Tradutor

Mostrando postagens com marcador Pedro Estevam Serrano. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Pedro Estevam Serrano. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Os Black Blocs e o Estado Democrático de Direito


CIDADANIA, SIM. FASCISMO, NÃO!



" (...) ao avaliarmos os atos violentos de desobediência civil praticados pelo black bloc, não devemos nos ater à dimensão jurídica. Juridicamente, não há dúvida. É crime depredar propriedade alheia e muito mais grave a ilicitude quando implica violência física contra agente policial.

O papel jurídico do poder constituído é reprimir tal conduta e submeter seus agentes ao devido processo legal para sua punição.

Na análise política da conduta e de sua legitimidade democrática, o tema é mais complexo. Ocorre que, no plano estritamente político, há em todo ato de desobediência um potencial constituinte, uma nova ordem no broto, que poderá florescer para o bem ou para o mal da sociedade e do regime democrático. (...)

Pouco importam as intenções políticas desse movimento de desobediência, se anarquista socialista, anarco-capitalista ou de direita. Seus resultados são fascistas. Assim se tornaram. Que seus agentes repensem criticamente seu caminho, em favor da cidadania, dos movimentos sociais e das liberdades humanas em nosso país."



Black Bloc e democracia

Pedro Estevam Serrano*



Reduzir a conduta dos black blocs à sua dimensão jurídica de ilicitude significa tratar toda desobediência civil como mero ato de bandidagem. Mas, no momento, seus resultados são fascistas e precisam ser repensados

Já tive oportunidade de escrever sobre o movimento black bloc nessa coluna em artigo passado. Volto ao tema pelo andar recente da carruagem, me dando a liberdade jornalística de não me alongar em argumentos acadêmicos e citações.

O Estado Democrático de Direito implica na disputa pacífica do poder político. O argumento como substituto da violência, a lei como substituta do poder soberano absolutista.

Nesse aspecto a legalidade é um valor essencial. A lei expressa a soberania popular e como tal tem de ser observada. A ordem democrática é um valor estruturante do regime político.

Entretanto, não há como deixar de observar na história do regime democrático no mundo que este evoluiu em termos de ampliação da garantia de direitos, por meio de rupturas desta mesma ordem jurídica.

Do voto feminino e universal aos direitos sociais, todas foram conquistas obtidas por rupturas populares da ordem que fizeram evoluir a democracia burguesa do fim do século XVIII para a democracia universal, representativa e com elementos de democracia direta, do mundo ocidental contemporâneo.

De instrumento puro de dominação, a democracia transmutou-se em veículo possível de transformações libertárias e sociais.

Em verdade há de se constatar que a evolução democrática guarda com sua ordem jurídica uma relação complexa e contraditória. Demanda sua observância e sua não observância concomitantemente

Se a conduta humana de servidão à uma determinada ordem jurídica pode ser observada com relativa objetividade pela incidência da lei sobre o fato, o mesmo não ocorre com sua desobediência. Essa sempre é ilícita.

Se reduzida sua avaliação ao mero exame de sua legalidade, se perderá, no plano político, a exata compreensão de sua complexidade, cabendo lembrar que compreender não é aceitar.

No plano político, a desobediência civil pode sim ser avaliada sob o ponto de vista democrático. Será contributiva à evolução do regime democrático se implicar ampliação de direitos das pessoas, dos grupos sociais e da sociedade como um todo, difusamente considerada.

Como ocorre no âmbito político, e não deôntico, a ação de desobediência deve ser tida em seu resultado concreto para a vida social e das pessoas.

Por evidente, o poder constituído sempre tenderá a tratar atos de desobediência civil como meros atos de banditismo comum, desconhecendo seu móvel, propósito e resultado político.

Se muitas vezes no plano jurídico a intenção política pouco influencia o juízo de legalidade da conduta, no plano ético-político influenciará muito o juízo de sua legitimidade.

O ato político, mesmo quando violento, mesmo quando inaceitável, é provido de uma pretensão de correção própria da crença política. Por mais equivocado que seja, pretende alguma forma que supõe ser de bem comum. Nesse sentido, se diferencia no plano ético-político do ato de bandidagem.

O poder constituído sempre busca subtrair do ato de desobediência o substrato político para esvaziar sua legitimidade. Muitas vezes logrará êxito pela ausência de legitimidade real e de apoio social a sua prática, ocorrente, às vezes, pela inobservância no ato de desobediência de valores morais universais caracterizadores de um dado processo civilizatório. Outras vezes, por perda da batalha comunicativa, outras ainda por repressão bruta, mas eficaz.

Assim ao avaliarmos os atos violentos de desobediência civil praticados pelo black bloc, não devemos nos ater à dimensão jurídica. Juridicamente, não há dúvida. É crime depredar propriedade alheia e muito mais grave a ilicitude quando implica violência física contra agente policial.

