Lucius Annaeus Seneca, que nasceu em Córdoba, Espanha, alguns anos antes da era cristã, é o primeiro representante do estoicismo romano. Era filho do retórico Sêneca, o Velho, e foi educado em Roma, onde estudou retórica e filosofia. Ficou famoso como advogado. Como político, chegou ao Senado, sendo depois nomeado questor, magistrado da justiça criminal.
O sucesso de Sêneca na política provocou a inveja do imperador Calígula, que pretendia assassiná-lo, mas quem acabou morrendo mesmo foi Calígula. Anos depois, sob acusação de adultério, Sêneca foi exilado na Córsega, onde sofreu grandes privações de ordem material.
De volta a Roma depois de longo período, assumiu a educação de Nero, sendo seu principal ministro e conselheiro quando este se torna imperador. Alcançou sucesso e fortuna, provocando então a hostilidade de Nero. Perseguido, acaba condenado ao suicídio.
Com serenidade estoica, no ano 65 da nossa era, cortou os pulsos diante de amigos, cumprindo a condenação determinada pelo despótico imperador.
Entre seus Ensaios Morais contam-se Sobre a Clemência, onde adverte Nero sobre os perigos da tirania, Da Brevidade da Vida, em que analisa as frivolidades nas sociedades corruptas e Sobre a Tranquilidade da Alma, que trata da participação na vida pública.
Para Sêneca, a filosofia é uma arte da ação humana, uma pedagogia que educa os homens para o exercício da virtude, uma medicina da alma. No centro da reflexão filosófica, portanto, deve estar a ética, os valores imperecíveis.
Como se vê, não é de hoje que a inveja constitui motor das injustiças cometidas pela iniquidade.
Os perseguidos
Maus não são os que parecem ser, os que apenas parecem ser. E o que tu chamas de asperezas, adversidades, abominações, são coisas até proveitosas às pessoas que as têm de suportar, e mesmo a todos os homens, pelos quais velam os deuses, os sofrimentos, injustamente impostos, acabam tornando-se merecimento para os que os recebem e castigo para os que se livram deles a qualquer preço.
Em geral, as perseguições atingem os bons, exatamente porque são bons. Não chores sobre o sofrimento dos bons, para que não se tenha a idéia de que eles são desventurados. Não te espantes, se te digo que ser esmagado pela perseguição não é, geralmente, uma desgraça para o homem, mas antes uma felicidade e uma honra.
"Mas será proveitoso - perguntas - ser lançado ao exílio, reduzido à indigência, ter de enterrar a esposa e os filhos, ser vilipendiado pela ignomínia e mutilado pela tortura?" Se te parece estranho que isso seja proveitoso, também te há de parecer estranho que alguns sejam curados com ferro e fogo, como pela fome ou pela sede. Mas se considerares que a alguns, por remédio heroico, lhes quebram e arrancam os ossos, lhes extraem veias e amputam determinados membros, que não poderiam ficar unidos ao resto do corpo sem prejudicá-lo, também hás de reconhecer, forçosamente, que certos males beneficiam aos que os suportam.
Da mesma forma certas vantagens, certos prazeres, certas recompensas e honrarias aviltam e desfiguram aos que delas se beneficiam. Entre muitas e magníficas sentenças de nosso Demétrio, há uma de que sempre me lembro, e que diz que nada parece mais infeliz do que o homem que nunca sofreu contrariedades, pois, assim, nunca foi provado. Os deuses o desprezam, não lhe dando oportunidade de construir sua fortaleza de ânimo e vencer as injustiças.
É próprio dos pouco dignos não sofrer perseguições, pois estão sempre de acordo com os poderosos, como se dissessem: "Para que vou me opor a um adversário temível?" Sobre estes, o opressor nem precisará descer sua mão pesada. Acovardam-se com um simples olhar. O próprio opressor os despreza, e respeita mais aqueles que o enfrentam com valor, mesmo quando são esmagados. O próprio opressor gosta de medir suas forças com quem também tem força, e tem vergonha de lutar contra um homem resignado à derrota e à submissão. O gladiador considera uma ignomínia combater com um inferior e sabe que o vencido sem perigo é um vencido sem glória.
Assim também procede a fortuna: busca os mais fortes, os que não têm medo, os mais tenazes. Prova a Múcio com o fogo, o Fabrício com a pobreza, a Rutilo com o desterro, a Régulo com a tortura, a Sócrates com o veneno, a Catão com a morte. Só na adversidade se encontram as grandes lições de heroísmo. Será que Múcio foi um infeliz ao segurar na mão direita a tocha acesa e ao infligir-se a si mesmo o castigo de seu erro, pondo em fuga com a mão queimada o rei que não pudera afugentar com a mão armada? Teria alcançado glória maior se estivesse acalentando a mão no seio de uma amiga? E Fabrício, ao lavrar seu pequeno campo, nas horas de folga do exercício do governo, no qual fazia a guerra tanto a Pirro como às riquezas, e porque, à luz da lamparina de sua casa modesta, não come outra coisa senão as raízes e as ervas que plantou e colheu com suas próprias mãos?
E Rutilo, será um infeliz por ter sofrido uma condenação da qual os juízes que o condenaram se envergonharão através dos tempos, e por ela responderão ao longo dos séculos? O que o honra, exatamente, é a grandeza com que se portou diante dos juízes perversos, e preferiu perder o direito de viver na própria pátria, negando-se sempre a negociar sua consciência com Sila, o ditador, a quem respondeu viajando ainda mais longe de Roma, quando o tirano o convidava a voltar. Sua resposta altiva ao ditador era que ficasse ele com os que se compraziam na submissão e contemplavam sem revolta o sangue derramado na rua e as cabeças dos senadores do povo no lado serviliano e as hordas de assassinos rondando soltos a cidade, e os milhares de cidadãos romanos degolados num mesmo lugar, depois de haverem jurado fidelidade, e até exatamente por isto. Fiquem com tudo isso - dizia o exilado - os que preferem a desonra ao desterro. E a Régulo, a quem torturaram, arrancaram a pele, encheram-lhe o corpo de feridas, obrigaram-no a não dormir - quem era superior: ele, ou os torturadores? Seu tormento foi grande, mas sua glória foi maior. Porque sofria pela causa do povo romano.
(Do tratado sobre a Providência)
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário