MUNDO DO CRIME
"Há fortes indícios de que ele tenha sido morto por policiais. As câmeras de segurança da base não funcionavam no dia, assim como o GPS dos carros também, coincidentemente, quebraram."
"A polícia sempre matou e a sociedade sempre aplaudiu."
"A sociedade espera que a apuração seja rigorosa, sem corporativismo. Que a morte de Amarildo não seja vista como apenas um erro de cálculo, mas que seja tratada por todos como um crime de estado, incompatível com a democracia que todos almejamos."
Quem sumiu com Amarildo fomos nós
José Nabuco Filho*
O desaparecimento do pedreiro da Rocinha é resultado de uma sociedade violenta e desigual.
O sumiço de Amarildo de Souza, servente de pedreiro, levado por policiais de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, é o retrato de uma sociedade desigual que tolera a violência policial que recai contra as classes sociais mais baixas.
O fato de recair na polícia a suspeita desse homicídio causa indignação, mas não surpresa. Afinal, os herois do Rio são os membros do Bope que, sugestivamente, usam como símbolo o crânio de uma caveira com uma faca enfiada, e que têm um blindado que se chama “caveirão”.
A polícia sempre matou e a sociedade sempre aplaudiu.
O sinal da sordidez de nossa PM é que ninguém, com um mínimo de senso de ridículo, é capaz de dizer que um soldado não seria capaz de matar e desaparecer com o corpo de uma pessoa inocente.
O que é preciso dizer é que essa sordidez não é a degradação de uma instituição que saiu do controle — ao contrário, ela decorre de uma sociedade desigual e violenta. Em suma, a polícia sempre fez o que a sociedade quis que ela fizesse.
A repressão penal é, essencialmente, seletiva. Os vários níveis do sistema penal — polícia, Ministério Público e Judiciário — são vocacionados para perseguir as condutas dos pobres. Isso se dá tanto no momento de fazer as leis, como no momento de iniciar a apuração dos fatos criminosos.
Alessandro Baratta, Professor de Criminologia da Universidade de Saarland, na Alemanha, afirmava que a repressão penal privilegia as classes dominantes. É como se a lei penal fosse uma rede com malha fina para punir condutas tradicionalmente praticadas por “classes subalternas” e malha larga para punir condutas praticadas pelas classes dominantes.
Esse caráter seletivo se acentua na fase de investigação, que tende a se basear em “preconceitos e estereótipos”, de modo a enxergar o criminoso nos estratos sociais onde é “normal” encontrá-lo.
Pois bem. Se Baratta chega a essas conclusões desenvolvendo seus estudos na Alemanha, o que se pode dizer em um país tão desigual como o Brasil?
Parece ser por essa razão que a população brasileira tolera tanto a violência cometida por agentes do Estado. Quando um sujeito em São Paulo fala que quer a “Rota na Rua”, ou quando no Rio de Janeiro se repete o bordão “Faca na Caveira”, em referência ao Bope, não se ignora que esse é um discurso de extermínio, que exalta uma polícia violenta que investiga, acusa e aplica a pena de morte sumariamente. Não se ignora que isso pode atingir vítimas inocentes, confundidas pelo juízo estúpido de um policial truculento. A questão é que essa violência é contra as classes baixas e, no fundo, é como se todo favelado fosse um pouco criminoso.
O que é instigante no fenômeno do Amarildo é que parece que a sociedade se deu conta da dimensão dessa brutalidade. De um lado, há um incômodo em ver nas redes sociais pessoas que defendem a violência estatal perguntando sobre o paradeiro do Amarildo. Afinal, ele não foi vítima apenas de uns policiais tresloucados, mas também de toda a sociedade que diz que “bandido bom é bandido morto”. Mas, por outro lado, é também um movimento contra toda essa brutalidade, contra essa política de extermínio que atinge os estereótipos, numa seletividade que aumenta ainda mais a desigualdade no Brasil.
A sociedade espera que a apuração seja rigorosa, sem corporativismo. Que a morte de Amarildo não seja vista como apenas um erro de cálculo, mas que seja tratada por todos como um crime de estado, incompatível com a democracia que todos almejamos. Ou, então, que o governo assuma que a palavra “pacificadora” é apenas mais um engodo eleitoral.
* José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal da Universidade São Judas Tadeu e quarto-zagueiro clássico. Seu email: j.nabucofilho@gmail.com
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