O papel jurídico do poder constituído é reprimir tal conduta e submeter seus agentes ao devido processo legal para sua punição.

Na análise política da conduta e de sua legitimidade democrática, o tema é mais complexo. Ocorre que, no plano estritamente político, há em todo ato de desobediência um potencial constituinte, uma nova ordem no broto, que poderá florescer para o bem ou para o mal da sociedade e do regime democrático.

Será verdadeiramente constituinte na perspectiva democrática, se resultar na ampliação de direitos. Será autoritária, se objetivar e resultar na redução de direitos, implicando a realização de valores de exceção em detrimento de valores de direito.

Neste sentido, não há que se reduzir a análise política da conduta dos black blocs à sua dimensão jurídica de ilicitude. Isso significa tratar toda desobediência civil, “a priori” e sem qualquer juízo político mais complexo, como mero ato de bandidagem.

Tal análise reducionista tem como função fortalecer o elemento imperial do poder constituído, ressaltar a ordem em detrimento dos direitos das pessoas. Não é por aí que se deve criticar as condutas recentes dos black blocs.

No plano político, os atos de violência extrema dos black blocs se iniciaram por meros ataques a propriedades símbolos do sistema capitalista, mas acabaram se convertendo em atos de violência contra um ser humano específico, que por mais que porte um uniforme não pode ser subtraído de sua condição humana.

Um movimento verdadeiramente libertário pode ter como inimigo o Estado, mas nunca um ser humano específico, ainda que agente deste Estado. Se não agir assim, perde em termos de ganho civilizatório, pondo-se no mesmo papel do fascismo e outras formas de retrocesso da civilização democrática.

Quem adota valores democráticos repudia, no interior do jogo democrático, agressões a pessoas. A violência neste caso não pode ser tida como legítima defesa contra o Estado.

Se esse Estado tem estrutura de legalidade democrática, a violência contra pessoas não pode ser tida como forma de reação legítima, pois perde em proporcionalidade ética.

Quando esta violência extrema é praticada por um punhado de pessoas, comprometendo a imagem de um movimento social mais amplo face a maioria da população, estes atos servem mais ao poder constituído em sua sanha de criminalizar a oposição social do que a qualquer conquista libertária pretendida.

O risco do agente de um ato político de desobediência civil numa sociedade democrática é esse mesmo: ser julgado por seus resultados e não por suas intenções subjetivas. Esse é um juízo político legítimo, pois nem toda desobediência é libertária. Em especial, quando praticada no interior de um sistema de legalidade minimamente democrática.

Como resultado da conduta recente dos black blocs, temos a ampliação da legitimidade social de atos de repressão contra o movimento social. Tratou-se portanto de um movimento de desobediência redutor de direitos e ampliador da potência repressiva do Estado.

Pouco importam as intenções políticas desse movimento de desobediência, se anarquista socialista, anarco-capitalista ou de direita. Seus resultados são fascistas. Assim se tornaram. Que seus agentes repensem criticamente seu caminho, em favor da cidadania, dos movimentos sociais e das liberdades humanas em nosso país.

* Jurista e professor.


*

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A Suprema Descortesia de Joaquim Barbosa


SUPREMOCRACIA



"A divergência e a oposição no direito não são condições ocasionais, mas sim necessárias, sob pena de direitos fundamentais da sociedade democrática irem para o ralo. (...)

O Tribunal, portanto, mais do que qualquer outro lugar social, deve ser o ambiente da cortesia e do respeito. Arrogâncias e incivilidades devem ser tidas não como meras deselegâncias mas como comportamentos juridicamente ilícitos, sujeitos a sanções legais, sob pena de inviabilizar a função republicana da jurisdição, impedindo a sua realização em padrões minimamente civilizados e éticos. (...)


Mais do que um problema em si, a falta de bons modos em nossos tribunais me parece um sintoma de um mal maior. O Judiciário, dos Poderes da República, é o mais infenso às mudanças democráticas que se realizam no Estado e na sociedade brasileira. (...)

A sensação de impunidade e intangibilidade a críticas mais amplas é tanta que até o despudor do xingamento público em cadeia nacional é aceito em nossa Corte maior como ocorrência natural, desmerecedora de reprovação.

O maior problema da ofensa a um colega em um Tribunal não é o vilipêndio a um companheiro de profissão, numa perspectiva corporativa, muitas vezes equivocadamente argumentada. Mas sim a desconsideração da dignidade do colega, a ofensa ao outro em sua condição humana , sua humilhação pública e perversa."




Judiciário

A cortesia nos tribunais

Por que as descortesias de Joaquim Barbosa são festejadas pelos setores mais grotescos do ambiente social?

