E o melhor de tudo: de um caráter, de uma lealdade, de uma integridade sem limites. O que falta em boa parte da "humanidade" com que somos todos obrigados a conviver...
Aprendendo a amar
Os animais são racionais. Contra Aristóteles, Voltaire (1) acompanhou Montaigne na sua observação dos animais, mostrando o comportamento deles como possuindo, segundo uma perspectiva, tudo que se pode atribuir à racionalidade.
Na verdade, se quiséssemos ser cientificamente bem rigorosos e filosoficamente espertos, teríamos de afirmar uma diferença de “racionalidade” entre nós, os bípedes-sem-penas, e os outros animais, se pudéssemos adentrar nas mentes deles. Não podemos fazer isso com nossos semelhantes. Com ninguém. Tudo que sabemos da racionalidade de nossos semelhantes e dos nossos dessemelhantes é por imputação, a partir da observação comportamental.
Por isso mesmo, gosto muito daquele desenho animado em que há uma sociedade secreta de cães que toma conta da Terra, e que vive salvando o planeta das besteiras feitas pelos homens e mulheres. Pode parecer empiricamente impossível aquilo, mas do ponto de vista teórico, aquela ficção não é impossível. Deveríamos levar aquele cartoon a sério ao nos relacionarmos com os animais, principalmente com aqueles que trouxemos para dentro de nossos lares e do nosso convívio há tanto tempo, os cães.
Caso você tenha um cão, não o trate como um pet. Trate-o como um membro da família. Caso você tenha um cão Golden, trate-o não só como membro da família, mas como um filho – e seja um bom pai e uma boa mãe. Faça isso e você não só estará fazendo justiça à “racionalidade” que Voltaire notou, mas estará fazendo também algo de muito bom para você mesmo. Será um presente que você estará se dando. Pois ao elevar o Golden à condição de filho, você descobrirá em você uma nova capacidade de amar. Como amor envolve não só dedicação, mas observação, pois o amor tem um “olhar especial”, então você começará a filosofar como Voltaire. Você começará a finalmente entender o Cosmos, ao ver nos seres que até então você chamava de “brutos” algo nada bruto, talvez algo bem melhor que tudo que nós, os humanos, podemos nos atribuir.
A primeira coisa que você tem de aprender com o Golden é que ele, como você, vem “programado” para realizar certas coisas já em tenra idade. Ele faz o xixi no jornal, sem que você ralhe com ele, apenas mostrando uma vez o lugar de xixi. Pode, no máximo, colocá-lo ali para fazer o xixi. Mas, no geral, nem isso. Só o fato de colocar o jornal, já será o suficiente. Desde as primeiras semanas, podendo ensaiar alguns passinhos e pulinhos, ele já estará pegando a bolinha e trazendo para você. Ao mesmo tempo, ele estará latindo de maneira diferente, para cada coisa que quer. Ou coisa que quer para ele próprio ou coisas que ele quer para você. Eduque seu ouvido para perceber o que ele fala – e ele fala intencionalmente, sem qualquer “condicionamento”. Golden não é para condicionar, não mais que nós mesmos, os humanos. Golden é, em certo sentido, um humano, ou seja, aprende como nós: na base da conversa. Um Golden aprende em torno de 50 palavras de modo muito rápido, sem que você se preocupe em ensinar. Agora, se quiser ensinar, ah, então verá que está diante de uma máquina de aprender sempre. Não é necessário “comandos”, como os treinadores de cães fazem. Basta que o feedback positivo seja dado para cada objeto e palavra, para cada situação e nome, e ele irá aprendendo tudo. Ele observa demais as pessoas que ama, e aprende o que estão conversando, entende o sentido da conversa, quando esta conversa se refere a coisas e situações mais fáceis e mais concretas. Um Golden sabe perfeitamente quando se está conversando dele, e não com ele.
O meu filho Pitoko, um Golden que está agora com mais de um ano, presta atenção na conversa minha com minha esposa, a Fran, e se há na conversa algo que o interessa, por exemplo, a expressão “vamos sair” ou “vamos passear” ou “vamos dar um andada”, ele logo aparece com sua coleira na boca, para ser vestido e se preparar para a saída. Nada foi falado para ele. Estávamos conversando entre nós. Mas, do mesmo modo que eu reconheço alguns latidos dele com o que ele vai fazer, ele também reconhece os meus sons. E ele está sempre interessado em nos acompanhar. O prazer dele é o prazer de estar junto conosco. Como o prazer da Fran e o meu é de estarmos juntos um com outro. Pitoko nos ama. Nós o amamos. É isso.
Tudo que o Golden faz ele faz por amor. Amor aos que lhe dão amor. Mas, fundamentalmente, amor a quem é seu “amor à primeira vista”. Portanto, guarde bem isso, para ensinar ao seu filho ou filha (humanos): se ela ou ele é quem vai ficar com Golden, que ela encare como um parceiro eterno – mais que um amigo ou irmão, mas um tipo de amizade siamesa. Não se pode ficar adolescente e, então, deixar o Golden ser um pet, trocá-lo por amigos ou amigas. Quem faz isso, comete um crime. Quem faz isso, não teve educação, percepção, não foi criado para ser um autêntico ser humano. Não entendeu nada do que é o amor e do que é a amizade.
Comece a observar seu filho, o Golden. Deixe-o dormir junto com você. Tome banho com ele. Converse. A cada passo desses, você vai entender, finalmente, o que é o amor. Você vai sentir um enorme prazer de ter se tornado uma pessoa melhor, capaz de amar outros seres, capaz de cumprir um belo lema do liberalismo que é “viver e deixar viver”. Você será uma pessoa menos irritada, menos “krika”. Experimente. E saiba que a filosofia estará com você. Sempre. Pois, finalmente, você a levou a sério.
Ah, não se esqueça de seguir uma boa dieta para o seu cão, principalmente se ele for um Golden.
©2011 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
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