culpado de tudo. Caso nos despedíssemos da doutrina humanista, da fúria epistemológica cartesiana, e nos voltássemos a escutar a Voz do Ser, deixaríamos de ver o mundo como algo para as nossas mãos. Então, pacificados por uma renovação da filosofia como contemplação – agora antes auditiva que visual – poderíamos refazer a relva da Terra.

Houve filósofos que viram verdade no que Heidegger tinha dito sobre a ciência, a técnica e a tecnologia, mas não quiseram culpar o homem e sua doutrina. Acreditaram que o mundo tinha uma ordenação pouco promissora. Agiram como se o pecado fosse mesmo de Deus, mas impossível de ser desfeito. Horkheimer levou a sério Schopenhauer e declarou sua crença na metafísica do mal. Não poderíamos estar na Terra e, ao mesmo tempo, não matar os animais e não poluir tudo de modo abusivo. Poderíamos, aqui e ali, criarmos mecanismos sociais e culturais para amenizar o mal. Todavia, o mal estaria instaurado como uma força tão louca quanto a Vontade schopenhauriana ou as forças cósmicas nietzschianas.

Mas, esses santos e filósofos, no limite, nunca foram levados a sério nem mesmo por quem os seguiu. Os adoradores de São Francisco não se tornaram protetores dos animais. Os scholars de Heidegger, em cada universidade, correm para lá e para cá fazendo carreira acadêmica e sendo os mais distantes bípedes da vida contemplativa. Os leitores de Horkheimer nem sempre conseguiram ler suas últimas obras, aquelas nas quais ele recomendou uma vida social-democrata como o modo de criarmos o melhorismo possível no mundo dominado pelo mal. A maior parte deles são devoradores de cadáveres. Só comem cometendo assassinatos.

É claro que existiram os adoradores da arte, que se imaginaram no Olimpo. Filósofos que disseram que o homem iria abandonar o projeto predatório do Deus bíblico se se tornassem andarilhos da estrada estética. Adorno e John Dewey quiseram achar as placas indicativas dessa rodovia. Eles realmente encontraram essa estrada e foram vendo que ela não tinha postos de gasolina e, sim, galerias de arte. Nunca se deram conta de que cada galeria continha quadros pintados com pincéis de pêlo de marta. Nunca foram capazes de aprender a matemática do cotidiano para contabilizar o sofrimento das martas, que pagaram com a vida o deleite estético de uma elite tão pecaminosa quanto Deus.

Quando Jesus veio ao mundo para afrontar o Deus bíblico, pregando a doutrina do amor e não da justiça, ele fez só meio serviço. Jesus não teve a coragem de perceber que ele só escapou de Herodes por conta do burrinho que carregou Maria e ele, conduzido por José. Jesus não entendeu nada do mundo. Afinal, sendo ele próprio filho de quem dizia ser, não poderíamos, mesmo, esperar muito.

Quando menino, eu comecei a achar que esse Deus bíblico tinha alguma coisa de errado. Depois, como filósofo, eu percebi claramente que esse Deus sem-vergonha, além de errado, não havia feito um movimento sequer para se redimir. Resolvi então, eu mesmo, começar a agir. Comecei a conversar com os animais. Tentei olhar para o Cosmos segundo o que vieram a me ensinar. Passei a entender que todo ato nosso contra eles era a covardia máxima a ser feita na Terra, porque nenhum deles jamais conseguiu desconfiar de nós como os que se aproximavam deles, mesmo quando com afagos, para engaiolá-los, matá-los e devorá-los. Hoje, vivendo com o Pitoko, finalmente tenho meus primeiros vislumbres sobre algumas possibilidades de barrarmos a voz errada de Deus e sua crueldade onipresente.

© Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ.

Blog do Filósofo

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sábado, 21 de maio de 2011

Absurdo dos absurdos! STF insulta o Direito e a Justiça

Farsa processual. Simulação que agride a Ética e o Direito. Ato de extrema violência. Dupla ilegalidade. Mesquinhez e imoralidade. Desrespeito ao Direito e à Justiça.