Pedro Serrano


Agência Brasil

Os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski

A etiqueta, conjunto de regras relativas aos modos de convivência cotidiana, é uma construção cultural do início da sociedade moderna, conforme ensina o filósofo político Renato Janine Ribeiro, um dos mais relevantes intelectuais do Brasil de nossos dias.

A partir do estudo histórico do fenômeno, o professor da USP aponta duas ideias centrais que integram o conceito. Como ressalta o filósofo, a humanidade penou para superar seus modos rústicos e de expressão agressiva e construir um procedimento de condutas e gestos centrados nos valores da urbanidade e civilidade.

Essa primeira ideia tem como núcleo o respeito de um pelo outro; reflete a noção de que todos nós, seres humanos, somos iguais em essência. Por meio do trato educado em relação ao outro, demonstramos, em pequenos gestos, que por mais valência que tenha nossa posição social, ela nunca é motivo justificador da arrogância e da desconsideração do outro.


Tem-se assim etiqueta como uma “pequena ética”, o reconhecimento por gestos e posturas do outro como ser portador de dignidade humana, não por conta de suas condições materiais ou de poder, mas pelo simples fato de pertinência à espécie humana.

Neste aspecto não é nada relevante o conhecimento de regras específicas de conduta, quais talheres escolher a mesa ou como proceder num serviço a francesa, e sim demonstrar respeito, preocupar-se com os sentimentos alheios, buscar combater a arrogância e a prepotência em suas próprias atitudes, com vistas à observância do valor geral da dignidade como parâmetro das relações humanas, tanto no grande evento social, histórico ou político, quanto na microfísica do cotidiano.

O ser verdadeiramente ético não seleciona apenas o olhar público ou os grandes atos como locus exclusivo da vivência dos valores que postula.


As regras dos talheres, do RSVP, dos trajes adequados, em geral e em especial, quando descoladas dos valores referidos, traduzem a segunda ideia que o professor Janine Ribeiro postula como inerente ao conceito de etiqueta, qual seja distinguir entre as classes e segmentos sociais, criar símbolos gestuais de pertencimento às elites, distinguindo seus integrantes do restante da comunidade humana. Reflexo, portanto, de valores antagônicos ao da “pequena ética” da primeira ideia, uma etiqueta aristocrática da desigualdade em oposição à etiqueta democrática da celebração da dignidade humana.

Em minha atividade profissional, a das lides nos tribunais, a questão da etiqueta se intensifica.

Por todo meu meio século de existência ouvi de amigos profissionais de outras áreas de saber, e mesmo de colegas, críticas incisivas ao modo exageradamente formal de trato entre os profissionais do direito.

Se em certa dimensão a crítica é correta, por outro lado deixa às vezes de levar em consideração aspectos específicos da operação com o direito e seus litígios, que tornam a cortesia mais do que uma saudável e ética regra de convivência, numa verdadeira exigência de salubridade no exercício profissional.

O profissional do direito é o único que tem um colega seu pago para descontruir seu trabalho traduzido em argumentos, seja na disputa entre promotor e advogado na causa, seja no debate entre julgadores num tribunal (do colegiado democrático se espera mais a divergência que o consenso).

Nem o médico nem o historiador nem o filósofo nem o engenheiro passa por isso.

Podem argumentar que no mundo acadêmico a divergência e o debate são inerências da atividade. Mas a divergência aí, por mais cotidiana, é decorrência ocasional de enfoques ou raciocínios diversos, e não um pressuposto.

A divergência e a oposição no direito não são condições ocasionais, mas sim necessárias, sob pena de direitos fundamentais da sociedade democrática irem para o ralo.


O Tribunal, portanto, mais do que qualquer outro lugar social, deve ser o ambiente da cortesia e do respeito. Arrogâncias e incivilidades devem ser tidas não como meras deselegâncias mas como comportamentos juridicamente ilícitos, sujeitos a sanções legais, sob pena de inviabilizar a função republicana da jurisdição, impedindo a sua realização em padrões minimamente civilizados e éticos.


Infelizmente não é o que se tem observado nos Tribunais brasileiros. Várias foram as notícias de agressões, inclusive físicas, entre promotores e advogados em Juris midiáticos. Mesmo quando a violência física não se faz presente é de estarrecer os xingamentos e maus modos que vão sendo placidamente aceitos em nossas Cortes.

São mais do que públicas as deselegâncias do presidente de nossa Corte Suprema com outros ministros, por apenas divergir de seu entendimento, e também com outros magistrados, advogados e jornalistas.


Mais do que um problema em si, a falta de bons modos em nossos tribunais me parece um sintoma de um mal maior. O Judiciário, dos Poderes da República, é o mais infenso às mudanças democráticas que se realizam no Estado e na sociedade brasileira.


Ninguém gosta de criticar juiz, advogado ou promotor. O mais honesto entre os homens pode amanhã se ver envolvido numa acusação injusta ou conflitar com terceiros e depender da ação desses profissionais para que a injustiça não o prejudique.

Em nossa tradição aristocrático-patrimonialista de Estado, criticar autoridades e profissionais tão relevantes pode ser o caminho para o dissabor.

Já o deputado ou o chefe do executivo dependem do voto e, como tal, são naturalmente mais sujeitos à crítica, seja pela disputa eleitoral, seja porque não podem se dar ao luxo da antipatia.

A sujeição à critica não tem sido suficiente para resolver graves problemas de nossas esferas estritamente políticas, mas pelo menos suas mazelas são de todos conhecidas. O mesmo não corre com a chamada “caixa-preta” de nossas instituições e corporações jurídicas.

A sensação de impunidade e intangibilidade a críticas mais amplas é tanta que até o despudor do xingamento público em cadeia nacional é aceito em nossa Corte maior como ocorrência natural, desmerecedora de reprovação.


O maior problema da ofensa a um colega em um Tribunal não é o vilipêndio a um companheiro de profissão, numa perspectiva corporativa, muitas vezes equivocadamente argumentada. Mas sim a desconsideração da dignidade do colega, a ofensa ao outro em sua condição humana , sua humilhação pública e perversa.


Pior que isso, a descortesia tem sido festejada em setores mais grotescos do ambiente social como prática moralista, a ira combatente do mal.


Confirma minha impressão de sempre: o sentimento moralista nunca é irmão da ética e da dignidade. Só gemina com o adubo da hipocrisia.


Destaques do ABC!

segunda-feira, 27 de maio de 2013

STF: indicação de Dilma deve ser "comemorada"


DIREITOS HUMANOS



"A nomeação de Luis Roberto Barroso como ministro do Supremo Tribunal Federal é para ser comemorada por todos aqueles que lutam pelos direitos da pessoa humana e que têm uma visão de mundo mais comprometida com a solidariedade que com o ganho e a competição."
                                                                  Pedro Estevam Serrano, jurista e professor

Comemoremos, pois!


                          


Sobre Luis Roberto Barroso


A sua nomeação foi indubitavelmente a mais feliz do governo Dilma. Talvez a mais acertada de nosso período democrático

Pedro Estevam Serrano* 


Luís Roberto Barroso, indicado para o STF

A presidenta Dilma Rousseff obviamente optou por uma candidatura dotada de uma auto explicação na comunidade jurídica. A vida acadêmica e profissional de Barroso dispensam apresentação.

Sem favor nenhum um dos maiores constitucionalistas do Brasil, Barroso significa inegavelmente um ganho no âmbito técnico-jurídico para a composição de nossa Corte.

Sua militância de décadas como advogado cunhou em Barroso uma visão garantista, para usar o inadequado jargão, pois de fato garantista é nossa Constituição, não seus intérpretes. Mas sem dúvida sua correta perspectiva dos direitos fundamentais servirá de contraponto à sanha punitivista de Joaquim Barbosa.

Orador poderoso, saberá defender seus pontos de vista com firmeza e sedução retórica sem perder o tirocínio. É o que vemos em suas palestras e exposições em congressos especializados.

Sua militância em causas defensoras dos direitos das pessoas e das minorias é conhecida e pública.

Nada em Barroso remete à falta de transparência em juízos jurídicos, políticos e morais. Sua conduta, creio, será previsível: o que mais se espera em termos de segurança jurídica e coerência da jurisdição.

Pode-se divergir das posições jurídicas de Barroso. A racionalidade do argumento jurídico pressupõe sua refutabilidade, pois ato de razão, não de fé. Mas não se pode divergir do juízo quanto a seu valor como intelectual, acadêmico e profissional do Direito.

Como nada que é humano são só flores, confesso que não sou adepto de sua concepção de serviço público e do papel que deve ter o Estado nessas atividades. Creio que tendem a ter tolerância demasiada com a onda neoliberal que tomou conta do direito público brasileiro nos últimos tempos, o que, a meu ver, conflita com o modelo de Estado e com o plano ideológico da Constituição de 88.

Mas esse fato não afasta de mim a impressão de que a sua nomeação foi indubitavelmente a mais feliz do governo Dilma e talvez a mais acertada desde o início de nosso período democrático.

Que o Senado saiba transformar sua arguição num momento nobre e que sua atuação no STF corresponda a toda expectativa positiva que sua nomeação traz à comunidade jurídica.


* Jurista e professor de direito constitucional na PUC-SP.
 
CartaCapital

*