É com estas expressões "elegantes", mas altamente depreciativas, que o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, tece duras críticas às artimanhas de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal na prisão ilegal do escritor e ativista italiano Cesare Battisti.

É gravíssima essa inusitada situação, provocada por quem foi colocado no Olimpo para solucionar conflitos, não para criá-los!

Desmoralização total da Suprema Corte Brasileira. Acinte, insulto à cidadania.

Até quando o povo brasileiro vai conviver, estarrecido ou anestesiado, com o vilipêndio da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito perpetrado por estes semideuses?

Abaixo o artigo do Professor Dalmo Dallari, reproduzido a partir do blog Náufrago da Utopia.


Prisão ilegal de Battisti: uma farsa jurídica

Dalmo Dallari*


Fingir que o Supremo Tribunal Federal ainda pode decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti formulado pelo governo italiano não passa de uma farsa processual, uma simulação jurídica que agride a Ética e o Direito.

E manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso, é ato de extrema violência, pois além da ofensa ao direito de locomoção, reconhecido e proclamado como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e garantido pela Constituição brasileira, em decorrência da prisão ilegal todos os demais direitos fundamentais da vítima da ilegalidade são agredidos.

Basta lembrar, entre outros, o direito à intimidade, o direito à liberdade de expressão e os direitos inerentes à vida social e familiar, todos consagrados e garantidos pela Constituição brasileira e cujo respeito é absolutamente necessário para preservação da dignidade humana.

E a simulação de um processo pendente de decisão do Supremo Tribunal, para saber se Battisti será ou não extraditado, o que já teve decisão transitada em julgado, agrava essa violência e desmoraliza a Suprema Corte brasileira.

Na realidade, o Supremo Tribunal já esgotou sua competência para decidir sobre esse pedido quando, em sessão de 18 de novembro de 2009, tomou decisão concedendo autorização para que o presidente da República pronunciasse a palavra final, com o reconhecimento expresso de que é da competência privativa do chefe do Executivo a decisão de atender ou negar o pedido de extradição e com a observação de que deveria ser levado em conta o tratado de extradição assinado por Brasil e Itália. Estava encerrada aí a participação, legalmente prevista e admitida, do Supremo Tribunal Federal no processo gerado pelo pedido de extradição.

Depois disso, em 31 de dezembro de 2010, o presidente da República, no exercício de sua competência constitucional privativa, tornou pública sua decisão de negar atendimento ao pedido de extradição de Cesare Battisti. E aqui se torna evidente a dupla ilegalidade, configurada na manutenção da prisão de Battisti e na farsa de continuação da competência do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre o mesmo pedido de extradição sobre o qual o Tribunal já decidiu, tendo esgotado sua competência. 

Com efeito, a legalidade da decisão do presidente Lula, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O presidente decidiu no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira, e a fundamentação de sua decisão, claramente enunciada, tem por base disposições expressas da Constituição brasileira e das normas legais relativas à extradição, como também do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.

Não existe possibilidade legal de reforma dessa decisão pelo Supremo Tribunal Federal e não passa de uma farsa o questionamento processual da legalidade da decisão do presidente da República por meio de uma Reclamação, que não tem cabimento no caso, pois não estão sendo questionadas a competência do Supremo Tribunal nem a autoridade de uma decisão sua, sendo essas as únicas hipóteses em que, segundo o artigo 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal, cabe a Reclamação. Apesar da evidente falta de fundamento legal, a Reclamação vem tramitando com a finalidade óbvia, mesquinha e imoral, de manter Cesare Battisti preso por muito mais tempo do que a lei permite.

Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar que se trata de uma espécie de prisão preventiva, que já não tem cabimento. Quando o governo da Itália pediu a extradição de Battisti teve início um processo no Supremo Tribunal Federal, para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao presidente da República. Para impedir que o possível extraditando fugisse do País ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do chefe do Executivo se esta fosse concessiva da extradição, o presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva de Battisti, com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.

Em 18 de novembro de 2009 o Supremo Tribunal decidiu conceder a autorização, o que foi comunicado ao chefe do Executivo com o reconhecimento expresso de que tal decisão não impunha ao presidente a obrigação de extraditar e a observação de que deveria ser considerado o tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália. É importante ressaltar que cabe ao presidente da República “decidir” e não aplicar burocraticamente uma decisão autorizativa do Supremo Tribunal, o que implica o poder de construir sua própria convicção quanto ao ato que lhe compete praticar, sem estar vinculado aos diferentes motivos que levaram cada Ministro da Suprema Corte a votar num determinado sentido.

Em 31 de dezembro de 2010 o presidente da República tomou a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália. Numa decisão muito bem fundamentada, o chefe do Executivo deixou claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição.

Na avaliação do pedido, o presidente da República levou em conta todo o conjunto de circunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, concluindo que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição. Decisão juridicamente perfeita. Desde então, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continuasse preso. Cesare Battisti deveria ter sido libertado imediatamente, em respeito ao Direito e à Justiça.

Por todos esses motivos e fundamentos, fica evidente que a continuação da discussão do pedido de extradição de Battisti no Supremo Tribunal Federal e sua manutenção na prisão não têm qualquer fundamento jurídico, só encontrando justificativa na prevalência de interesses contrários à ética e ao Direito. Em respeito ao Direito e à Justiça e para a preservação da autoridade e da dignidade do Supremo Tribunal Federal impõe-se o arquivamento da descabida Reclamação e a imediata soltura de Cesare Battisti, fazendo prevalecer os princípios e as normas da ordem jurídica democrática.

* Dalmo de Abreu Dallari é professor emérito da Faculdade de Direito da USP e professor catedrático da Unesco na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância.

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terça-feira, 17 de maio de 2011

O horror glamurizado de um jornalismo sem jornalistas

Nietzsche online


29/04/2011

O fantástico da Internet é que ela permite que as narrativas sobre os acontecimentos se deem em concomitância com estes – ou quase isso.  Guardadas as devidas proporções de tempo, nos anos de 1870 Nietzsche observou essa característica dos “tempos modernos”, referindo-se especificamente aos jornais. Ele comentou que nem bem uma guerra havia produzido seus primeiros mortos e os cadáveres apareciam nos jornais como história. E lembrou, é claro que em forma de chiste, que os periódicos não poderiam dizer a verdade porque eles sempre tinham mais ou menos o mesmo número de páginas, ao passo que o número de acontecimentos sempre estaria variando. Nietzsche escreveu isso em aforismos e, também, em um texto que os scholars qualificam como “de juventude”, uma das Extemporâneas.

Naquela época, Nietzsche avaliou que tal prática acentuava ainda mais um clima de época: a predominância do historicismo. (1) Nada teria mais presente. Tudo ganharia uma conotação histórica tão logo viesse a ocorrer. Aos poucos, então, haveria um número cada vez maior de pessoas predispostas a antes viver a história de outros, como espectadores, que viver suas próprias vidas. O “mundo da hegemonia das imagens (instantâneas)”, como é possível denominar o nosso mundo hoje, foi tomado por Nietzsche, há mais de cem anos, como uma verdadeira vítima do historicismo e, enfim, da “cultura filisteia”.

A cultura filisteia, como Nietzsche a viu e a caracterizou, viria como um subproduto negativo do historicismo. Seria a transformação da cultura em um tipo de “sobrecasaca burguesa”, um capote de frio que é vestido para se locomover ao serviço, mas não para ficar em casa. Um exemplo disso, citado por Nietzsche, foi o do filósofo que, transformado em funcionário público – em professor –, nada teria mais a fazer nas suas aulas senão contar a história da filosofia, entupido de erudição, mas incapaz de assumir qualquer das doutrinas ensinadas como algo para a condução de sua própria vida. É claro que o bom professor de filosofia não seria o real filisteu da cultura, aquele que, por exemplo, compra livros para ter uma biblioteca, e não para lê-los e segui-los. Mas, uma coisa atrairia a outra: uma universidade baseada na ideia de que a vida só precisa ocorrer para ser rapidamente registrada em história, já não seria uma universidade em favor do ensino e da pesquisa e, sim, um campo de extensão do jornalismo – um jornalismo irreflexivo à medida que aturdido pelo excesso de informação.

É claro que, com algum bom senso, podemos dizer que vivemos hoje esse mundo denunciado por Nietzsche. Quem duvidaria disso? No entanto, nosso filósofo, uma vez aqui hoje, não deixaria de ter seu Facebook, seu twitter e seu blog. Para um intelectual como Nietzsche, predisposto aos escritos aforismáticos e a certo gosto pelas metáforas, pela alusão às imagens, esses instrumentos não ficariam encostados. Nietzsche foi um conservador, é claro, mas não um passadista tolo. Ele tinha lá sua máquina de escrever e, de modo algum, achava que deveria dispensá-la em favor da escrita cursiva. Sem dúvida, Nietzsche, hoje, estaria longe de ter de se educar em programas governamentais de “inclusão digital”, que abocanharam vários professores universitários no Brasil. Mas, vivo hoje, ele saberia muito bem que aquilo que foi denunciado por ele há mais de um século, agora, é antes a regra para todos, e não apenas um clima posto somente entre as elites informadas. Mais que qualquer pessoa, ele entenderia a fundo a natureza de nossa época.

Todos nós sabemos bem que, dentro de qualquer evento, revolucionário ou corriqueiro, de protesto ou de entretenimento, moral ou exclusivamente estético, não raro as pessoas nem mesmo se preocupam em fazer o evento acontecer e, sim, em colocar seus celulares em disposição de registrar o momento. Os grandes eventos se tornam “maquinais”, eles têm um caminho próprio e são desencadeados e levados adiante por poucos, bem assessorados por máquinas (bandas eletrônicas ou dispositivos com telões e palavras de ordem vindas de situações já gravadas), e as pessoas, em meio ao que ocorre, se fotografam ou se filmam e de imediato distribuem tais imagens pela Internet. Outros, que continuam trabalhando na linha de produção, há milhares de quilômetros, olham de relance seus próprios celulares ou, então, telões ou pequenas TVs, e “ficam sabendo” de tudo. Tudo nem é mais informação. Tudo é história. Ou seja, na época do “fim da história” o que ocorre é a saturação da história. Um casaco continua a ser produzido na linha de produção de uma fábrica brasileira ao mesmo tempo em que uma jornalista é mostrada na tela sendo violentada em uma multidão no Egito e, também ao mesmo tempo, Cristiano Ronaldo aparece para fazer uma gracinha sem graça em campo. Todos são jornalistas de si mesmos. Antes passar a imagem, para que alguém tome providências (que nunca virão, pois do outro lado todos só assistem), ou para que alguém “também curta”, que intervir na situação, para o bem ou para o mal.

A regra de conseguir o “eu estava lá” só vale se eu registro no celular o evento. Mas, antes que registrar, o que preciso fazer é disponibilizar a imagem na Internet imediatamente, para que o mundo diga que “eu estou lá”. Caso o mundo não possa, instantaneamente, me ver “lá”, eu mesmo não saberei onde estou. Então, o celular em punho é minha atividade. Posso estar num baile, dançando com a homenageada (ou uma moça qualquer), mas um dos braços não está nela e, sim, esticado, servindo de apoio para o celular que nos transmite dançando para o mundo (ou quase dançando, pois é estranho dançar com um braço esticado). Isso sem contar as inúmeras cenas de sexo que são jogadas instantaneamente para a Internet, cenas que acabam não raro ocorrendo com dificuldade, caso eu não pare de acertar o celular, tentando achar o meu melhor ângulo de coito.

Walter Benjamin escreveu que os que voltavam da Primeira Guerra Mundial não tinham histórias para contar, diferente dos que haviam voltado das guerras anteriores. A Primeira Guerra havia sido a guerra das máquinas, da morte sem glória, do puro extermínio, do desaparecimento até mesmo dos restos mortais. A Primeira Guerra já foi uma guerra onde a propaganda e o jornais, criando a história no momento mesmo de sua ocorrência, ocupou o espaço das histórias antes que elas pudessem ser contadas pelos que seriam seus protagonistas. E elas não foram contadas, depois que os soldados voltaram. Eles haviam tido o experimento da guerra, mas não a experiência da guerra, não a vivência. Nossas guerras atuais mostram isso. Quem volta não conta a história, pois o que se faz é ligar o celular de modo a deixar que, em qualquer lugar, cada um possa ver o horror instantâneo e, portanto, se acostumar com todo e qualquer horror.

Walter Benjamin foi o primeiro a ver que esse tipo de mundo era aquele de seu tempo, em que uma foto que apresenta horrores pode ser vista por alguém que, enfim, exclama: “nossa, que linda foto”. O horror não mais choca, pois tudo tem um caráter estético, tudo é para informar e ser objeto de deleite ou de julgamento moral apressado – uma época em que a denúncia do preconceito só é regra porque o preconceito é o que há de mais atual. Nada é vivo, tudo é só imagem. Nada é para ocorrer, tudo é para ver. Um clima de hiperhistoricismo se consubstancia por meio de um clima de abundância jornalística. Um jornalismo sem jornalistas, só com repórteres – todos os nós. Conectadíssimos!

Essa ideia de que todos nós seríamos Big Brothers de nós mesmos e que, além disso, faríamos tudo se transformar em espetáculo, se realizou. Ela parece ser positiva para nós. Mas, quando vemos Nietzsche analisá-la em sua forma embrionária, podemos perceber sua essência. Só assim a entendemos.

Marx nos ensinou a ver o que ocorreria no século XX e, é claro, o que continua ocorrendo no século XXI quanto às revoluções e guerras. Mas Nietzsche, logo em seguida de Marx, nos deu as pistas para entendermos nossas atitudes no interior desses movimentos, como estamos fazendo agora. Marx foi o filósofo que mostrou como poderia ser o conteúdo das imagens desse nosso tempo. Nietzsche foi o filósofo que mostrou como poderia ser a forma das imagens desse nosso tempo. E com um detalhe, em nosso tempo, às vezes a forma faz o conteúdo! Marx tinha certeza que a modernização continuaria a fazer as coisas mais sólidas se desmancharem no ar. Nietzsche intuiu que cada etapa dessas coisas sólidas, uma vez se desmanchando no ar, seria notícia em cada celular.

© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr. Filósofo, escritor e professor da UFRRJ.
(1)    Ghiraldelli Jr, P. A aventura da filosofia – de Heidegger a Danto. Editora Manole: Barueri-SP, 2011, vol. II


www.ghiraldelli.pro.br

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Celebração da Lua Cheia Full Moon Celebration

Nesta terça-feira, 17, às 8:10 h, hora de Brasília, estaremos vivenciando um momento especial para a humanidade, o da mais importante Lua Cheia do ano, que coincide com um alinhamento planetário raro, quando sutis e poderosas energias cósmicas incidem sobre o planeta.

Somos o que pensamos. Nossos pensamentos moldam o mundo.

Independente de religiões, convidamos todos os que se sentem cidadãos planetários a participar ativamente desta celebração, mentalizando neste dia LUZ para este planeta tão conflituado e projetando em suas mentes e em seus corações PAZ entre todas as pessoas e entre todas as nações.

Que a Paz prevaleça na Terra!




Video: http://www.youtube.com/watch?v=sL3p6ey9hrw

Música: Mantra da Compaixão "Om Mani Padme Hum" (Salve a Joia no Lótus) / Tibetan Incantations

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